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Defendida por policiais e bolsonaristas, PEC da politização da PM esbarra nos governadores

Alteração permitiria a volta dos policiais políticos aos quartéis no fim dos mandatos; hoje, eles são obrigados a passar para a reserva

colunista convidado
Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Caro leitor,

Policiais militares querem aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que - imaginam - favoreceria e aumentaria ainda mais o fenômeno de suas candidaturas no País. Por meio dela, pretende-se alterar o artigo 14 da Carta, que determina a passagem automática para a reserva de todo candidato militar eleito. A regra foi instituída pelo marechal Castelo Branco. Os políticos PMs alegam que ela os discrimina, negando-lhes um direito: o de voltar a exercer a profissão, caso não sejam reeleitos ou queiram deixar a vida pública.

Polícia Militar de São Paulo Foto: Gilberto Marques/Governo de São Paulo

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Quando a norma foi criada em 1965, o presidente Castelo Branco buscava esconjurar uma das pragas da história da República: a politização dos quartéis. O marechal conhecia bem o problema. Testemunhara as promoções-relâmpago dos antigos tenentes derrotados dos anos 1920 e vitoriosos nos anos 1930. Escrevera artigos sob o pseudônimo "Coronel Y", nos quais criticava os colegas que se dedicavam aos gabinetes da administração pública em vez de se mostrarem nos campos de manobras, em Gericinó.

Naqueles anos, o dilema entre o profissionalismo e a política encontraria uma síntese na idéia do general Pedro Aurélio de Góis Monteiro de que se devia promover a política do Exército e não no Exército. O partido militar transformava-se em representante fardado do partido da ordem. E seus membros e facções levariam instabilidade à República nos anos subsequentes.  Os golpes militares se sucederiam até 1964, quando o último deles levaria Castelo Branco ao poder.

O regime inaugurado por Castelo reorganizaria as PMs - a de São Paulo uniria as antigas Guarda Civil e Força Pública, prevalecendo a segundo com sua cultura. Desde entãos, elas se submetem às mesmas leis que as Forças Armadas, como o Códigos Penal Militar, além de terem regimento disciplinar próprio e princípios, como a hierarquia e disciplina. As PMs se mantiveram em uma atividade essencialmente civil - o policiamento -, mas com estrutura militar.  Em 2019, esforçaram-se em um lobby para obter o mesmo tratamento de seus colegas das Forças Armadas: a paridade e da integralidade em suas aposentadorias, privilégios que civis não têm. 

São, assim, militares quando se trata da Previdência. E também quando o negócio é prestar contas à Justiça castrense por crimes comuns. Em uma época em que as prerrogativas de foro de políticos escandalizam o País, militares, juízes e promotores ainda pensam que podem ter o privilégio de serem julgados por cortes especiais, enquanto os cidadãos - aqueles inferiores a engenheiros e outras corporações - devem prestar contas aos simples magistrados.

Ou seja, quando interessa, é bom ser militar. Mas quando os PMs são limitados pela lei - como é o caso da regra que busca separar a política dos quartéis -, aí o discurso que surge é o da isonomia com os policiais civis e federais. Na verdade, há quem considere insuficiente a atual obrigação legal imposta - não só aos militares, mas também a juízes e promotores - de deixar sua carreira para entrar na política. Especialistas incluíram nas 70 medidas contra a corrupção a quarentena de quatro anos para magistrados e procuradores - algo que também devia se estender a militares e policiais - para impedir o uso das carreiras como trampolim político.

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O instrumento que agora militares e muitos bolsonaristas querem aprovar no Senado para aumentar a participação - e a politização da PMs -  é a PEC 113-A. Ela foi desmembrada da proposta da Reforma Política, votada em 2017, pelo Senado, após ter sido aprovada pela Câmara. "Na época, não existia esse fenômeno dos militares na política e a medida passou. Agora, os governadores e outros resistem e não deixam o textoentrar em pauta. Nosso sucesso nas urnas apavora a classe política", disse o senador Major Olímpio (PSL-SP).

Olímpio sabe que, além das votações expressivas de seus colegas, movimentos como o motim do Ceará aumentaram - e muito - a oposição no Senado à medida. "Nem anistia aos amotinados passa hoje na Casa." Ele acredita que as cenas de policiais se comportando como bandidos mascarados, ameaçando o comércio para obrigá-lo a fechar, vandalizando viaturas e levando insegurança e terror à população cearense não se justificam. "Para os governadores, porém, é cômodo ter instrumentos, como o regulamento disciplinar, para controlar as polícias."

A PEC defendida pelo major prevê o direito de o policial eleito optar por voltar às fileiras se não for reeleito. Outra PEC, a 038/2019, ainda em análise na Câmara, determina a obrigação de o PM ser reintegrado à ativa. Mesmo sem a PEC, Olímpio prevê um aumento de candidatos e de eleitos de origem militar neste ano. "Vão passar de 300." Há cerca de 600 mil policiais e bombeiros militares no Brasil - em São Paulo são cerca de 90 mil na ativa. Olímpio comemora a força do grupo. "Nem o Ministério da Defesa, nem Bolsonaro haviam colocado nosso pessoal na Reforma da Previdência. Foi a nossa mobilização que garantiu a integralidade e a paridade."

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A tramitação da reforma da Previdência deixou cicatrizes no partido fardado. "Quando interessa, somos forças-auxiliares, quando não interessa, somos o 'seu guarda'. As Forças Armadas nos engolem porque não conseguem ter representatividade na política e nós conseguimos", diz o senador. Olímpio admite o risco de que os "vícios da política" entrem nos quartéis caso a PEC seja aprovada. "Não temos sindicatos. As candidaturas e os mandatos são o nosso meio de lutar."  Ele diz que nem mesmo as dificuldades do bolsonarismo afetarão os militares candidatos. Nem mesmo a prisão de Fabrício Queiroz. "Ainda que a Justiça não decida até lá  se Queiroz enganou os chefes ou se era o diretor financeiro de uma holding familiar, nada disso deve afetar nossas candidaturas."

Olímpio é expressão da volta do partido fardado, com a conquista de prestígio e posições no mundo civil. No passado, isso levou a crises e à instabilidade na República. Provocou incontáveis episódios de indisciplina e quebra de hierarquia nos quartéis, além da visão de que os chefes desse partido seriam os intérpretes da lei e únicos capazes de garantir e dizer o que é a democracia. Em nome da Nação, praticaram-se abusos e violações de direitos. A PEC dos PMs é, assim, por demais carregada de história para que suas consequências não sejam verificadas e pesadas para além dos interesses dos políticos e das corporações.