Vídeo no WhatsApp descontextualiza frases de Doria para atacar sua atuação na pandemia

Trechos foram recortados de modo a dizer que o governador está se contradizendo em relação ao combate contra o coronavírus

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Por Pedro Prata
Atualização:

Circula nas redes sociais um vídeo que compara cinco trechos recortados e descontextualizados de pronunciamentos públicos do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para dizer que o tucano está se contradizendo em relação ao combate da pandemia. O Estadão Verifica buscou a íntegra dos trechos recortados e identificou que dois deles eram enganosos, um é falso e dois realmente mostram um recuo na postura do governador. Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica, 11 97683-7490.

O governador de São Paulo,João Doria, na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes Foto: Daniel Teixeira / Estadão

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Doria negou a gravidade da covid-19?

  • Afirmação checada: Doria primeiro disse que "nunca disse para ninguém que a covid-19 era uma gripezinha", mas depois afirmou que "não há motivo para alarme".

Essa parte do vídeo que circula no WhatsApp é enganosa. O primeiro trecho foi recortado de uma entrevista de Doria ao apresentador Luiz Datena no programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, em 22 de outubro de 2020. Ao ser questionado se estaria politizando a vacinação no País, o governador negou e atacou a condução da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro. "Eu aqui sigo a orientação da ciência. Nunca declarei para você nem para ninguém que (a covid-19) era uma gripezinha ou um resfriadinho", respondeu Doria, citando a maneira pela qual o presidente havia se referido à infecção pelo novo coronavírus em março de 2020.

O outro trecho foi retirado de um pronunciamento de Doria a prefeitos do Estado em 5 de março de 2020 -- portanto, meses antes da entrevista a Datena. A íntegra da fala permite ver que ele estava comentando a situação da pandemia no País, que até aquele momento só contava com oito casos confirmados, e não sobre a gravidade da doença. "Não há razão para pânico e nem para interrupção de aulas, de trabalho, de atividades esportivas, espetáculos, nenhuma neste momento. Cada país, cada região tem circunstâncias distintas. O que acontece na China, na Coreia do Sul e na Itália, não é necessariamente o que vai se reproduzir aqui no Brasil", falou Doria.

Doria disse que não endureceria medidas de combate à pandemia após as eleições municipais de 2020?

  • Afirmação checada: Doria recuou no plano de abertura da atividade econômica de combate à pandemia, mesmo após ter dito que não faria isso.

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É verdadeiro. Em 13 de novembro de 2020, Doria postou vídeo em suas redes sociais para dizer que "depois das eleições, nós não vamos fechar comércios ou endurecer medidas de combate à pandemia. A pandemia está sob controle em São Paulo. Por isso, seguimos a pauta da ciência e da medicina". Ele era pressionado por especialistas para adotar medidas de controle da covid-19 e foi acusado de não querer tomar nenhuma atitude impopular que pudesse comprometer a reeleição do prefeito da Capital, Bruno Covas, seu colega de partido.

Em 30 de novembro, um dia após o segundo turno das eleições nas quais Covas saiu vencedor, Doria anunciou que todo o Estado regrediria uma fase no Plano São Paulo.

Ao anunciar o aumento de restrições, Doria falou que "essa medida, quero deixar claro, não fecha comércio nem bares nem restaurantes. A Fase Amarela não fecha atividades econômicas, mas é mais restritiva nas medidas para evitar aglomerações e o aumento do contágio da covid-19."

Pelo programa de flexibilização da quarentena, o Plano São Paulo, o Estado foi dividido em regiões e fases, que vão de 1 a 5, e podem reabrir gradualmente atividades econômicas a partir da classificação na fase 2. As principais diferenças da fase 3 (amarela) em relação à fase 4 (verde), naquela época, estabeleciam que a maioria dos setores reduziria o atendimento de 60% para 40% da capacidade total, funcionaria por apenas 10 horas e até as 22 horas, no máximo.

Doria negou aumentar salários, um ano depois de ter feito essa promessa?

  • Afirmação checada: Doria negou aumentar salário de servidores públicos, um ano após ter prometido que daria o aumento.

A informação é falsa. Para fazer crer que o tucano teria voltado atrás, o vídeo viral reproduz uma entrevista antiga, mas sem dizer a real data, na qual Doria nega que daria aumento a servidores públicos no seu primeiro ano de governo. Na verdade, a entrevista ocorreu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no final de 2016. Naquela época, ele havia acabado de ser eleito prefeito de São Paulo.

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Questionado pela repórter Silvia Amorim sobre o reajuste salarial dos servidores municipais em seu primeiro ano de mandato, Doria se disse contrário e disse que não haveria "espaço" para aumento de salário. "Eu respondo com toda a clareza. Vou vetar qualquer projeto de aumento de salário: de prefeito, vice-prefeito, de vereadores, de secretários e o efeito cascata", respondeu.

Já o vídeo em que faz a promessa de aumentar o salário de agentes de segurança pública é da sua campanha ao governo do Estado, em 2018. "Vamos promover um reajuste real no salário dos policiais ao longo dos quatro anos da nossa gestão. E começando agora, no início do próximo ano. [...] Vamos trambém abrir concursos para policiais civis, para a Secretaria de Administração Penitenciária e para a polícia científica", prometeu Doria.

Doria recomendou cloroquina para a população?

  • Afirmação checada: Doria disse que nunca recomendou a cloroquina, mas depois confessou que o médico David Uip, ligado ao Centro de Contingência de São Paulo, teria feito indicação do medicamento ao então ministro da Saúde, Henrique Mandetta.

