Pedro Prata, Tiago Aguiar, Samuel Lima, Victor Pinheiro e Alessandra Monnerat
23 de março de 2021 | 22h10
O presidente Jair Bolsonaro exagerou dados e distorceu informações ao fazer pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, na noite de terça-feira. Veja a seguir os principais pontos e as checagens do Estadão Verifica.
O presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento nesta terça-feira, 23 Foto: Reprodução
Bolsonaro, por diversas vezes ao longo da pandemia, minimizou a gravidade da doença, criticou a necessidade do isolamento social e desprezou o uso de máscaras, medidas defendidas por especialistas para conter a disseminação do novo coronavírus. Em 2020, contrariado sobre o distanciamento e ausência de autorização para uso da cloroquina, remédio sem comprovação científica contra a covid-19, o presidente demitiu dois ministros da Saúde: Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
O governo federal recusou ofertas de vacinas no ano passado. Não respondeu a ofertas feitas pela Pfizer e afirmou que não compraria a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac. Em dezembro, Bolsonaro chegou a afirmar que “a pressa da vacina não se justifica” porque a pandemia estaria “chegando ao fim”. O presidente também defendeu a “liberdade” de escolha para quem não quer se vacinar e citou dados incorretos sobre o uso de máscaras.
Neste ano, o ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello se tornou alvo de um inquérito para apurar omissão no colapso na saúde do Amazonas. E, no momento de maior gravidade da pandemia, o presidente segue defendendo um suposto “tratamento precoce”, que não tem base científica, e ignora apelo de secretários de Saúde para adoção de toque de recolher nacional em locais com altas taxas de ocupação de leitos de UTI para covid-19.
Para comparar o desempenho do Brasil com o de outros países, é preciso considerar o tamanho da população. Em números absolutos, o Brasil de fato estava na quinta colocação até ontem (com cerca de 17 milhões de doses aplicadas, segundo os dados mais recentes). Porém, se considerada a porcentagem da população imunizada, o Brasil ocupa a 51ª posição (primeira dose) ou a 42ª (duas doses).
Segundo os dados do consórcio de veículos de imprensa, o número de pessoas vacinadas ainda não chegou a 13 milhões no país. Até ontem, os 26 Estados e o Distrito Federal contabilizavam 28,6 milhões de doses recebidas do governo federal.
Dados do Ministério da Saúde, consultados na noite desta terça-feira, 23, mostram que a ampla maioria das doses de vacinas de covid-19 aplicadas até o momento são da vacina Coronavac, importada e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. Diferentemente do que sugere a afirmação do presidente, o imunizante sofreu resistência do Governo Federal, que só assinou um contrato de aquisição da vacina em janeiro de 2021.
Em outubro, Jair Bolsonaro desautorizou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello que havia anunciado a assinatura de um termo de intenção de 46 milhões de doses da Coronavac. Segundo o Instituto Butantan, a pasta ainda ignorou ofertas anteriores para adquirir 160 milhões de aplicações da vacina.
No último dia 17, em cerimônia na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Ministério da Saúde anunciou que vai começar a produzir o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina Oxford/AstraZeneca contra covid-19 no Brasil a partir de abril.
De acordo com o laboratório Bio-Manguinhos/Fiocruz, a produção desse insumo deve começar depois de maio. “As instalações para produção nacional do IFA estão em fase de adequação, deverão ser inspecionadas pela Anvisa entre abril e maio, e após isto iniciaremos a produção do Ingrediente em nossas instalações”, informou a entidade em nota.
“Em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade de Oxford para a produção, na Fiocruz, de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca e liberamos, em agosto, 1,9 bilhão de reais.”
As afirmações são verdadeiras. Segundo a Fiocruz, o governo federal assinou, em 31 de julho, um “Memorando de Entendimento” com a farmacêutica Astrazeneca. O documento definiu os parâmetros econômicos e tecnológicos para a produção da vacina de covid-19 desenvolvida pela empresa em parceria com a Universidade de Oxford.
Em agosto, Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória que liberou créditos extraordinários na ordem de R$ 1,9 bilhão no orçamento para viabilizar a aquisição dos imunizantes. No mês seguinte, o governo firmou um acordo que formalizou o acesso do país a 100,4 milhões de doses do composto ativo da vacina.
Em setembro, o Brasil decidiu aderir ao programa Covax Facility, consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para acelerar o desenvolvimento de vacina contra a covid-19 e promover o acesso equitativo às doses. A ideia do consórcio é que vários países ao redor do mundo financiem a pesquisa de imunizantes. Em troca, cada país recebe uma quantidade de doses relacionada ao tamanho de sua população.
O acordo prevê a compra de 42 milhões de doses até o fim de 2021. O primeiro milhão de doses do imunizante foi entregue ao Brasil neste domingo, 21.
É verdade que em dezembro o presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória que autorizou a abertura de crédito extraordinário de R$ 20 bilhões para o Ministério da Saúde. O texto da MP indicava que a verba deveria ser usada no programa de imunização contra a covid-19, sem indicar especificamente quais vacinas seriam compradas.
A afirmação é falsa. Em 20 de outubro de 2020, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. No dia seguinte, Bolsonaro desautorizou a medida. “Não será comprada”, escreveu em resposta a apoiadores nas redes sociais que questionavam a “origem” da vacina. “Não compraremos a vacina da China”, comentou ainda. Essa não foi a primeira, nem a única vez que o presidente colocou dúvidas quanto à segurança do imunizante.
Mais tarde, em post publicado em sua página no Facebook com o título “A vacina chinesa de João Dória”, Bolsonaro mudou o discurso e afirmou que “qualquer vacina, antes de ser disponibilizada, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa” e que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”. Naquela altura, no entanto, o governo federal já havia fechado acordo para produção de vacina em parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica Astrazeneca, mesmo sem a conclusão dos testes e a aprovação emergencial da Anvisa — fato que só ocorreria em janeiro de 2021, junto com a Coronavac.
Os números de doses previstas estão certos. O Ministério da Saúde prevê a entrega de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer e de 38 milhões da Janssen até o fim do ano. A negociação com a Pfizer, no entanto, foi atrasada por divergências entre o governo federal e a farmacêutica. A Pfizer diz ter oferecido vacinas para o Brasil em agosto do ano passado, sem obter resposta.
A previsão condiz com o cálculo feito pelo Ministério da Saúde, que, na semana passada, informou ter 562,9 milhões de doses de vacina contratadas, além de 13 milhões de doses em negociação com a farmacêutica Moderna. O ministério disse esperar receber as doses até o fim do ano.
Mas há dúvidas sobre o cumprimento do cronograma. Nesta terça-feira, 23, o ministério reduziu em 9 milhões a quantidade de doses prevista para abril, para 21,1 milhões. E conta com doses de empresas que nem sequer apresentaram dados para a Anvisa do uso emergencial.
Este foi o motivo para o Ministério da Saúde reduzir de 38 milhões para 30 milhões a quantidade de doses disponíveis em março para aplicação. A alteração se deu porque 8 milhões de doses seriam do imunizante Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, que ainda não pediu autorização de uso emergencial para a Anvisa.
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