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Nem Bolsonaro parece acreditar no ‘pacto’ por reformas com STF e Congresso

Presidente se reúne com chefes de poderes, mas depois volta a seu público e pede evangélico no Supremo e diz a caminhoneiros que come ‘o pão que o diabo amassou’

Por Wilson Tosta
Atualização:

Caro leitor,

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Uma lenda ronda a política brasileira desde a redemocratização. Trata-se do grande pacto nacional, que uniria o País em torno de um projeto de desenvolvimento e, de quebra, nos redimiria a todos, salve, salve. Nunca se concretizou, mas, de vez em quando, reaparece, geralmente em períodos de crise, levantado quando há interesse em silenciar divergências ou em baixar a temperatura da radicalização.

Não por acaso, semana passada, em meio à “turbulência perpétua” vivida pelo presidente Jair Bolsonaro desde que assumiu o cargo, o pacto voltou à vida. Relembre aqui. A iniciativa não caiu bem. Dizia-se antigamente, em tom de piada, diante de roupas mal-ajambradas que o defunto (o dono original da vestimenta herdada) era maior (ou menor). Foi essa a impressão que ficou. Ninguém pareceu bem no retrato, a não ser, claro, o presidente da República. Com razão: Bolsonaro será, talvez, o grande ganhador se a proposta se concretizar, o que parece hoje complexo.

Dias Toffoli, Rodrigo Maia, Jair Bolsonaro e Davi Alcolumbre depois de café da manhã na Alvorada. Foto: Marcos Correa/PR - 28/5/2019

O cenário para o pacto fora montado nas ruas, pelo setor mais radicalizado do bolsonarismo. É a turma que responde às críticas fazendo arminha com o polegar e o indicador e, se triunfar a sua vontade, haveria uma “segunda revolução” - a primeira se deu em 28 de outubro de 2018, acreditam. Anda furiosa porque as bravatas da campanha eleitoral esbarraram na realidade - afinal, governar não é tuitar -, e a culpa por isso, claro, é do marxismo cultural e seus diabólicos agentes. Atendeu ao chamado do presidente, que expusera as resistências que identificou a seu governo. Com esses ativistas, Bolsonaro demonstrou força, como você acompanhou aqui. Os alvos dos manifestantes foram o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o Centrão e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Dois dias depois das manifestações, Bolsonaro, Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o presidente do STF, Dias Toffoli, se reuniram no Palácio da Alvorada. Com  a pompa vazia dessas ocasiões, falou-se que a proposta de acordo nacional era muito anterior aos atos do domingo anterior - mas ninguém acreditou. Foi a impressão de que a temperatura da polarização continuava a subir, desde que estudantes e professores protestaram pela primeira vez contra o contingenciamento de verbas, em 15 de maio, que impulsionou a ideia de pacto.

A percepção de que poderia estar em curso uma escalada de manifestações  (já estava marcada a segunda rodada em defesa da educação, para 30 de maio, menor que a primeira, mas também significativa, parece ter forçado o gesto. Prometeu-se na reunião um documento, formalizando o acordo, em duas semanas, mas houve quem questionasse a presença do chefe do STF na reunião.

Afinal, magistrados não fazem política - nem, em tese, negociam - e devem, por dever de ofício, julgar atos dos outros poderes, não importa quão otimista o presidente Dias Toffoli tenha sido em sua avaliação. Diante da crítica de outros magistrados, ficou a dúvida: o que fazia ali Sua Excelência?

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Para Bolsonaro, um pacto moderador seria muito conveniente em um momento de dificuldades políticas e judiciais. A pedido do Ministério Público do Rio, a Justiça quebrou os sigilos bancário e fiscal de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), do ex-lugar-tenente do parlamentar, Fabrício Queiroz, e de dezenas de outras pessoas.

A devassa abrangerá dez anos da vida financeira do senador, que chegou recorreu mais uma vez ao Judiciário para barrar a investigação - sem sucesso. Os problemas já atingem a franja de eleitores que apoiaram o presidente no segundo turno, e tendem a abandoná-lo, como mostrou pesquisa publicada pelo Estadão. O mercado também se mostra reticente: avalia-se agora que o otimismo do empresariado com Bolsonaro foi exagerado e que o governo enfrenta condições críticas em sua articulação política das medidas econômicas. Que tal um pacto para acalmar as coisas?

Tirada a foto com os demais chefes de Poderes, Bolsonaro voltou a ser Bolsonaro. Três dias depois da reunião do Alvorada, o presidente criticou a iniciativa do STF de criminalizar a homofobia equiparando-a ao racismo e pediu um ministro evangélico no Supremo -  apesar de os julgamentos, no Brasil, serem feitos segundo as leis, não de acordo com convicções religiosas. Ele falou diante de parte de seu público, na Convenção Nacional das Assembleias de Deus, em Goiânia, onde foi aplaudido. A outra plateia favorável, formada por caminhoneiros reunidos em uma churrascaria de beira de estrada em Anápolis, o presidente queixou-se de estar comendo “o pão que o Diabo amassou”.

Também afirmou, em entrevista, sofrer sabotagem. Manteve alta, portanto, a fervura no ambiente político. Mas no fim de semana, como se nada houvera, garantiu: está “de boa” com Rodrigo Maia e o Congresso, que seus turbulentos apoiadores atacaram nas ruas, nas manifestações que o presidente estimulou.

Fica difícil acreditar que o tal pacto sairá do lugar em que hiberna desde a redemocratização: o plano da lenda.

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