A afirmação é enganosa. O vídeo viral tira de contexto um pronunciamento do governador paulista em 8 de abril de 2020, no qual ele critica o presidente Jair Bolsonaro por defender publicamente a cloroquina contra o novo coronavírus. Naquela época, ainda não haviam estudos comprovando sua ineficácia.

Naquele momento, o médico David Uip, então Coordenador do Comitê de Saúde do Grupo de Contingência da Covid-19 em São Paulo, sofria ataques nas redes sociais por não divulgar o tratamento ao qual foi submetido quando foi infectado com o coronavírus. Doria contou, então, que Uip teria sugerido ao então ministro da Saúde Henrique Mandetta que disponibilizasse o medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS).

Doria, no entanto, faz a ressalva de que a cloroquina só deveria ser prescrita por médicos diretamente a seus pacientes, e criticou autoridades públicas que fazem a defesa do medicamento. "Mas quero deixar claro que quem decide como, quando, onde e com quem aplicar a cloroquina, é o médico. Não é o governador. Um homem público que cumpre o seu papel como secretário da Saúde ou ministro da Saúde, deve obedecer a ciência e respeitar a medicina", falou Doria.

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No mesmo sentido, Doria criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro com relação ao medicamento durante o programa Jovem Pan News, da rádio Jovem Pan, em outubro de 2020. Questionado sobre o desempenho das autoridades no combate à pandemia, Doria disse que "não foi nenhum governador que recomendou cloroquina para sua população. Quem não fez o que deveria fazer foi o presidente Jair Bolsonaro. Foi um negacionista desde o início. Foi ele, não nenhum governador, quem disse que era uma gripezinha. Quem disse que morreriam no máximo 4 mil pessoas, como se fosse banal. E já faleceram 155 mil pessoas (atualmente, o País acumula 353 mil mortos). Não foi nenhum governador que recomendou cloroquina para sua população, aliás um medicamento não autorizado pela Anvisa para consumo generalizado. Foi o presidente Jair Bolsonaro. Foi um negacionista."

No mesmo pronunciamento de abril de 2020, David Uip falou que recomendou a Mandetta que disponibilizasse o medicamento na rede pública, desde que "o médico receitasse e o paciente autorizasse". O médico também pediu cautela na utilização do remédio, tendo em vista que há registro de efeitos adversos no coração, no fígado e nos olhos. "Então, é um medicamento que tem que ser usado com critério e com cuidado, sempre sob observação do médico que prescreveu", alertou Uip.

O governador de São Paulo, João Doria, disse que 'não sabia' que a tecnologia da Butanvac é importada Foto: Governo do Estado de São Paulo/Divulgação

Doria falou que vacina Butanvac foi 100% desenvolvida no Brasil?

  • Afirmação checada: Doria disse que vacina Butanvac foi desenvolvida por cientistas brasileiros, mas imprensa mostrou que parte da tecnologia é estrangeira.

A afirmação é verdadeira. Em 26 de março de 2021, o Instituto Butantan anunciou que estava desenvolvendo uma nova vacina contra a covid-19. Apelidada de Butanvac, foi anunciada como a "vacina 100% brasileira". No dia do lançamento, Doria postou um vídeo em suas redes sociais na qual disse que ela foi desenvolvida "por técnicos, especialistas e cientistas brasileiros aqui no Butantan. Além da Coronavac, vacina do Brasil, teremos uma vacina 100% nacional".

No entanto, no mesmo dia o Estadão mostrou que a tecnologia de vetor viral com o vírus inativo da doença de Newcastle foi desenvolvida por pesquisadores do Instituto Mount Sinai, de Nova York. O próprio Instituto Butantan emitiu nota para dizer que "a tecnologia da Butanvac usa o vírus da doença de NewCastle desenvolvido? por cientistas na Icahn School of Medicine no Mount Sinai, em Nova York, Estados Unidos. A proteína S estabilizada do vírus SARS-Cov-2 utilizada na vacina com tecnologia HexaPro foi desenvolvida na Universidade do Texas em Austin."

Três dias depois do lançamento, o governador João Doria assumiu que não sabia da tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos, mas viu o fato como algo positivo. "Se ela tem tecnologia internacional é uma boa contribuição, isso é positivo. Temos que combater essa pandemia com todas as forças disponíveis no Brasil e no mundo."

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COM A PALAVRA, O GOVERNO DE SÃO PAULO

Procurada pelo Estadão Verifica, a assessoria de comunicação do governo paulista defendeu que "as medidas de distanciamento social em São Paulo são pautadas por critérios técnicos de internações, casos e mortes relacionados à pandemia" e que as reclassificações do Plano SP ocorrem "independentemente dos eventos que ocorrem paralelamente à pandemia, como o segundo turno das eleições de 2020".

Sobre a vacina 100% brasileira, lembrou mais uma vez que o governador assumiu não ter tido conhecimento do uso da tecnologia americana mas que "assim que soube, passou a citá-la em suas declarações". Falou também que a tecnologia desenvolvida por pesquisadores de Nova York "não é suficiente para se desenvolver uma vacina e é quando começa o desenvolvimento da vacina completamente com tecnologia do Butantan".

Quanto ao reajuste do salário das forças de segurança, a assessoria pontuou aumento de 5% no salário-base de policiais no Estado e demais profissionais da área de segurança. Falou ainda que "foram contratados mais de 10 mil policiais, além da autorização de concursos para 5.714 novas vagas nas polícias paulistas".

Por fim, sobre o posicionamento sobre o uso da cloroquina no combate à pandemia  de covid-19, reafirmou o que foi explicado na checagem.

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