7 de setembro: no Rio, Bolsonaro faz alegações falsas sobre corrupção e invasões de terra

Não é verdade que governo esteja há 3 anos e meio sem corrupção, nem que tenham acabado ocupações do MST no atual mandato

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Por Clarissa Pacheco , Pedro Prata , Victor Pinheiro , Denise Chrispim , Jorge C. Carrasco e Luciana Marschall
Atualização:

Atualizada às 19h16 para inclusão da checagem de duas declarações de Bolsonaro.

Em discurso para eleitores nas comemorações do 7 de setembro, no Rio de Janeiro, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) fez alegações falsas sobre invasões de terras e casos de corrupção no governo. Mais cedo, em Brasília, ele exagerou dados econômicos de sua gestão. Veja abaixo a checagem do Estadão Verifica. 

Bolsonaro em ato no 7 de setembro no Rio de Janeiro. Foto: André Coelho/EFE

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Invasões de terra acabaram no governo Bolsonaro?

O que Bolsonaro disse: que seu governo colocou fim às invasões do Movimento dos Sem Terra (MST). "Vocês não ouvem mais falar em invasões do MST por aí", disse.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Embora o número de ocupações de terra tenha diminuído no governo de Bolsonaro, elas não deixaram de ocorrer. Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 foram registradas 50 ocupações/retomadas; em 2020 foram 29; e em 2019, ano em que o presidente assumiu o mandato, 46. Em 2018, por exemplo, foram 157 ocupações e há uma década, em 2012, eram 255. Os números são referentes à soma de ocupações realizadas por diferentes movimentos sociais envolvidos na questão da reforma agrária. 

O MST, citado diretamente pelo presidente, afirma ter paralisado as ações por dois anos devido à pandemia de covid-19, mas que as retomou em 2022 e ocupou, no primeiro semestre, 28 áreas que considera improdutivas. Ocupações deste ano foram noticiadas pela mídia (1, 2 e 3).

Acabou a corrupção?

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O que Bolsonaro disse: que o Brasil está há três anos e meio sem corrupção. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Desde o início do mandato, em 2019, o governo de Jair Bolsonaro (PL) foi envolvido em diversas denúncias de corrupção. Em outubro de 2019, o então ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio foi indiciado pela Polícia Federal na Operação Sufrágio Ostentação, que investigou supostos desvios de recursos de candidaturas femininas durante as eleições de 2018. O então ministro foi apontado como articulador do esquema de candidaturas laranjas.

Em abril de 2021, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi acusado de dificultar a fiscalização ambiental e patrocinar interesses privados de madeireiros investigados por extração ilegal de madeira. Salles pediu demissão em junho do ano passado.

Em maio de 2021 estouraram dois escândalos: o caso conhecido como Tratoraço, que mostrou a liberação de R$ 3 bilhões para emendas parlamentares da base de apoio de Bolsonaro, boa parte destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas com sobrepreço de 259%. O Tratoraço recebeu parte dos recursos do hoje chamado orçamento secreto. No mesmo mês, o governo demitiu George da Silva Divério, superintendente estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, por suspeita de corrupção. Ele assinou dois contratos de R$ 29 milhões para reforma de prédios sem licitação.

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No auge da pandemia, em junho de 2021, veio à tona o caso da Covaxin, que mostrou que o governo aceitou negociar a compra da vacina indiana Covaxin, contra a covid-19, por um preço 1.000% maior do que era anunciado pela fabricante. Também em junho de 2021, o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, foi acusado de pedir propina de US$ 1 por dose para autorizar a compra de vacinas da AstraZeneca.

Em março deste ano, o Estadão revelou o esquema do gabinete paralelo do MEC, em que pastores passaram a controlar a agenda do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, para privilegiar municípios na liberação de recursos. Prefeitos disseram que receberam cobrança de propina em ouro e o ex-ministro Milton Ribeiro acabou preso pela Polícia Federal.

Em abril de 2022, o Estadão revelou uma licitação milionária para compra de ônibus escolares com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Os valores eram inflados e mostravam que o governo aceitava pagar até R$ 480 mil por ônibus, quando eles deveriam custar no máximo R$ 270,6 mil.

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Também em abril, o Estadão mostrou que o Ministério da Educação autorizou a construção de 2 mil escolas, mesmo sem ter recursos para terminar 3,5 mil em construção há anos. O esquema ficou conhecido como "escolas fake".

Em maio, o Estadão mostrou a farra dos caminhões de lixo, com a coleta sendo alvo de despesas milionárias crescentes e fora do padrão. A compra e distribuição de caminhões saltou de 85 em 2019 para 488 em 2021. Em Alagoas, por exemplo, uma cidade do interior passou a ter mais caminhões do que lixo a ser recolhido. A reportagem do Estadão identificou pagamentos inflados em R$ 109 milhões.

