Caro leitor:
Um dia após jantar com embaixadores dos países árabes e muçulmanos, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender na quinta, 11, a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Bem que, logo após o evento, e diante do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do ministro de fato da área, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o embaixador palestino, Ibrahim Alzeben, tinha pedido que o Brasil ficasse “longe” da briga que os opõe aos israelenses. .
Talvez não tivesse sentido a sinceridade no breve discurso do anfitrião, que disse aos diplomatas que nosso País estava de “braços abertos” para suas nações. Acertou: no dia seguinte, para uma plateia de evangélicos no Rio, Bolsonaro mudou de novo de conversa. Reafirmou, em discurso marcado por tom religioso o (suposto) direito - até agora só reconhecido por EUA e Guatemala - de Israel estabelecer sua capital na cidade santa, à revelia da comunidade internacional.
Ironicamente, do outro lado da mesma disputa política e do mundo, os israelenses também tentam entender no que se meteram. Aproximaram-se de Bolsonaro, que, de olho no mesmo eleitorado evangélico que adulou na semana passada, não se cansa de elogiar Israel. Até um suposto e inexistente desconhecimento dos brasileiros da tecnologia da dessalinização da água, já largamente usada aqui, o presidente alegou para a aproximação.
O primeiro-ministro Benyamin Netaneyayhu, em visita ao Rio, garantiu, para uma plateia da comunidade israelense, que a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém estaria garantida. A movimentação alarmou o mundo árabe e muçulmano que, sozinho, é o terceiro maior importador de proteína animal brasileira. Trata-se de um superávit, pró-Brasil, de uns US$ 7 bilhões, a maior parte para o agronegócio, bolsonarista roxo.
Pois Bolsonaro, na sua visita a Israel (e depois dela), desnorteou os novos amigos, como também confundiria os árabes e alarmaria o agribusiness. Anunciou um escritório de negócios em Jerusalém, o que decepcionou os anfitriões a quem prometera o reconhecimento total e irritou os islâmicos.
E, pior, em declaração espantosa, após visitar o Museu do Holocausto, disse não ter dúvida de que o nazismo foi um movimento de esquerda, trapalhada retórica que visava à sua base radicalizada. A afirmação é largamente desmentida pela prova histórica disponível em documentos e bibliografia e pelo debate acadêmico. Mas os adeptos da fake history que inspiraram o presidente lá ligam para essas burocracias?
Mas a coisa não parou aí. De volta ao Brasil , Bolsonaro afirmou que o Holocausto – crime imprescritível - poderia ser perdoado, embora não esquecido. Obviamente, a especulação absurda sobre perdoar um genocídio - crime imprescritível - foi criticada pelo presidente israelense. Bolsonaro, como em outras vezes, precisou “esclarecer” suas declarações. Nada, porém era surpreendente nas afirmações do presidente.
Em sua passagem pelo Chile, o presidente brasileiro já tinha deixado um rastro de constrangimento e embaraço por elogiar o ditador Augusto Pinochet (1915-2006). E, internamente, é conhecido o seu culto à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe de um centro de torturas que trata como herói.
Com declarações erráticas, contraditórias e cheias de um non sense que beira a comédia trágica, o presidente deixa tontos aqueles que tentam encontrar alguma coerência em seu governo. O mandatário, que admitiu ter tido dificuldades com o idioma quando era jovem parece não perceber que não é mais um folclórico deputado do baixo clero, a quem poucos prestam atenção, mesmo quando elogia torturadores repulsivos. O problema é que, agora, o que fala gera consequências – para ele e sobretudo para o País, como observou o Estadão em editorial.
O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, chamou o presidente brasileiro de “ser humano perigoso”. Nesse caso, não adiantam reações como a do filhão Eduardo Bolsonaro, que atribuiu ao “globalismo” as criticas a seu pai.
Verba volant escreveu em 2015 o presidente Michel Temer, quando, ainda vice, se preparava para deixar o barco petista que lhe dera inédito destaque. Também no caso de Bolsonaro, as palavras voam – talvez deixem sua boca com facilidade excessiva. Ao “pousar” em ouvidos alheios, viram problemas para o Brasil.
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