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Militares temem uso político de informações sobre pensões

Após um ano, governo não cumpriu determinação do TCU para exibir valores recebidos por pensionistas e militares da reserva, conforme revelou o 'Estadão'

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

A ideia de honra militar traz implícita a de solidariedade com os companheiros que vierem a sofrer ofensa ou mesmo punição quando o grupo reconhece como legítimo o seu comportamento. No Brasil, desde os anos finais do Império, as relações entre civis e militares estiveram no centro dos conflitos políticos e entre os Poderes da República.

O presidente Jair Bolsonaro visita militares durante obras da Ferrovia de Integracao Oeste Leste Foto: GABRIELA BILO/ ESTADAO

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No governo de Jair Bolsonaro, o outro lado da montanha era o lugar ocupado pelos que podem controlar as ações do Executivo. Ao Supremo já se contrapôs a ameaça de um cabo e um soldado; ao Congresso, a edição de novo Ato Institucional. Até que se iniciou a détente entre os Poderes. Nela, o presidente evita entrevistas, os bolsonaristas não se mobilizam para manifestações em Brasília e até mesmo as disputas pelas redes sociais parecem emudecer.

A trégua bolsonarista fez até o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) publicar em seu Twitter números para mostrar como as Forças Armadas estão engajadas na luta contra os crimes ambientais no Centro-Oeste e no Norte do País. Multas, revistas, madeira ilegal confiscada: todos os números da Operação Verde Brasil 2 passam em revista diante dos 2 milhões de seguidos de Carlos no Twitter. Nem parece que a operação é chefiada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, aquele mesmo a quem a turma de Carluxo acusava de querer instalar uma junta militar no lugar do pai.

Nem mesmo a presença do general da ativa Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde parece mais incomodar o governo, ainda que a sua “interinidade” – como bem lembrou o general Francisco Mamede de Brito Filho – seja apenas uma forma de driblar o Estatuto dos Militares a fim de que permaneça em cargo civil não temporário sem precisar ir para a reserva. E, agora, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) arruma tempo para compartilhar vídeo de apoio à ação do ministério do colega nas aldeias indígenas... Enfim, enquanto a floresta e o Pantanal queimam, os ministros parecem crer que tudo se acalma – até Bolsonaro se entediar e criar uma nova tempestade. 

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Assim, paulatinamente, a crise política que ameaçava devorar o governo cedeu lugar às misérias do cotidiano. Há um alívio entre integrantes do Forte Apache com a paralisação das manifestações golpistas diante da sede do comando do Exército. Nem parece que há pouco menos de cinco meses o próprio presidente da República discursava para um grupelho de celerados que buscava conturbar o País mais do que a pandemia de covid-19.

Não que as críticas ao governo tenham desaparecido completamente entre os generais. Há os que se lembram dos ataques à Lava Jato – caso do ex-ministro Santos Cruz e do general Paulo Chagas – feitos por um procurador-geral da República, Augusto Aras, escolhido a dedo por Bolsonaro. O presidente tem o filho Flávio, senador pelo Republicanos do Rio, no centro de escândalo de apropriação de dinheiro público, que ameaça atingir funcionários do gabinete de Carlos, o filho vereador pelo mesmo partido no Rio. Porém, mesmo as vozes desses generais soam mais débeis e distantes.

E é justamente nessa calmaria que o governo procura o remédio do esquecimento para as pautas que incomodam a sua base.  Mas o outro lado da montanha ainda sente a sua insubmissão aos órgãos de controle do Estado. Um deles é o Tribunal de Contas da União (TCU). Causa incômodo aos militares o acórdão do tribunal que mandou expor os vencimentos e pensões de filhas e de colegas da reserva no Portal da Transparência. A decisão completou um ano e não foi cumprida, como mostrado pelo repórter Felipe Frazão no Estadão desta segunda-feira, dia 14.

Há o temor entre generais ouvidos pela coluna de uso político das informações contra o governo. Os dados da Defesa podem se tornar "um instrumento de manipulação". Esse é um raciocínio que identifica o caso como mais um pretexto para atacar o Executivo. Associa-se assim inconscientemente a imagem dos militares à do próprio governo Bolsonaro. Mas o que o TCU quer é apenas que os militares e seus pensionistas se submetam às mesmas normas que os civis, cujos pagamentos são submetidos à consulta pública de forma individual, o que nunca aconteceu entre os fardados – somente os dados sobre o pessoal da ativa são publicados. 

A resistência à publicidade e ao consequente controle civil sobre os militares parece lembrar a propensão de muitos oficiais de enxergar a profissão das armas como a única preparada para defender o Estado. Ela está ligada à outra ideia, consagrada na expressão de Alfred de Vigny: “O Exército á uma nação dentro da nação”. O cientista social Oliveiros S. Ferreira afirmava que as normas que regem as duas nações não são idênticas. Exemplo disso seria a pressão militar para se subtrair à Justiça Penal nos delitos comuns cometidos em tempos de paz contra civis, alegando as especificidades da profissão.

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A consciência coletiva do grupo fez o Ministério da Defesa alegar que a intimidade de pensionistas estaria sendo violada se os valores de seus vencimentos fossem publicados, como se a honra de viúvas e de filhas solteiras estivesse acima da lei que os funcionários do Estado – civis e militares – devem seguir. Agora, a pasta afirma que todo o imbróglio está perto do fim, que após um ano todos os dados serão publicados. A demora para o cumprimento de um acórdão do tribunal mostra o tamanho do desafio que ainda se põe aos que sabem da importância que o controle civil sobre os militares tem para uma democracia. Ainda mais quando a República tem como presidente um capitão.

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