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'Equivocada e desproporcional': especialistas em dados abertos criticam medida de Bolsonaro que suspende Lei de Acesso à Informação

MP 928 foi assinada na noite de segunda-feira, 23, e prevê que órgãos públicos podem deixar de responder pedidos de cidadãos brasileiros durante o período de estado de calamidade pública

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

Especialistas em transparência pública e dados abertos classificaram como 'desnecessária', 'equivocada' e 'desproporcional' a medida provisória editada na noite de segunda-feira, 23, pelo presidente Jair Bolsonaro para suspender os atendimentos da Lei de Acesso à Informação (LAI). A MP prevê que todo órgão federal com funcionários em quarentena ou em home office pode descumprir prazos definidos em lei para o envio de documentos públicos.

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"No momento em que o país se prepara para combater uma epidemia, o momento deve ser de mais transparência, e não menos. O governo federal deveria focar em, no mínimo, abrir os dados relacionados à epidemia e orientar estados e municípios a fazer o mesmo, mas nem isso fez ainda", afirma Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil.

Segundo Campagnucci, ao tentar resolver o problema da sobrecarga de pedidos encaminhados ao governo, o Planalto acaba criando novos, como tentar priorizar o que é assunto relacionado à saúde pública, de forma genérica, e ignorando que outras áreas, como Economia, também são relevantes em momentos de crise.

O presidente da República Jair Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Campagnucci afirma que a medida é 'desproporcional e viola um direito fundamental no momento em que é preciso fortalecê-lo mais'. "O governo deveria focar em abrir dados, ser mais transparente. A MP 928 sufoca o direito das pessoas de ter informação sobre o que está e o que não está sendo feito no país para combater o coronavírus", afirma.

Outro trecho questionado é o que impossibilitaria o cidadão de recorrer da resposta dada pelo órgão. De acordo com a MP, todo pedido negado sob a justificativa de servidor em quarentena ou em home office não teria possibilidade de recurso, bloqueando a análise da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) sobre o caso.

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"Você retira um direito que as pessoas têm ao recorrer de uma negativa de acesso. Basicamente, nada vai ser revisto. A possibilidade de abuso fica muito maior quando você não tem nenhuma possibilidade de recorrer", afirma Joara Marchezini, coordenadora da Artigo 19, ONG voltada para a defesa do acesso à informação.

Contra-mão. Segundo Joara, a MP está na 'contramão' do que se espera do governo em momentos de crise e o fato da medida ter sido editada em formato de Medida Provisória é ainda mais grave. "É muito problemático e foi feito sem nenhum tipo de discussão com a sociedade civil", afirma.

Opinião semelhante tem Fabiano Angélico, mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em transparência, que classifica a MP como 'desnecessária e equivocada'.

"Agora é o momento de construirmos confiança mútua e uma MP como essa vai na direção contrária. Indica um movimento de desconfiança, de pouco apreço ao diálogo e à transparência, típico de governos autoritários".

Angélico e Marchezini relembram que a LAI dispõe de prerrogativas que podem ser acionadas em caso de impossibilidade de cumprir o pedido. Um deles, por exemplo, é a resposta a pedidos que demandam trabalho adicional - ou seja, solicitações que obrigariam o órgão a paralisar parte de suas atividades cotidianas para responder.

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"Na prática: se um determinado pedido exigir que o servidor consulte algum arquivo ou documento físico que esteja no prédio, o órgão pode argumentar que, devido a quarentena, a resposta ao pedido exigiria um trabalho adicional de deslocamento ao local de trabalho, o que é desaconselhável dada a epidemia e geraria um trabalho adicional", explica.

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