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Rede vai ao Supremo contra MP de Bolsonaro que suspende prazos da Lei de Acesso

Partido afirma que Planalto usa de instrumentos normativos que entram em vigor antes de análise do Congresso para 'flexibilizar direito de acesso à informação'

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

A Rede Sustentabilidade apresentou ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Medida Provisória editada pelo governo Bolsonaro que suspende prazos de respostas de pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

As mudanças propostas pelo Planalto foram criticadas por especialistas ouvidos pela reportagem do 'Estado', assim como ONGs e entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Na peça, a legenda relembra que no primeiro mês de mandato, o governo federal baixou decreto para ampliar as prerrogativas de sigilo a funcionários comissionados e servidores do segundo escalão, como chefes de autarquias. A medida acabou revogada após o Congresso impôr derrota a Bolsonaro ao aprovar projeto de lei anulando o decreto.

"Agora, tenta por medida provisória, logo após a decretação do estado de calamidade pública, restringir o acesso à informação. Ou seja, usando de instrumentos normativos que possuem vigência antes de sua apreciação pelo Congresso Nacional, tenta flexibilizar o direito de acesso à informação que todos os cidadãos possuem", afirma a Rede.

A medida provisória assinada por Bolsonaro nessa segunda, 23, prevê a suspensão dos prazos de atendimentos a pedidos enviados via LAI. A lei hoje prevê o cumprimento da solicitação em até 20 dias, prorrogáveis por mais 12, mas a alteração, que já está em vigor, possibilita que o órgão descumpra o período máximo alegando que seus servidores trabalham de casa ou estão em quarentena. A proposta também impede recurso contra a decisão nestas situações.

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com a comunidade de brasileiros em Miami, nos Estados Unidos. Foto: Alan Santos/PR

A justificativa do governo é que a medida é temporária e visa impedir que os prazos atrapalhem ações do governo no combate ao novo coronavírus. No entanto, a própria MP aponta que órgãos diretamente envolvidos na crise podem suspender os pedidos que receberem até o fim do estado de calamidade pública, que deve vigorar até o fim do ano.

"Em outras palavras, os pedidos referentes ao enfrentamento da Covid-19 serão atendidos com prioridade, mas não serão respondidos, já que todas as autoridades sanitárias estão atuando no combate à doença!", aponta a Rede. "A previsão, em si, é contraditória. Infelizmente, neste governo, temos percebido diversas medidas como essa, em que são utilizados argumentos aparentemente razoáveis com fins, para dizer o mínimo, questionáveis".

A sigla menciona declarações de especialistas em transparência e dados abertos, como a de Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, ouvida pela reportagem do 'Estado'. Segundo ela, o governo 'deveria focar em, no mínimo, abrir os dados relacionados à epidemia e orientar estados e municípios a fazer o mesmo, mas nem isso fez ainda'.

A Rede pontuou que leva o caso ao Supremo por acreditar ser preciso 'ficar atento a propostas que, aos poucos, vão nos levando para caminhos não desejados' e que 'resultem na perda de direitos arduamente conquistados'. O partido aponta, ainda, que o fato do Planalto ter deixado de divulgar as exposições de motivos que embasam as medidas provisórias decretas no início dessa semana.

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"Pelo visto antes mesmo da norma aqui impugnada o governo já aproveitou a crise provocada pela pandemia para tentar justificar a redução do controle social sobre atos do governo", afirma a Rede.

COM A PALAVRA, A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO

1. Quando as discussões sobre tais medidas começaram? Por quais motivos essas discussões não foram abertas ao público antes?

As discussões começaram nos últimos dias em função da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Exatamente em função da emergência e da urgência que o caso requer não foi possível avançar o debate junto à sociedade civil ou outros atores de interesse.

2. O fato da MP impedir possibilidade de recurso não limita a atuação da própria CGU, que tem como obrigação fiscalizar o cumprimento da LAI pelos demais órgãos públicos?

