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Lei Rouanet: Postagem engana ao atribuir a Bolsonaro processos para artistas devolverem valores

Para criticar classe artística, post cita casos anteriores à atual gestão, com dados desatualizados ou sem conclusão

Por Pedro Prata
Atualização:

Uma postagem engana ao atribuir ao governo de Jair Bolsonaro (PL) processos contra três artistas que realizaram projetos com apoio da Lei Rouanet. O conteúdo diz que "o mito está passando o rodo em geral" e cita valores que Claudia Leitte, Gilberto Gil e Zé de Abreu teriam sido cobrados a devolver. Essa postagem foi compartilhada ao menos 3,4 mil vezes no Facebook.

Todos os processos foram instaurados antes da gestão Bolsonaro. Foto: Reprodução

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Uma pesquisa no Google a partir dos nomes dos artistas e as quantias citadas mostra que os três casos citados foram instaurados antes de Bolsonaro chegar ao poder. No caso de Gilberto Gil e Claudia Leitte, ainda não há uma conclusão definitiva. Já no caso do espetáculo de José de Abreu, a informação está desatualizada.

O Estadão Verifica consultou os projetos apoiados pelo Incentivo a Projetos Culturais do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) nas plataformas VerSalic e Salicnet, base de dados com os benefícios fiscais da Lei Rouanet. Confira a checagem a seguir.

Gilberto Gil

A produtora Gege Produções Artísticas Ltda captou R$ 800 mil, em 2010, para a realização de um show com Gilberto Gil e dez convidados no Teatro Tom Jobim, no Rio de Janeiro (PRONAC 107332). Em abril de 2017, foi publicada uma portaria no Diário Oficial da União determinando o ressarcimento de R$ 1,08 milhão pela reprovação da prestação de contas.

Letícia Provedel, advogada da produtora, fala que o Ministério da Cultura inicialmente solicitou a devolução integral dos valores captados por julgar que o show não teria existido. Isso porque a apresentação ocorreu antes da publicação, no Diário Oficial da União, do edital liberando a movimentação da conta do projeto.

"O Gil fez o show e prestou contas, sim. E ele ainda devolveu o que restou, em torno de R$ 100 mil", disse Provedel ao Estadão Verifica. Ela conta que duas liminares na Justiça impedem a União de executar os valores. Também afirma que já foi dada uma decisão em 1ª instância reconhecendo a legalidade do show e obrigando o Ministério do Turismo - onde a Secretaria Especial da Cultura foi alocada na gestão Bolsonaro - a considerar a prestação de contas no processo, mas a União recorreu. O ação corre em segredo de Justiça.

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Paralelamente, o processo administrativo permanece em andamento dentro da secretaria. Agora, em vez da devolução integral, a advoga diz que o órgão pede a devolução de cerca de R$ 50 mil referentes à discussão sobre a distribuição de entradas grátis - o que a empresa ainda tenta provar que houve.

A diretora da Gege Produções, Flora Gil, diz que o show ocorreu com dinheiro da própria produtora porque o edital não foi publicado a tempo. O dinheiro na conta do projeto ficou parado, como determina a lei. Somente após a publicação do edital é que os valores foram movimentados para ressarcimento da produtora. "Depois fizemos a prestação de contas e fizemos um cheque devolvendo o saldo que havia sobrado e que a gente não gastou", conta Flora.

Ela também falou que não houve venda de ingressos e que 100% das entradas foram distribuídas de forma gratuita. "Por isso eu precisava de patrocinador, eu não tinha bilheteria", disse.

No portal Salicnet, o projeto aparece como aguardando laudo final. O show está disponível integralmente no YouTube. Confira:

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Claudia Leitte

A Produtora CIEL LTDA captou R$ 1,2 milhão para realizar 12 shows da cantora Claudia Leitte, em 2013, pelas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (PRONAC 1210136). Três anos depois, o órgão do Ministério da Cultura responsável pela gestão dos recursos reprovou a contabilidade do projeto e determinou a devolução do dinheiro corrigido pela inflação. O principal argumento apontado foi de que não foi comprovada a distribuição de 8,75% dos ingressos de forma gratuita e da venda de entradas a preços considerados populares.

Em fevereiro de 2017, a produtora perdeu o prazo para devolução do dinheiro. O Ministério da Cultura informou ao Estadão que enviou o processo para o Tribunal de Contas da União (TCU). Por meio de nota, o Tribunal informou que o processo (TC 033.425/2019-1) está sob relatoria do ministro Antonio Anastasia e ainda não há uma decisão final. Os documentos não são públicos.

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A cantora foi procurada, mas não respondeu.

Antigo Ministério da Cultura enviou o processo para o TCU abrir uma Tomada de Contas Especial. Foto: Portal Salicnet/Reprodução em 4/5/2022

Zé de Abreu

Em novembro de 2016, o então Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, José Paulo Soares Martins, publicou uma portaria determinando a devolução de R$ 300 mil captados para a realização da peça "Fala, Zé", de Zé de Abreu, nas regiões Sul e Sudeste, em 2005 (PRONAC 059557). A proponente foi Camila Paola Mosquella, uma das ex-mulheres do ator.

Em setembro de 2018, o Ministério da Cultura publicou nova portaria com uma retificação sobre o processo. Após recurso de Mosquella, o valor a ser restituído ao Fundo Nacional de Cultura caiu para R$ 69 mil. O portal Salicnet informa que o débito está sendo pago em 60 parcelas mensais.

Não foi possível entrar em contato com o ator.

Débito no projeto está sendo pago em 60 prestações mensais. Foto: Portal SalicNet/Reprodução em 3/5/2022

Jair Bolsonaro x classe artística

O presidente Jair Bolsonaro fez ataques à classe artística durante sua campanha presidencial. Após sua eleição, muitos artistas acusaram o governo de demorar para liberar verbas de projetos já aprovados. Em 2020, cerca de 400 projetos perderam R$ 500 milhões já captados, que já haviam sido aprovados pela área técnica do governo. Faltava apenas a assinatura do secretário nacional de fomento à cultura, André Porciúncula.

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Em julho de 2021,  o presidente publicou um decreto fazendo alterações na aplicação da Lei Rouanet. As principais mudanças são a ênfase a projetos de belas artes e arte sacra e um maior controle do governo para tomar decisões a respeito dos projetos contemplados. Representantes do setor apontaram ao Estadão mais poder de decisão do governo na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que decide os projetos aptos a captar recursos.

A Secretaria Especial da Cultura foi procurada para comentar os processos citados, mas durante quatro dias não respondeu.

O Estadão Verifica já mostrou que notícias antigas foram resgatadas sem contexto para atacar artistas famosos. Também comprovou ser falso que cantores que se manifestaram contra o presidente Bolsonaro no festival Lollapalooza tivessem captado dinheiro por meio da Lei Rouanet.


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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