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PF diz que 'modo de agir' de Bolsonaro se assemelha a milícias digitais

Relatório da delegada federal Denisse Dias Rosas Ribeiro relaciona apurações que têm o presidente como principal investigado a inquérito sobre organização criminosa que promove ataques antidemocráticos e fake news

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Por Rayssa Motta/São Paulo e Weslley Galzo/Brasília
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro, após audiência com o presidente do STF, ministro Luiz Fux. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O relatório da Polícia Federal sobre o inquérito das milícias digitais, enviado nesta quinta-feira, 10, ao Supremo Tribunal Federal (STF), aponta a "atuação orquestrada" de aliados e apoiadores do governo Jair Bolsonaro para promover notícias falsas e ataques contra adversários e instituições, usando para isso até mesmo a estrutura do chamado "gabinete do ódio". Sobre o presidente, investigado formalmente no inquérito, o documento relaciona os indícios levantados a outras duas investigações em andamento, o que na avaliação da PF revela "semelhança no modo de agir" e "aderência ao escopo descrito na hipótese criminal". Para a delegada responsável, Denisse Dias Rosas Ribeiro, a atuação de Bolsonaro é similar à das chamadas "milícias digitais".

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A delegada voltou a relacionar a investigação das milícias digitais a outros dois inquéritos: o que apura a live do dia 29 de julho do ano passado para questionar a segurança das urnas eletrônicas e o que se debruça no vazamento de uma investigação sigilosa da PF sobre uma tentativa de ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste último, a PF concluiu que Bolsonaro cometeu o crime de violação de sigilo.

"Por se tratar de investigação do que se supõe ser a atuação de organização criminosa, também se encontram no escopo deste inquérito outros eventos relacionados a esse grupo", escreve a delegada ao listar os inquéritos que têm o presidente como principal investigado.

De acordo com Denisse, o objetivo dos investigados (entre eles o blogueiro Allan dos Santos e o ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson) seria "obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos por canais diversos".

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Para a Polícia Federal, os elementos colhidos até o momento corroboram a suspeita de uma "atuação orquestrada" da organização criminosa investigada nas milícias digitais para disseminar desinformação e ataques contra adversários do presidente e instituições. O objetivo, segundo o relatório, seria "obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos por canais diversos".

 

O Planalto também foi implicado em outro trecho do documento, o que descreve em detalhes o modus operandi dos investigados e o uso da estrutura do chamado "gabinete do ódio" - grupo que atuaria inclusive de dentro da sede do governo por meio de funcionários comissionados da presidência para operacionalizar ataques e promover fake news. A atuação é resumida em quatro etapas pela PF: 1) eleição dos alvos; 2) preparação do conteúdo, separação de tarefas e definição dos canais usados para "promover a amplificação do discurso"; 3) publicação simultânea de postagens com "conteúdo ofensivo, inverídico e/ou deturpado"; 4) reverberação do conteúdo por meio da "multiplicação cruzada das postagens por novas retransmissões".

Um dos exemplos citados no relatório é a campanha capitaneada pela militância bolsonarista em nome do tratamento precoce com medicamentos ineficazes contra a covid-19, como cloroquina e hidroxicloroquina, para tratar pacientes diagnosticados com a doença. A delegada também menciona a elaboração de dossiês contra antagonistas e dissidentes, "inclusive com insinuação de utilização da estrutura de Estado para atuar investigando todos".

Aberta em julho do ano passado, a investigação das milícias digitais nasceu derivada de outra frente de apuração contra aliados e apoiadores bolsonaristas: o inquérito dos atos antidemocráticos. Na ocasião, o caso precisou ser arquivado por determinação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Antes de encerrá-lo, porém, o ministro Alexandre de Moraes, na condição de relator, autorizou o intercâmbio de provas e mandou rastrear o que chamou de "organização criminosa". Ainda na investigação sobre manifestações contra a democracia, a PF chegou a prender integrantes do grupo extremista 300 do Brasil, que em meados de 2020 montou acampamento em Brasília e se envolveu em atos contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. O acampamento foi desmontado por determinação do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), e as manifestações voltaram essencialmente às redes sociais, onde o grupo nasceu. Em depoimento no inquérito das milícias digitais, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Augusto Heleno, admitiu ter se reunido com os extremistas e designado um funcionário do seu gabinete para atuar como interlocutor do governo junto ao grupo. O objetivo, segundo o relato do ministro à PF, foi monitorar "a possibilidade de conflito". No encontro, os militantes teriam mencionado o interesse em adotar "posturas contra o STF", mas o general disse à PF ter desaconselhado qualquer tipo de ação contra a instituição.

