Postagem viral descontextualiza frases de políticos sobre pandemia

Citações são do início de 2020, quando ainda se sabia pouco sobre a covid-19; discurso mudou depois que transmissão do vírus acelerou no País

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Por Pedro Prata
Atualização:

Circula no Facebook uma postagem que tira de contexto frases de políticos sobre a covid-19. Todas foram ditas no começo da pandemia ou antes de o novo coronavírus ser detectado no País, quando se sabia pouco sobre a doença. Sem essa informação, a postagem passa a mensagem de que todos os citados estariam diminuindo a gravidade do vírus. O post ainda traz o questionamento "agora é culpa do presidente?", sugerindo uma conspiração contra Jair Bolsonaro. Este conteúdo foi compartilhado ao menos 81 mil vezes desde agosto de 2020 e voltou a viralizar recentemente.

 Foto: Reprodução

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Drauzio Varella

Um dos citados é o médico Drauzio Varella, alvo de desinformação anteriormente. Em 30 janeiro de 2020, ele havia gravado um vídeo dizendo que mantinha uma vida normal e que a maior parte das pessoas infectadas com covid-19 teriam "um resfriadinho". No entanto, naquela época a situação da pandemia ainda não estava clara e o vírus só seria detectado pela primeira vez no Brasil no final de fevereiro.

Quando o cenário começou a piorar, o médico gravou outro vídeo no qual mudava seu posicionamento. Em março, afirmou que estava se "resguardando mesmo" e que a situação da pandemia havia mudado. "Nós temos que acompanhar o que está acontecendo. Procure se informar porque a epidemia é dinâmica."

Em abril, em entrevista ao site da BBC, Varella se disse arrependido de ter sido otimista a respeito do novo coronavírus. "Eu participei desse otimismo e me recrimino por isso hoje", afirmou.

João Doria

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também é alvo de um boato já checado anteriormente. Ele realmente disse que "não há razão para pânico" com relação à gravidade da pandemia. No entanto, a frase foi dita ainda em 5 de março de 2020, quando o governo havia confirmado apenas oito casos no País.

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"Não há razão para pânico e nem para interrupção de aulas, de trabalho, de atividades esportivas, espetáculos, nenhuma neste momento. Cada país, cada região tem circunstâncias distintas. O que acontece na China, na Coreia do Sul e na Itália, não é necessariamente o que vai se reproduzir aqui no Brasil", falou Doria.

A situação se deteriorou e o governador mudou o posicionamento. Em 17 de março, ele anunciou o fechamento dos serviços não essenciais para conter o avanço do coronavírus.

Prefeito e secretário de Salvador

O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), descartou, em 6 de fevereiro de 2020, que pudesse haver casos de covid-19 na cidade durante o carnaval daquele ano. Ele justificou sua postura dizendo que o Estado da Bahia não tinha nenhum caso confirmado até aquele momento, enquanto cidades turísticas ao redor do mundo já estavam sendo afetadas. "Se querem buscar um lugar seguro para passar o carnaval, esse lugar é Salvador, é a Bahia", afirmou na época.

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Uma semana depois, o secretário de saúde da capital baiana Fábio Vilas-Boas também passou tranquilidade à população com relação ao carnaval. Seu argumento era de que o coronavírus ainda não estava circulando no País. Ele chamou atenção para cuidados contra o vírus da gripe H1N1, o vírus H3N2 e o influenza B, além de doenças sexualmente transmissíveis, informou o site Metro1.

O primeiro caso de covid-19 no País foi confirmado em 25 de fevereiro em São Paulo. Na Bahia, o primeiro registro ocorreu em 6 de março.

Apesar disso, um estudo posterior da Fiocruz revelou que o novo coronavírus já circulava no Brasil antes do carnaval. Segundo os pesquisadores, ele teria começado a se espalhar ainda na primeira semana de fevereiro. O estudo também mostrou que os primeiros casos ocorreram antes do que se acreditava na Europa e nos Estados Unidos.

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Luiz Henrique Mandetta

O argumento de que Luiz Henrique Mandetta teria orientado as pessoas a ir aos hospitais apenas quando sentissem falta de ar é muito usado para descredibilizar o trabalho do ex-ministro da Saúde. Em seu depoimento à CPI da Covid, do Senado, ele explicou que este aviso foi dado até fevereiro como uma medida de impedir o coronavírus de se espalhar de forma comunitária. "As pessoas procuravam hospitais no intuito de fazer testes. Naquilo, 99,9999% dos casos eram de outros vírus e 0,0001% era indefinido. Nós só tivemos transmissão comunitária depois do dia 24 de março."

Segundo Mandetta, a preocupação era que pessoas sem o coronavírus acabassem se contaminando justamente nos hospitais. Depois, a orientação do Ministério foi atualizada.

STF não tirou responsabilidade do governo federal

Outra alegação falsa presente no boato é a de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria tirado a competência do governo federal de adotar medidas de combate à pandemia. Esse argumento é constantemente compartilhado por apoiadores de Bolsonaro para isentar o presidente de responsabilidade pelas consequências da covid-19.

Como mostrou o Estadão Verifica, em 15 de abril de 2020, o STF reconheceu, por unanimidade, a "competência concorrente" da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal em ações de enfrentamento ao novo coronavírus. Isso quer dizer que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do tema.


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

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Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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