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Em primeiro lugar é importante deixar claro que a suspensão de prazos da LAI foi um assunto levado ao Presidente da República pela própria Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por monitorar a aplicação da Lei de Acesso à Informação e do Decreto nº 7.724/2012, que a regulamenta no Poder Executivo Federal. Dessa forma, não existe possibilidade de a MP limitar a atuação da CGU.

Importante esclarecer também que a suspensão de prazos, que implicará na impossibilidade de respectivos recursos, é uma exceção e se aplica a apenas duas situações excepcionais:

1. Quando o órgão tenha estabelecido regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes e o servidor responsável pela demanda tenha que ir fisicamente ao órgão para acessar os dados necessários para a produção da resposta, não sendo possível fazer isso em teletrabalho. Se for possível produzir a resposta de forma digital, ela será dada normalmente dentro dos prazos da LAI, mesmo com o servidor em teletrabalho.

2. Quando o órgão, servidor público ou setor estiver prioritariamente envolvido nas medidas de enfrentamento da situação de emergência e, por esse motivo, se torne inviável a resposta dentro do prazo.

Para todos os outros casos, que não se enquadrem nessas duas situações, os prazos originais da LAI permanecem inalterados. Portanto, a suspensão é algo residual, e a possibilidade de recurso permanecerá para todas as outras situações.

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Ademais, as demandas de LAI que se enquadrarem nesses dois casos e ficarem, por ora, sem resposta, poderão ser respondidas ao final do estado de calamidade pública, quando ressurgirá a possibilidade de recurso.

3. Por que a necessidade de criar um novo procedimento da LAI, quando outros já existentes (como resposta negada por trabalho adicional) podem ser utilizados?

A CGU entende que os atuais procedimentos previstos na LAI não se aplicam necessariamente aos pedidos que venham a se enquadrar nas suspensões previstas na MP. Não é porque um servidor está em teletrabalho sem condições de comparecer ao órgão para apurar informações fisicamente ou porque um servidor, um setor ou um órgão está trabalhando prioritariamente na luta contra o coronavírus que o pedido de informação poderá ser classificado como desproporcional ou desarrazoado ou ainda que se exija trabalho adicional para a sua respectiva resposta, por exemplo.

A CGU entende que, a depender do pedido, os atuais procedimentos previstos na LAI poderiam ser artifícios indevidos para negar pedidos de informações no atual cenário de emergência que estamos vivendo, conduta que nunca seria admitida pela Controladoria.

4. A MP não coloca ônus sobre o cidadão ao esperar que ele mesmo cobre ao governo uma resposta para um pedido que teve a resposta suspensa? Não há formas disso ser feito automaticamente?

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A forma mais efetiva encontrada pelo governo para a retomada das demandas foi que elas sejam reiteradas pelos próprios demandantes após o encerramento do estado de calamidade pública. Isso porque, caso as demandas fossem automaticamente reativadas ao final do prazo de calamidade, o prazo de resposta de todas elas começaria a valer na mesma data, culminando em um volume de trabalho concentrado e que, somado ao fluxo ordinário de novos pedidos, poderia tornar inviável a análise por parte da administração pública.

Além disso, a análise de parte desses pedidos poderá não ser mais necessária, uma vez que o governo vem trabalhando para colocar o máximo de informações em transparência ativa. Sendo assim, alguns pedidos já poderão estar respondidos na ocasião do final do prazo de calamidade.

5. A CGU considera que a medida é realmente eficaz em manter a transparência do governo em meio à crise do novo coronavírus?

A medida não busca manter a transparência, mas sim evitar o risco de que servidores que estão atuando prioritariamente na luta contra o coronavírus - seja de forma ativa, seja ficando em casa, em teletrabalho - sejam desviados dessa prioridade. A quantidade de servidores públicos na administração pública é finita, sendo necessária a priorização das atividades. A MP busca alternativas para manter o comando prioritário de atacar a emergência em saúde pública e, por ser transitória, não prejudicará a transparência do país.

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