Ministros do STF avaliam que prisão de Queiroz pode ser a ‘emboscada’ citada por Bolsonaro

Presidente viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo próximo

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Por Rafael Moraes Moura
Atualização:

BRASÍLIA – Depois de intensificar a artilharia contra o Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçar não obedecer decisões judiciais e falar na imposição de um “limite”, o presidente Jair Bolsonaro viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo íntimo. A “semana dos infernos”, como está sendo chamada no Palácio do Planalto, começou com a prisão de extremistas do grupo “300 do Brasil”, avançou com a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador bolsonaristas, prosseguiu com o aval do Supremo ao inquérito das fake news e culminou com a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz.

O presidente Jair Bolsonaro acena para apoiadores. Foto: Adriano Machado/Reuters

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Queiroz foi detido em um imóvel de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no âmbito das investigações de um esquema de “rachadinha” no gabinete do filho do presidente da República na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O caso foi revelado pelo Estadão.

Ministros do STF e de tribunais superiores ouvidos reservadamente pela reportagem avaliam que o conjunto de decisões mostra que as instituições estão funcionando no País, apesar dos ataques estridentes e do discurso dúbio do chefe do Executivo. Na última quarta-feira, Bolsonaro citou o “povo” como escudo para blindar o seu governo, mas depois subiu o tom e comparou o que vem pela frente a uma “emboscada”.

A verdadeira “emboscada”, avaliam magistrados, pode ser a prisão de Queiroz, cujo desdobramento é considerado imprevisível. Uma das especulações nos bastidores é se o ex-assessor poderia aceitar um acordo de colaboração premiada, com potencial de incendiar a República, levar à cassação do mandato de Flávio e dinamitar o governo. Um magistrado, no entanto, aponta que a prática de “rachadinha” (recolhimento de parte do salário de assessores para devolvê-los ao político responsável pelo gabinete) é relativamente comum nas Casas legislativas, mas mesmo assim aposta que o episódio tem potencial para aprofundar o desgaste do clã Bolsonaro.

Estremecimento

As relações entre o Supremo e o Palácio do Planalto se deterioraram após o tribunal impor uma série de reveses ao governo, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem – amigo da família Bolsonaro – para a direção-geral da Polícia Federal e o entendimento do plenário da Corte que garantiu a prefeitos e governadores de todo o País autonomia para tomar medidas de isolamento social no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

Uma das últimas pontes que restam do Planalto com o STF é via Dias Toffoli, presidente da Corte. Segundo o Estadão apurou, Toffoli ficou incomodado com a falta de uma nota oficial de Bolsonaro em repúdio à escalada de manifestações contra a Corte, como os fogos de artifício disparados sobre o STF e as tochas carregadas na Praça dos Três Poderes pelo grupo bolsonarista “300 do Brasil”, liderado pela extremista Sara Giromini, que acabou na cadeia por decisão de Alexandre de Moraes.

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Enquanto Bolsonaro se silenciava sobre o assunto, a página oficial do STF divulgava com destaque a mensagem dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer rechaçando os ataques e prestando solidariedade ao tribunal.

O presidente da República acenou com uma trégua ao Supremo ao confirmar a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação (MEC), um gesto bem recebido pelo tribunal. Ministros avaliam que o desligamento de Weintraub ajuda a distensionar o fogo cruzado, mas criticam a demora de Bolsonaro em anunciar a troca na pasta. Weintraub deixou o tribunal perplexo ao chamar seus integrantes de “vagabundos” e falar em colocá-los na cadeia durante a reunião ministerial de 22 de abril. 

“Se tivesse saído logo, o desgaste teria sido menor. A situação se arrastou muito, cada dia uma ladainha, é ruim”, disse ao Estadão o ministro Marco Aurélio Mello, que chegou a pedir publicamente a demissão de Weintraub no mês passado.

Investigações

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Em outro revés imposto para o governo, o STF decidiu nesta semana, por 9 a 1, manter Weintraub na mira das investigações que apuram ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Em outro julgamento de placar elástico, o tribunal deu aval – por 10 a 1 – ao inquérito, que já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. A existência do grupo foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

Bolsonaro é alvo de inquérito que apura se houve interferência política na Polícia Federal, conforme acusação do ex-ministro Sérgio Moro ao deixar o governo. As suspeitas ressurgiram nesta semana depois de vir à tona que a PF se opôs à realização de uma operação contra bolsonaristas no inquérito que apura a realização de atos antidemocráticos. Em ofício encaminhado ao STF, a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro apontou que o cumprimento das ordens representaria um “risco desnecessário” à “estabilidade das instituições”. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o seu afastamento do caso. 

Com tantas derrotas acumuladas na arena judicial, as atenções do governo se concentram agora no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramitam oito ações que investigam a vitoriosa campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018. Quatro delas, mais delicadas, tratam de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp, e podem ser “turbinadas” com as provas coletadas no inquérito das fake news.

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A avaliação nos bastidores é a de que, caso seja autorizado, o compartilhamento de informações pode dar um novo fôlego às investigações do TSE. O inferno de Bolsonaro ainda não acabou.

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