EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Proposta de imposto único volta para o Congresso pelas mãos de general

Enquanto os colegas disputam cargos no governo, militar vai defender ideia de Marcos Cintra no Parlamento

PUBLICIDADE

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

Paulo Guedes não é o único a procurar o Congresso com o plano de uma nova CPMF. O general Roberto Peternelli, deputado federal pelo PSL (SP), apresentou a emenda 20 à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, para enterrar a principal inovação da PEC, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Em seu lugar, o general quer recuperar o projeto de uma espécie de imposto único – defendido pelo economista Marcos Cintra  –,  que incidiria sobre as transações financeiras. Com alíquota de 2,5%, ele seria uma gigantesca CPMF que pretende salvar o setor de serviços, incomodado com o IBS.

O deputado federal e general da reserva Roberto Peternelli (PSL-SP) Foto: Dida Sampaio/Estadão

PUBLICIDADE

Peternelli desfila na linha de frente da banda liberal-militar. Ele exibiu seu projeto a empresários e parlamentares. Buscou o aval do ministro da Economia para propor em sua emenda um novo pacto federativo. Trata-se de redistribuir o dinheiro arrecadado com o superimposto em três partes iguais entre Municípios, Estados e a União e destinar os 10% restantes para fundos do governo e emendas parlamentares. É quase uma nova Constituição, realizando o sonho de Guedes de acabar com gastos obrigatórios em Saúde e Educação. Como alternativa, os impostos sobre renda e territorial urbano seriam mantidos.

Para o general, a simplicidade de seu imposto acabaria com a sonegação e reduziria custos das empresas. Ele ainda pretende eliminar cédulas de grande valor para forçar o uso do meio digital nas transações. E diz que CPFs vinculados ao Bolsa Família seriam isentos de pagar a gigantesca CPMF. Pertenelli nega que o imposto seja mais pesado do que o IBS. E acredita que ele contribuirá para criar novos empregos.Nem Guedes ousou tanto. A emenda do general pode ser usada por empresários, como Flávio Rocha, para obter o programa mínimo, o do governo, aprovando a CPMF menor em troca da desoneração da folha de pagamento das empresas?

Há quem fale em reforma tributária sem pensar em como financiar o sistema de aposentadorias e de bem-estar social no País. É fácil propor o fim da contribuição previdenciária patronal e a redução das alíquotas do imposto de renda – como fez ontem Jair Bolsonaro. Os críticos dizem que a nova CPMF faria os pobres – não os miseráveis –, a classe média e os ricos serem taxados com a mesma alíquota, espécie de sonho igualitário dos mais fortes, aqueles que um certo darwinismo diz serem os mais aptos para sobreviver. Afinal, por que é mesmo que devemos nos importar com a desigualdade? Por que razão as oportunidades devem ser iguais ou qual o motivo de se defender o bem comum em uma República? Políticos e governantes deviam saber responder a essas perguntas.

Publicidade

A proposta de Peternelli surge no momento em que é quase consenso entre os militares do Planalto o discurso em defesa de um Estado mínimo. Trata-se de posição política legítima em uma democracia. O problema começa quando examinamos o que os generais de Bolsonaro incluiriam nesse mínimo. Ali deve estar o aumento de gastos com a Defesa de 1,3% do PIB para 2%? Também deve caber no mínimo a Previdência castrense, a mais deficitária de todas as mantidas pelo governo, bem como as gratificações e salários acumulados pelos milhares de militares que ocupam cargos civis? E os empregos para filhos, amigos e aduladores?

Um general de quatro estrelas da reserva –  Mauro Cid –  foi nomeado pelo amigo –  Jair Bolsonaro –  representante da Apex em Miami. O salário desse tipo de cargo está entre US$ 8,4 mil a US$ 9,6 mil – de R$ 43 mil a R$ 49 mil. Cid é colega de turma do presidente na Academia Militar da Agulhas Negras. Seu filho, o major Mauro Cesar Barbosa Cid, é ajudante de ordens de Bolsonaro. Os antigos ocupantes da função eram identificados como os homens que carregavam a pasta do chefe. Cid é moderno. Ele carrega um celular para filmar o presidente e produzir imagens para Bolsonaro distribuir nas redes sociais. 

A lista de colegas de Bolsonaro e dos generais que receberam filés no governo explica por que o presidente achou tão natural nomear o filho para a embaixada em Washington. Ou por que o general Braga Netto não viu empecilho para empregar a filha na Agência Nacional de Saúde (ANS). Seriam legais as nomeações? Alguma lei proibia? Eis o tipo de pergunta que um civil faria. Ele poderia receber como resposta que a nomeação não é ilegal, apesar de imoral. Ora, o que define as ações civis e as do Estado é a legalidade.

Mas, entre os militares, o dilema entre o moral e o legal não devia existir, pois o que os devia inspirar é a honra. "Na Força Armada não há essa distinção entre o legal e o 'moral'. A conduta ajusta-se ou não aos padrões militares", escreveu o cientista político e jornalista Oliveiros S. Ferreira. Quem poderia imaginar que fosse necessário lembrar tais padrões? O fato de Bolsonaro não ter quadros para preencher os cargos da administração não justifica a escolha de arrumar uma benesse para amigos e parentes quando o País passa por uma crise sem precedentes.

Em 2006, o ex-governador Anthony Garotinho lançou um apodo ao PT do Rio do qual o partido não mais se recuperou: "O partido da boquinha". O mesmo anátema paira hoje sob a cabeça do partido militar que ocupa o Planalto. Afinal, qual a imagem que o governo Bolsonaro deixará de seus militares? Esta será a da militância tributária de Peternelli – ainda que se discorde dela – ou será a dos colegas do general disputando uma sinecura?  Como explicar o caso do general Eduardo Pazuello, o interino da Saúde, que, além de emplacar uma amiga na coordenação da pasta em Pernambuco, obteve a nomeação da filha para um cargo na Saúde do Rio? A festa corre solta enquanto a pandemia cancela o réveillon e, talvez, até o carnaval.

Publicidade

O que importa aqui é saber se o partido militar tem um projeto para o Brasil ou se vai se perder produzindo novas Marias Candelárias. Personagem da marchinha de carnaval dos anos 1950 cantada por Blecaute, a moça era uma alta funcionária que "saltou de paraquedas e caiu na letra 'O'." Candelária era a velha chaga do compadrio, contratada sem concurso ou estabilidade, que trabalhava a partir do meio-dia. Se assim é a ocupação do Estado antes da disputa da eleição municipal, "imagina, então, – cantava Blecaute em outro samba –  o papai eleito, vereador ou prefeito desta grande capital?" Eis a pergunta que persegue o partido militar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.