O procurador regional da República em Brasília Vladimir Aras, apontado como expressiva liderança entre seus pares, disse nesta quinta, 5, que entende o que motivou a debandada do Grupo de Trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República.
"Entendo o sentimento que motivou esses valorosos colegas a dizer um basta. Eles se dedicaram durante dois anos à luta contra a corrupção, um dos mais importantes papéis do Ministério Público Federal", declarou Aras.
Na carreira desde 1993, professor de ciências criminais e direito internacional, mestre e doutorando em Direito, Aras foi chefe da Secretaria de Cooperação Internacional da PGR nos mandatos de Rodrigo Janot, antecessor de Raquel.
"É um triste fim de gestão que mostra a importância de os presidentes da República escolherem bem os Procuradores-Gerais", emendou, em referência ao crepúsculo do mandato de Raquel Dodge.
Ela sai no próximo dia 17, mas sonha com a recondução. O presidente Jair Bolsonaro, a quem cabe a indicação, ainda não anunciou quem vai escalar para comandar a instituição nos próximos dois anos.
'Incompatibilidade'
O Grupo de Trabalho da Lava Jato da PGR decidiu se desligar da força nesta quarta, 4.
Disseram adeus à operação Raquel Branquinho, Maria Clara Noleto, Luana Vargas, Hebert Mesquita, Victor Riccely e Alessandro Oliveira. Eles pediram desligamento sob a alegação de 'incompatibilidade' com entendimento da procuradora-geral.
A dispersão abriu pesada crise na cúpula da instituição e provocou forte impacto em todo o Ministério Público Federal.
"Farão muita falta", afirmou no Twitter o procurador Roberto Pozzobon, que integra a força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
A mensagem de Pozzobon foi retuitada pelo chefe da força-tarefa em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol.
A procuradora da República em São Paulo Thaméa Danelon também declarou 'todo apoio e respeito aos seis bravos colegas que, não concordando com certos posicionamentos, deixaram de integrar a Lava Jato da PGR!'
"Parabéns pela coragem, determinação e comprometimento com a sociedade e com o combate à corrupção e impunidade", tuitou Thaméa.
A postagem de Roberto Pozzobon aborda ainda duas outras notícias da quarta-feira, 4 - a soltura dos ex-governadores do Rio Rosinha e Anthony Garotinho e o envio da investigação sobre o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (Governos Lula e Dilma) à Justiça Federal em Brasília, neste caso por ordem de Gilmar Mendes, do Supremo. 'Dia difícil', disse Pozzobon.
Delação
A entrega em série dos cargos do Grupo da Lava Jato na PGR se dá a menos de 15 dias do fim do mandato de Raquel como chefe do Ministério Público Federal. Ela é alvo de crescente insatisfação interna dentro do órgão.
O desentendimento da equipe com Raquel está relacionado com a delação premiada do executivo Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. Segundo apuração da reportagem do Estado, ao encaminhar o acordo de delação premiada para homologação do Supremo, ela pediu o arquivamento de parte dos relatos que supostamente trazia implicações ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e um dos irmãos do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
Não foram as primeiras baixas da equipe de Raquel na área criminal. O ex-coordenador da Lava Jato, José Alfredo, havia abandonado o posto em julho, também em desacordo com a atuação da procuradora-geral. Em março, os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, que eram chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (SPPEA), também pediram desligamento da função.
Nos bastidores da Procuradoria, além da decisão sobre a delação de Leo Pinheiro, o pedido de desculpas feito pelo subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha à Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, influenciou a entrega de cargos do Grupo da Lava Jato.
Os dois atos são avaliados como 'gestos políticos' da procuradora-geral em busca da recondução à PGR.
Na sessão de terça, 3, Bigonha se desculpou pelo fato de procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná terem criticado a decisão do colegiado que, na terça, 27, por três votos a um, anulou a condenação do ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine.
A sentença havia sido dada pelo então juiz Sérgio Moro e determinava que Bendine cumprisse 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Sem citar nomes, Bigonha disse que não cabe a procuradores que atuam em primeira instância - como o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol - fazer 'juízo de valor' sobre julgamentos do Supremo.
COM A PALAVRA, A PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
Ao confirmar que recebeu pedido de desligamento de integrantes de sua equipe na área criminal, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reafirma que, em todos os seus atos, age invariavelmente com base em evidências, observa o sigilo legal e dá rigoroso cumprimento à Constituição e à lei. Todas as suas manifestações são submetidas à decisão do Supremo Tribunal Federal.