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Relembre as brigas entre Bolsonaro e Mandetta: cronologia das divergências no combate ao coronavírus

Presidente e ministros não se entendem sobre condução do combate à pandemia; pronunciamento, cloroquina e ida a padaria estão entre episódios

Por Bruno Nomura
Atualização:

O relacionamento entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, está desgastado há semanas e motivou brigas públicas. Reportagem do Estado desta quarta-feira, 15, revela que Mandetta avisou a auxiliares que deve ser demitido pelo presidente. As divergências na condução do combate à pandemia do coronavírus já ameaçaram a permanência do ministro no cargo em outros momentos. O protagonismo de Mandetta na condução da crise passou a incomodar o presidente.

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Já no dia 15 de março, quando o presidente cumprimentou centenas de apoiadores no Palácio do Planalto e ignorou orientações do Ministério da Saúde, Mandetta foi orientado por aliados a mostrar contrariedade e pedir demissão.

À época, no entanto, o ministro evitou fazer críticas à conduta do presidente. Afirmou que todos precisam fazer sua parte e que a aproximação de Bolsonaro aos manifestantes era um “equívoco”, mas não “proibida”.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante coletiva de imprensa sobre o novo coronavírus. Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

Em 20 de março, o chefe do Executivo voltou a minimizar a pandemia do coronavírus. “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse o presidente. Horas antes, Mandetta projetou, em coletiva ao lado de Bolsonaro, que o sistema de saúde brasileiro entraria em “colapso” em abril.

Os embates entre Bolsonaro e Mandetta ganharam novos contornos quando o presidente fez um pronunciamento em rede nacional, em 24 de março, pedindo o fim do isolamento em massa da população.

25/03 - ‘Temos que melhorar esse negócio de quarentena’

Mandetta inicialmente alinhou seu discurso ao de Bolsonaro. Na coletiva diária do governo federal, o ministro afirmou que a quarentena é um “remédio extremamente amargo e duro” e falou em mudanças. “Temos que melhorar esse negócio de quarentena, não ficou bom. Foi precipitado, foi desarrumado”, declarou.

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Nos bastidores, Bolsonaro teria proibido Mandetta de criar pânico na sociedade e dar munição a adversários, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Publicamente, o presidente defendeu o isolamento vertical, apenas para idosos e pessoas com doenças graves, alegando que o impacto econômico do enfrentamento à covid-19 poderia colocar em risco a “normalidade democrática”.

No dia seguinte, Bolsonaro chegou a dizer que Mandetta havia concordado com a mudança para o formato de isolamento vertical, embora a medida não tenha sido adotada pelo governo desde então.

27/03 - ‘Evidências científicas’

No dia seguinte ao lançamento da campanha “O Brasil não pode parar”, posteriormente proibida pela Justiça, Mandetta mudou o tom novamente e afirmou que tomaria apenas decisões baseadas em evidências científicas. Em reunião com gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), o ministro não defendeu o isolamento vertical, mas se mostrou favorável à abertura de igrejas.

28/03 - ‘Estamos preparados para ver caminhões do Exército transportando corpos?’

Em reunião tensa com outros ministros e Bolsonaro, Mandetta voltou a frisar que a pandemia do coronavírus não é uma “gripezinha” e fez um apelo para a criação de um “ambiente favorável” entre União, Estados e municípios.

“Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?”, teria perguntado Mandetta a Bolsonaro, segundo apurou a colunista do Estado Eliane Cantanhêde.

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Mais tarde, apesar de não aderir ao isolamento vertical e à divulgação da cloroquina como solução para a covid-19, Mandetta ressaltou que é possível compatibilizar plano de combate à pandemia com preservação da economia.

O presidente está certíssimo quando fala que crise econômica vai matar as pessoas, que a fome vai matar pessoas. Está certíssimo e somos 100% engajados para achar solução com a equipe da economia”, disse o ministro.

30/03 - O poema de Drummond

Mandetta enviou à sua equipe um pedido de paciência acompanhado de um poema. O ministro relembrou os versos de Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho tinha uma pedra”, conforme informou a colunista do Estado Eliane Cantanhêde.

O gesto foi uma resposta à visita de Bolsonaro a vários comércios locais em funcionamento no Distrito Federal. O presidente cumprimentou apoiadores e gerou aglomerações para tirar selfies, o que foi visto como uma provocação para gerar a queda de Mandetta.

01/04 - ‘Só trabalho com a ciência’

Depois de ficar de fora de uma reunião de Bolsonaro com um grupo de médicos para discutir o uso da cloroquina, Mandetta afirmou em coletiva que ia se pautar pela ciência "até o limite de tudo o que estiver na nossa frente". 

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"Só trabalho com a academia, só trabalho com a ciência. Existem pessoas que trabalham com critérios políticos, que são importantes também, deixem que eles trabalhem. Não me ofendem em nada. Eu trabalho com foco, disciplina  e ciência", argumentou o ministro.

02/04 - ‘Está faltando um pouco de humildade’

Em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro expôs seu incômodo com a atuação de Mandetta. Ressaltou que ninguém é “indemissível” em seu governo, mas garantiu que não pretendia demiti-lo “no meio da guerra”.

“O Mandetta quer fazer valer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo, mas está faltando um pouco de humildade para conduzir o Brasil nesse momento difícil”, declarou Bolsonaro.

Bolsonaro reclamou que o ministro devia “ouvir um pouco mais o presidente da República”. Ele ainda desejou “boa sorte” a Mandetta e afirmou que parte do Ministério da Saúde foi contaminado pela “histeria”. 

03/04 - ‘Um médico não abandona o paciente’

Em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, Mandetta minimizou as declarações de Bolsonaro e indicou que não pretendia "abandonar" o País. "O compromisso do médico é com o paciente. E o paciente agora é o Brasil", declarou.