Recentemente, o UOL mostrou, ainda, que o clã Bolsonaro comprou 51 imóveis desde a década de 1990 em dinheiro vivo. São R$ 13,5 milhões pagos em espécie, o que equivale a R$ 25,6 milhões em valores corrigidos pela inflação. Desde maio deste ano, Bolsonaro mudou o discurso sobre corrupção e passou a falar em não haver "denúncias consistentes" de corrupção ou de haver "casos isolados" e não "corrupção endêmica".

68 milhões recebem Auxílio Emergencial?

O que Bolsonaro disse: que o governo atende 68 milhões de pessoas com o Auxílio Emergencial. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o número é impreciso. O Portal da Transparência informa que, em 2020, o total de pessoas beneficiadas foi de 68,2 milhões. Em 2021, caiu para 36,4 milhões e, em 2022, para 909,6 mil. O Auxílio Emergencial é um valor pago a trabalhadores informais, autônomos, desempregados e MEIs como ajuda para enfrentar a pandemia de covid-19.

Bolsonaro levou água ao Nordeste?

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O que Bolsonaro disse: que seu governo levou água para a região Nordeste por meio da Transposição do Rio São Francisco.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. De fato, a Transposição foi finalizada na gestão de Jair Bolsonaro. Mas notícias e documentos oficiais indicam que ao menos 92,5% da execução física dos dois eixos estruturantes do projeto estavam prontos quando o atual presidente assumiu o comando do País. O Eixo Leste, inclusive, foi inaugurado no governo de Michel Temer.

O governo federal questiona os dados e diz que parte das obras tiveram que ser refeitas.

Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas?

O que Bolsonaro disse: que o Brasil garante a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no mundo. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é controverso. Um estudo da Embrapa apontou que o agronegócio brasileiro seria responsável por alimentar cerca de 800 milhões de pessoas. No entanto, a metodologia da pesquisa é contestada. Ao UOL, especialistas alertam que a conclusão do estudo se baseia no pressuposto de que todos os grãos exportados pelo Brasil são usados para a alimentação. Na verdade, podem ser usados para outras finalidades - como, por exemplo, ração animal.

Produção de alimentos não é sinônimo de segurança alimentar. Pesquisa da Oxfam apontou que 58,7% da população brasileira convive com algum tipo de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave).

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Inflação menor que EUA e Europa?

O que Bolsonaro disse: que o Brasil terá neste ano inflação "muito menor" do que a Europa e dos Estados Unidos. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. Segundo o relatório do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC) nesta segunda-feira, 5, a inflação prevista pelo mercado para 2022 é de 6,61%. Para 2023, a estimativa é de 5,27%. A Comissão Europeia publicou em julho deste ano um relatório em que afirmou que a previsão da inflação média anual para a Europa deve atingir um pico histórico em 2022, com 7,6% na zona do euro e 8,3% na União Europeia, antes de cair em 2023 para 4,0% e 4,6%, respetivamente. Por fim, de acordo com o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado em julho de 2022, a previsão para a inflação dos Estados Unidos é de 7,7% até o final deste ano e de 3,0% em 2023.

 

Governo ressuscitou modal ferroviário?

O que Bolsonaro disse: nosso governo ressuscitou o modal ferroviário do Brasil

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Embora o governo Bolsonaro tenha apresentado projetos significativos para expansão da malha ferroviária, dados da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários mostram que houve crescimento de indicadores deste modal em governos anteriores.

O valor de investimentos na malha concedida à iniciativa privada bateu recorde de R$ 7,7 bilhões em 2015, seguido de quedas sucessivas até 2019. No ano seguinte, o indicador mostrou uma recuperação significativa ao saltar de R$ 3,6 bilhões para R$ 6,09 bilhões. Já os dados de produtividade (número de toneladas de carga movimentada a cada quilômetro) e de movimentação ferroviária tiveram trajetória crescente entre 2013 e 2018.

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O governo Bolsonaro apostou na desburocratização do investimento privado nas malhas ferroviárias. Em 2021, o presidente editou uma medida provisória que estabeleceu um regime simplificado de autorização para empresas explorarem o modal no País. O documento perdeu efeito, mas um projeto de lei apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP) e sancionado por Bolsonaro garantiu a nova regulamentação para o setor.

Ainda no ano passado, o governo federal assinou nove contratos para construção de 3,5 km de ferrovias com um investimento privado estimado em R$ 50 bilhões, segundo matéria da Agência Brasil. O jornal Valor Econômico relatou, em janeiro, que o Ministério da Infraestrutura havia recebido ao menos 64 pedidos de autorização avaliados em R$ 180 bilhões. A pasta informou ao veículo que a expansão da malha ferroviária prevista nas solicitações representava até 50% da malha atual do Brasil, estimada em cerca de 30 km.

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