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Para Bolsonaro, regime militar teve ‘probleminhas’

Presidente da República e outros representantes do governo defendem ‘revisão histórica’ do período; Procuradoria pede que quartéis não comemorem o 31 de março

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Por Redação
Atualização:

O aniversário de 55 anos do golpe militar de 1964 virou pano de fundo para mais uma forte polêmica da gestão Jair Bolsonaro após o presidente orientar os quartéis a comemorarem a “data histórica” de 31 de março. Com retóricas mais ou menos contundentes, Bolsonaro e outros representantes do governo defenderam ontem uma revisão histórica do regime. O Ministério da Defesa divulgou o texto que será lido nas unidades das Forças Armadas. O documento adota um tom de exaltação e diz “reconhecer” o papel da geração militar que deu início à ditadura. 

Por outro lado, o Ministério Público Federal enviou, em pelo menos 18 Estados, recomendação a unidades que integram Comandos Militares para que não comemorem a data. Uma juíza federal de Brasília mandou intimar Bolsonaro para que ele se manifeste em uma ação popular que pede que sejam barrados eventuais festejos e um protesto em São Paulo obrigou o presidente a desistir de uma agenda na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 

Bolsonaro foi à cerimônia no Comando Militar do Sudeste após cancelar participação em evento em universidade Foto: ISAC NÓBREGA/PR

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A Ordem do Dia – mensagem da Defesa aos quartéis – foi divulgada às 17h desta quarta-feira, 27. Minutos antes, o programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, veiculou entrevista na qual Bolsonaro voltou a dizer que não houve ditadura militar no Brasil, afirmou que o regime foi marcado por “probleminhas” e chamou o golpe de “revolução democrática”.

A nota do Ministério da Defesa reafirma a versão dos governos militares de que o presidente deposto João Goulart abandonou o mandato. A mensagem relata que “dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946”, o Congresso, em 2 de abril (de 1964), declarou a vacância do cargo de presidente da República. Naquele exato momento, porém, o presidente João Goulart estava em território nacional, mais precisamente no Rio Grande do Sul.

“O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo”, ressalta o texto. “As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo.”

Na entrevista à TV, Bolsonaro também minimizou o fechamento do Congresso Nacional ao comparar a edição de decretos-leis e a edição de medidas provisórias pelos governos pós-ditadura e disse que o regime militar não acabou com as liberdades individuais no País.

Roberto Godoy sobre 1964: ‘Não é uma comemoração’

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“Entre os probleminhas que nós tivemos e que outros países tiveram, olha a Venezuela a que ponto chegou? Se esse pessoal que no passado tentou chegar ao poder usando as armas, e que hoje em dia grande parte está presa ou sendo processada por corrupção das mais variadas possíveis, como estaria o Brasil?”, disse. “E onde você viu no mundo uma ditadura entregar para a oposição de forma pacífica o governo? Só no Brasil. Então, não houve ditadura.”

O Estado revelou na segunda-feira que o presidente havia orientado a comemoração do 31 de março. <IP10>Generais esperavam que no atual governo a história sobre a derrubada de João Goulart fosse “mais equilibrada”, em uma referência à visão dos governos anteriores, como o de Dilma Rousseff, que proibiu a realização nos quartéis de formaturas e a leitura da Ordem do Dia sobre o 31 de março. Generais próximos a Bolsonaro pediram ao presidente, no entanto, que a comemoração fosse discreta. 

Ação popular

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A juíza federal da 6.ª Vara de Brasília, Ivani da Silva Luz, determinou ontem a intimação do presidente sobre ação popular de autoria do advogado Carlos Alexandre Klomfahs, que pede para que sejam barrados os festejos em torno do aniversário do golpe.

Outros representantes do governo comentaram o tema. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que a data representa um “fato histórico”. “Cada um tem sua ótica sobre isso aí, eu vejo que precisamos que atores e historiadores isentos analisem, esta é a minha visão. Olho muito assim e acho que no futuro vai ser visto que 31 de março foi o ápice das intervenções militares durante a história da República”, afirmou. 

A Passeata dos 100 mil, no Rio de Janeiro, contra a ditadura militar Foto: Evandro Teixeira

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, defendeu o regime militar durante uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. “Não considero (o que houve em 31 de março de 1964) um golpe. Foi um movimento necessário, para que o Brasil não se tornasse uma ditadura”, afirmou o chanceler.

Em 2011, no entanto, Araújo exaltou a atuação da presidente cassada Dilma Rousseff contra a ditadura. Ele foi ministro-conselheiro na embaixada brasileira em Washington no governo da petista. “Especialmente entre os jovens não havia esperança de ver a democracia restabelecida por meios pacíficos. A impressão era de que o governo militar ia ficar para sempre. Então muitas pessoas, a despeito das instituições, decidiram pegar em armas. Ela foi parte disso”, disse Araújo em evento na capital americana em abril de 2011.

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De acordo com dados da Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram mortas pela repressão militar ou desapareceram durante a ditadura (1964-1985)./ JULIA LINDNER, MARCELO GODOY, MARIANA HAUBERT, PAULO BERALDO, ROBERTA JANSEN, LUIZ VASSALLO, JULIA AFFONSO, RICARDO BRANDT e FAUSTO MACEDO

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