Enquete em site não é capaz de antecipar resultado da eleição, ao contrário do que diz vídeo viral

Autor de vídeo usa resultado de site para afirmar que Bolsonaro será reeleito no 1º turno, mas dinâmica não segue método científico

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Por Clarissa Pacheco
Atualização:

Resultados de uma série de enquetes feitas em um site não têm o poder de apontar que Jair Bolsonaro (PL) será reeleito à Presidência da República no primeiro turno - nem que algo diferente disso vai ocorrer. Isso porque enquetes não seguem métodos científicos e não são capazes de indicar a opinião dos eleitores brasileiros. Essa alegação enganosa aparece em um vídeo transmitido ao vivo no Facebook no final do mês de julho, que já acumula quase 100 mil interações.

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Ao longo de mais de uma hora, o autor do conteúdo argumenta contra as pesquisas eleitorais e diz não acreditar nelas. Ele engana ao sugerir que uma enquete online é capaz de cravar a reeleição de Bolsonaro no primeiro turno, contrariando institutos de pesquisa que "perderam a credibilidade". A base do argumento é o fato de o atual presidente ter recebido mais de 65% dos votos em uma enquete, contra cerca de 30% para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A argumentação não faz sentido: enquetes não têm controle sobre o público respondente. Isso quer dizer que, como qualquer pessoa pode escolher participar, é possível que um determinado grupo da população esteja super-representado. Por exemplo, apenas pessoas com acesso à Internet, que conhecem o site em questão, poderão responder à enquete. Pesquisas eleitorais, por outro lado, seguem uma metodologia para que o grupo de entrevistados seja representativo do eleitorado do Brasil, em termos de sexo, idade, renda e outros fatores demográficos. Ainda assim, nem mesmo pesquisas são capazes de antecipar os resultados de uma eleição; o objetivo é fazer um retrato confiável da opinião da população no momento. Vários fatores diferentes que ocorrem durante a campanha podem mudar a visão dos eleitores.

 Foto: Estadão

Diferentemente do que indica o autor do vídeo, enquetes e sondagens eleitorais são permitidas, mas apenas até o dia 14 de agosto de 2022. De acordo com a Resolução TSE nº 23.600/2019, enquetes apresentadas como pesquisa a partir do próximo dia 15 serão consideradas pesquisas sem registro. As consultas feitas pelo site Eleições Ao Vivo e usadas no vídeo aqui verificado, portanto, são legais, já que feitas antes desta data, mas elas não podem ser comparadas com pesquisas eleitorais nem usadas como fonte, como afirma o próprio site na aba "Sobre".

Os organizadores do site, que fazem enquetes frequentes, também destacam que o sistema não é livre de falhas -- diferentemente do que afirma o autor do vídeo, que argumenta que uma enquete com mais de 2 milhões de votos não pode ser fraudada. "As enquetes, como sabemos, não possuem valor científico e não podem ser usadas como fonte de pesquisa. Estas enquetes retrataram somente a participação do internauta que visita o site e, também, não temos como garantir que o sistema opere sem falhas e erros", diz texto no site.

Enquete aponta reeleição de Bolsonaro?

Ao longo do vídeo, o autor do conteúdo compartilha telas de um site de enquetes que mostram o presidente Bolsonaro sempre à frente do ex-presidente Lula, geralmente com mais de 65% das intenções de voto. O petista tem cerca de 30%, dependendo da região e da data da enquete. Mas isso serve apenas para mostrar as intenções de voto de quem foi até o site e decidiu participar da sondagem, e não de uma amostra da população brasileira.

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Ou seja, se o site recebe mais visitas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, é provável que haja mais votos para ele. Da mesma forma, se o site recebe mais visitas de petistas, ele provavelmente vai mostrar o ex-presidente Lula à frente das pesquisas, o que por si só não indica que este seja o cenário em todo o Brasil. Como o site não tem controle sobre quem são as pessoas que participam das enquetes, nem é possível garantir que uma mesma pessoa não tenha votado mais de uma vez.

No caso do site Eleições ao Vivo, usado no vídeo aqui verificado, basta que o internauta informe um DDD, resolva uma operação matemática simples e digite o número do seu candidato para participar da enquete. O sistema impede que a pessoa vote mais de uma vez usando o mesmo navegador, mas outro voto é facilmente computado se o interessado troca de sistema. Ou seja, uma mesma pessoa pode votar várias vezes em um mesmo candidato apenas usando navegadores diferentes.

A amostra da enquete é melhor do que a da pesquisa?

Não. Para tentar desacreditar pesquisas eleitorais, o autor do vídeo argumenta que elas ouvem cerca de 2 mil pessoas em cidades "escolhidas a dedo", enquanto as enquetes têm uma amostragem muito maior, o que impossibilitaria uma fraude, mas isso também não é verdade. Nas pesquisas por amostragem, o número de entrevistados não precisa ser tão grande, desde que ele represente um perfil da população: por exemplo, se a população brasileira tem maioria de mulheres, não faz sentido que sejam entrevistados mais homens.

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"A ideia é que, na amostra, a gente tenha um miniuniverso daquilo que a gente está pesquisando. E aí não precisa ter um número tão grande de entrevistados, a gente busca a maior eficiência possível em termos de número de entrevistas e análise de resultados para a precisão que a gente deseja", explicou Márcia Cavallari, do Conselho de Opinião Pública e Pesquisa Política da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), em um workshop sobre o assunto.

Cavallari explicaou ainda que as enquetes costumam ouvir muitas pessoas sob o argumento de que quanto maior a participação, melhor o resultado, mas não é bem assim. "Enquete pressupõe uma auto seleção dos entrevistados. A gente não sabe qual é a probabilidade daquela pessoa estar participando da pesquisa porque ela define se ela quer ou não participar. A enquete tem uma máxima de que quanto mais, melhor, mas sem controle de quem são as pessoas que respondem, a gente não consegue corrigir um erro porque a gente não conhece o viés de origem", completou.

Quais são os resultados das pesquisas?

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As pesquisas são, frequentemente, alvo de críticas e questionamentos de políticos e seus apoiadores, especialmente quando os resultados apontam um cenário diferente do que esperam. No vídeo verificado, o autor aponta enquetes que mostram Bolsonaro com 65% e 70% dos votos em um site, enquanto o ex-presidente Lula tem cerca de 30% das intenções de voto. No entanto, pesquisas com registros no TSE mostram resultados diferentes.

Nenhuma das pesquisas mais recentes mostram Bolsonaro à frente de Lula nas intenções de voto. No dia 3 de agosto, pesquisa Genial/Qaest apontou Lula com 44% dos votos e Bolsonaro com 32%. No dia 4, o PoderData apontou Lula com 43% dos votos no primeiro turno, contra 35% de Bolsonaro. Nesta segunda-feira, 8, a pesquisa FSB/BTG mostrou Lula com 41% e Bolsonaro com 34%.

O Agregador de Pesquisas do Estadão, que usa dados dos levantamentos de 14 empresas, considerando suas peculiaridades metodológicas, para calcular a Média Estadão Dados - ou seja, o cenário mais provável a cada dia - mostrava nesta segunda-feira, 8, o ex-presidente Lula com 45% das intenções de voto e Bolsonaro com 31%. Considerando apenas os votos válidos, Lula sobe para 50% e Bolsonaro para 35%.

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