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Para generais, reação da população não permitiu anistia aos PMs amotinados do Ceará

Forma de punir rebelados era ponto central para acabar com greve no Ceará; críticas atingiram Bolsonaro e governadores

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

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O motim dos PMs no Ceará deve acabar hoje com a volta, no decorrer do dia, dos rebeldes ao trabalho. O comando do Exército manteve cautela. Apesar do otimismo, as tropas permaneceram nas ruas, mesmo depois de a assembleia dos amotinados pôr fim à greve. Determinante para o término da paralisação foi a manutenção da prisão e da decisão de se processar 43 policiais rebelados.

O desenlace no Estado deve ser ainda decisivo para o futuro desse tipo de movimento no Brasil. “O País todo está olhando para o que acontece aqui”, afirmou um dos oficiais no estado-maior da operação de garantia e lei ordem no Ceará. 

Mascarados.Episódio em Sobral motivou videoconferência entre associações policiais Foto: EFE/ Jarbas Oliveira

Os homens da 10ª Região Militar avaliavam que a decisão dos PMs de parar no carnaval causou irritação na população, que se sentiu traída e abandonada pelos policiais no momento de festa, um evento importante para o turismo e para o comércio do Estado.

Bolsonarismo e antibolsonarimo se dividiram entre apoio e repúdio ao movimento e sobre o destino dos amotinados. A razão é que, a exemplo do petismo, Jair Bolsonaro desperta um polo antípoda, que vê nos fiéis do presidente uma ameaça à República, como outrora a oposição tinha no petismo um catalisador. Bolsonaro vai além. É o anti-Caxias. Seus opositores dizem que ele nunca teve pretensões maiores do que as de tirar a sorte grande na vida. Jovem tenente, aventurou-se pelo garimpo. Mas sem paciência para obtê-la nas batéias, recebeu-a na loteria das urnas.

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Para os oficiais que lidaram com a greve dos PMs, o governador Camilo Santana (PT) se dizia disposto a agir com firmeza contra os amotinados. Comerciantes foram ameaçados. Empresários perderam dinheiro. Trabalhadores ficaram inseguros. Poucos simpatizavam com o movimento. Um deles ainda lembrou: “Motim é crime. E é grave.  O nosso Código Penal Militar prevê que, em caso de guerra, a pena para motim seja o fuzilamento“.

No fim de semana, os militares comemoravam o fato de os amotinados finalmente terem escolhido três representantes para negociar com a comissão do governo, da Assembleia e do Tribunal de Justiça do Ceará, do qual participam ainda a OAB, o Ministério Público e o Exército. Previam ir a Brasília. Iam se encontrar com o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Se o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, parecia leniente, o negócio era procurar firmeza em outras plagas...

Enquanto isso, os militares do Exército eram instruídos a dar sensação de segurança à população cearense sem enfrentar os amotinados. As tropas desdobradas pelas ruas não trabalhavam como Polícia da Polícia. Bolsonaro - depois da ameaça de os governadores enviarem PMs ao Ceará ou que o Exército fosse convocado por um outro Poder - recuou da decisão de retirar do Estado os homens da Força, abandonando suas ruas à mercê dos rebelados. Prorrogou, então, a operação por mais uma semana.

Mas o que levou à greve na opinião dos que apoiam e dos que criticam o governo? A oposição a Bolsonaro culpa o presidente por incentivar os revoltosos para emparedar os governadores. Um general que votou em Bolsonaro e o apoia acusa os governos estaduais, principalmente no Nordeste, que não manteriam “interlocução apropriada com as categorias que não podem fazer greve”.

Sua opinião é compartilhada por outros oficiais que simpatizam com o presidente. “Existe uma demanda legítima por isonomia de salários entre as polícias.” Nas suas palavras, “isso é uma bomba relógio”. E vaticina: “Se não ocorrer diálogo, vão ocorrer outros (motins)”. O general foi o interlocutor do Exército em um Estado atingido por uma greve policial. A comissão de negociação incluiu um arcebispo e o comandante da PM. Para o militar, o modelo ideal de solução seria o do Distrito Federal, cujos salários da PM são pagos pela União. “O governo federal teria de abrir o cofre.” Mas e os civis sem aumento?

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Por fim, apesar de reconhecer que motim é crime a ser punido “com demissão sumária e prisão”, ele pediu cautela. O governo deve "minimizar, senão o problema se agrava”. No sábado, ele previu qual seria a “saída honrosa para todos”.“Negocia-se uma punição para as lideranças, desconta-se os dias parados e, lá na frente, depois de uns seis meses, o governo dá um perdão.” O general conhece a tradição. Nos últimos 30 anos, o Exército foi para as ruas 29 vezes em razão de paralisações das polícias. Outras tantas anistias foram concedidas aos grevistas e amotinados.“Os governadores não resolvem seus problemas. Aproveitam a instabilidade de Bolsonaro e agem. Bolsonaro é maluco e entra na deles”, afirma.

Notável nas opiniões dos militares é um outro fato: o presidente vê surgir entre eles críticas à condução desse e de outro episódio: os protestos do dia 15. “Bolsonaro não veio para pacificar o País. Procura o confronto. Sei que só me resta apoiá-lo, mas isso não significa concordar com iniciativas, como convocar protesto contra o STF e o Congresso. Ele não pode agir como o MST.” Nenhum militar entregou o cargo por causa disso. O apoio permanece, mas já há quem lembre que o presidente de hoje foi, outrora, um capitão indisciplinado. Ou nas palavras de Ernesto Geisel: "um mau militar".

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