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Questionado se pode deixar a pasta, Mandetta respondeu que não tomaria a decisão por vontade própria, a menos que Bolsonaro “usasse a caneta" para demiti-lo. "Um médico não abandona o paciente", argumentou.

Mandetta também ressaltou que "não é dono da verdade" e que estava buscando medidas baseadas na opinião de médicos experientes. Comparou a postura de Bolsonaro com a de um familiar do paciente que questiona a abordagem médica e busca uma segunda opinião. "Cabe ao paciente, representado pelo presidente, dizer se a conduta adotada é interessante."

05/04 - ‘Algo subiu na cabeça’

Em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro não mencionou o ministro da Saúde, mas disse que “algo subiu na cabeça” de alguns de seus subordinados.

“Algumas pessoas no meu governo, algo subiu a cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, afirmou o presidente.

Questionado pelo Estado por telefone, Mandetta se esquivou da indireta de Bolsonaro. “Eu estou dormido”, disse, parecendo bocejar. “Amanhã eu vejo, tá?”, completou, antes de encerrar a ligação.

06/04 - ‘Fico’

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Depois de um dia em que sua continuidade no cargo era tida como incerta, Mandetta anunciou que permaneceria no comando do Ministério da Saúde e pediu “paz”. Sem mencionar Bolsonaro, o ministro reclamou de críticas que, em sua opinião, criam dificuldades para o trabalho da pasta.

“Aqui nós entramos juntos, estamos juntos e quando eu deixar o ministério a gente vai colaborar de outra forma a equipe que virá. Entramos juntos e vamos sair juntos”, assegurou Mandetta, indicando ainda que, se deixar o governo, seus auxiliares também devem sair.

A permanência de Mandetta no cargo, segundo apuração do Estado, contou com a atuação nos bastidores de ministros do governo e os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.

No dia seguinte, Bolsonaro evitou fazer aparições públicas e faltou a dois eventos aos quais compareceria.

08/04 - ‘Ninguém é dono da verdade’

Na coletiva diária do governo, Mandetta aproveitou para afastar o clima ruim com o presidente. “Para todos aqueles com ânimos mais exaltados, aqui está tudo bem. Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, declarou o ministro.

Mandetta defendeu um “posicionamento técnico” sobre a adoção da cloroquina no combate ao coronavírus e defendeu a opinião do presidente sobre o assunto. O ministro também rebateu o governador de São Paulo, João Doria.

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“Não existe ninguém que é o dono da verdade. Não existe Estado que possa falar que é melhor que o outro. Hoje esse medicamento não tem paternidade. Não tem que politizar esse assunto”, criticou Mandetta, referindo-se diretamente ao governo de São Paulo.

10/04 - ‘Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir’

Pelo segundo dia consecutivo, Bolsonaro fez um passeio por Brasília. Na ocasião, o presidente foi ao Hospital das Forças Armadas, a uma farmácia e depois ao prédio onde mora um de seus filhos, Jair Renan. Apoiadores se juntaram ao presidente e geraram aglomerações.

“Eu tenho o direito constitucional de ir e vir. Ninguém vai tolher minha liberdade de ir e vir. Ninguém”, afirmou Bolsonaro na saída da farmácia.

11/04 - ‘Distanciamento social vale para todos os brasileiros’

O presidente e ministros, incluindo Mandetta, viajaram à cidade de Águas Lindas (GO) para visitar as obras de um hospital de campanha que vai atender pacientes com coronavírus. Mais uma vez, Bolsonaro desrespeitou recomendações sanitárias e foi ao encontro de apoiadores, que se aglomeraram.

Questionado por jornalistas sobre a atitude do presidente, Mandetta afirmou que orientação de distanciamento social vale para todos os brasileiros. “Eu posso recomendar (a não aglomeração), mas não posso viver a vida das pessoas. As pessoas que fazem uma atitude dessa hoje daqui a pouco serão as mesmas que estão lamentando”, disse.

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12/04 - ‘Brasileiro não sabe se escuta ministro ou o presidente’

Mandetta concedeu uma entrevista ao Fantástico, da TV Globo, em que enviou um recado direto ao presidente. “Eu espero que a gente possa ter uma fala única, uma fala unificada. Isso leva para o brasileiro uma dubiedade. Ele não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta", analisou o ministro.

O ministro minimizou as divergências com Bolsonaro e alegou que o foco é no combate à pandemia. “Isso preocupa, porque a população olha e fala assim: 'Será que o ministro da Saúde é contra o presidente?' O que a gente tem de ter foco, que é o nosso problema, é o coronavírus. Ele é o principal inimigo. Se eu estou ministro da Saúde, é por obra de nomeação do presidente”, declarou.

Não assisto à Globo, tá ok? Vou perder tempo da minha vida assistindo à Globo agora?”, respondeu Bolsonaro, no dia seguinte, em frente ao Palácio da Alvorada, a um apoiador que o questionou sobre a entrevista.

15/04 - ‘Sócio da paralisia’

Nas redes sociais, Bolsonaro compartilhou um vídeo com ataques a medidas de isolamento social adotadas no combate à pandemia da covid-19. O vídeo "Os sócios da paralisia", publicado originalmente pelo jornalista Guilherme Fiuza, apresenta uma série de críticas a Mandetta e ao governador João Doria.

"Você está em casa assistindo o governador de São Paulo assumir a paternidade da cloroquina, o ministro da Saúde explicar que traficante também é gente, jornais estrangeiros publicar fotos de covas abertas para dizer que o Brasil não tem mais onde enterrar seus mortos, entre outras referências intrigantes e estridentes sobre o assunto. Se você está paralisado e catatônico é porque já sabe que isso é um show mórbido", afirma Fiuza no vídeo.

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