Veja todas as investigações abertas contra o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados e apoiadores desde ele assumiu o cargo:

Inquérito das fake news Abertura: março de 2019 Objetivo: apurar notícias falsas, ofensas e ameaças dirigidas aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Quem pediu: Dias Toffoli, então presidente do STF, na esteira dos ataques que sucederam a decisão sobre a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de corrupção e lavagem de dinheiro conexos a crimes eleitorais. O que diz a PF: PF vê "mecanismo coordenado de criação e divulgação" de notícias falsas. Interferência na PF Abertura: abril de 2020 Objetivo: apurar as declarações do ex-ministro e pré-candidato a presidente Sérgio Moro, ao entregar o cargo no governo, de que o presidente tentou interferir politicamente na Polícia Federal para blindar familiares e aliados de investigações. Quem pediu: Procuradoria Geral da República O que diz a PF: O relatório final da PF é aguardado desde que Bolsonaro prestou depoimento, em novembro do ano passado. O interrogatório era considerada a última pendência para a conclusão das apurações. Inquérito dos atos antidemocráticos Abertura: abril de 2020 Objetivo: apurar a organização, a divulgação e o financiamento de manifestações que defenderam a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacaram instituições democráticas nas comemorações pelo Dia do Exército. Quem pediu: Procuradoria Geral da República que, depois de um ano, se manifestou pelo arquivamento da investigação por falta de provas. O que diz a PF: A Polícia Federal defendia a continuidade das apurações por ver indícios de um grupo estruturado para 'fazer propaganda de processos violentos ou ilegais'. Inquérito das milícias digitais Abertura: junho de 2021 Objetivo: identificar "organização criminosa" responsável por promover desinformação e ataques antidemocráticos orquestrados na internet. Quem pediu: Alexandre de Moraes O que diz a PF: PF vê "semelhança no modo de agir" do presidente com as milícias digitais. Negociação da Covaxin Abertura: julho de 2021 Objetivo: apurar se Bolsonaro prevaricou por não ter comunicado inícios de corrupção envolvendo as negociações do Ministério da Saúde para compra da vacina Covaxin. Quem pediu: Procuradoria Geral da República O que diz a PF: No relatório final, a PF concluiu que Bolsonaro não tinha o dever funcional de comunicar aos órgãos de investigação eventuais irregularidades e, por isso, não ouve crime. Ataques ao sistema eleitoral Abertura: agosto de 2021 Objetivo: apurar a live promovida pelo presidente para colocar sob suspeita a segurança das urnas. Quem pediu: Tribunal Superior Eleitoral O que diz a PF: Polícia Federal diz que Bolsonaro agiu para promover "ilações" e uma narrativa que já sabia ser "inconsistente" sobre o sistema eleitoral. Vazamento de investigação da PF Abertura: agosto de 2021 Objetivo: apurar o vazamento de investigação sigilosa da Polícia Federal sobre uma tentativa de ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral. Quem pediu: Tribunal Superior Eleitoral O que diz a PF: No relatório final, PF viu crime de violação de sigilo, mas não pediu o indiciamento de Bolsonaro em razão do foro por prerrogativa de função. Fake news sobre a vacina Abertura: dezembro de 2021 Objetivo: apurar se o presidente cometeu crime ao relacionar vacina contra a covid-19 com o vírus da Aids. Quem pediu: Omar Aziz O que diz a PF: Como a investigação está em fase inicial, a PF ainda não apresentou relatório.

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