Postagem no Facebook desinforma ao transferir responsabilidade do combate à pandemia ao STF

Supremo decidiu sobre autonomia de Estados e municípios em ações de enfrentamento ao novo coronavírus, mas não tirou autoridade da União

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Por Gabi Coelho
Atualização:

Circula no Facebook uma postagem com a alegação enganosa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria tirado a autoridade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de decidir sobre a pandemia do novo coronavírus. O post teve mais de 13 mil compartilhamentos em quatro dias. Especialistas em Direito Constitucional consultados pelo Estadão Verifica esclarecem que, na verdade, a atuação do STF visa apenas a garantia do cumprimento da Constituição de 1988, que trata das competências para legislar sobre saúde pública, mesmo em estado de calamidade.

Postagem no Facebook desinforma ao transferir responsabilidade do combate à pandemia ao STF  

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Em 15 de abril, o STF reconheceu, por unanimidade, a "competência concorrente" da União, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal em ações de enfrentamento ao novo coronavírus. O Supremo deliberou sobre uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) a respeito da Medida Provisória (MP) 926/2020 -- a legenda havia entendido que essa MP centralizava no governo federal a prerrogativa de decidir sobre isolamento social, quarentena e outras iniciativas de combate ao vírus.

Os ministros do STF entenderam que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que também deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do rema. O artigo 23 da Constituição define como "competência comum" entre União, Estados, municípios e Distrito Federal "cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência".

O texto original da MP afirmava que as ações de enfrentamento à pandemia deveriam "resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais" e que era responsabilidade da Presidência da República dispor "sobre os serviços públicos e atividades essenciais". Bolsonaro já afirmou publicamente diversas vezes sua contrariedade em relação a políticas de distanciamento social.

Posteriormente, quando a MP foi votada na Câmara dos Deputados, os parlamentares excluíram o trecho citado acima, que centralizava as decisões na figura do presidente. Atualmente, o texto aguarda sanção presidencial.

O entendimento errôneo de que o STF teria tirado da Presidência o poder de decidir sobre saúde pública já havia sido divulgado pelo próprio Bolsonaro. Em 8 de junho, ele distorceu o que decidiram os ministros do Supremo ao afirmar que "as ações de combate à pandemia (fechamento do comércio e quarentena, p.ex.) ficaram sob total responsabilidade dos Governadores e dos Prefeitos".

O que dizem especialistas em Direito Constitucional sobre o assunto

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Para o mestre em Direito do Estado e Especialista em Direito Político e Eleitoral  e sócio do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados Associados, Tony Chalita, as decisões do STF sobre a competência em legislar sobre saúde pública apenas apresentaram "a interpretação única" que a Constituição admite. "Sobre a saúde, estabelece o artigo 23, a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios", afirma.

Segundo Chalita, essa competência comum administrativa não significa que todos possam fazer tudo. "Realmente, a União deve apresentar normas de interesse geral, Estados as normas de interesse regional e municípios cuidar dos interesses locais", detalha.

O advogado defende que é necessário haver equilíbrio na tomada de decisões. E que, além disso, "o bem maior a ser protegido pelo texto constitucional, por qualquer ângulo que o observe é e sempre será a vida dos cidadãos".

Da mesma forma, o professor de Direito Constitucional na Fundação Dom Cabral Cláudio Araújo Pinho considera que o STF não tirou a responsabilidade do Presidente. Ele lembra que o artigo 24 da Constituição Federal define que "no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais".

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O professor esclarece que, na prática, o artigo estabelece que "quem tem poder em última instância de restringir o protocolo de saúde é a municipalidade".

O ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), também declarou, no mês passado, que o STF não isenta o governo federal de responsabilidades sobre a pandemia de coronavírus.

A Agência Lupa também checou uma alegação similar, de que o "STF afastou Bolsonaro do controle da covid". De acordo com a checagem, o STF julgou três ações e entendeu que governadores e prefeitos têm autonomia para traçar planos de combate ao vírus em seu respectivos territórios, incluindo o fechamento do comércio, por exemplo.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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