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Ao 'Estado', Bebianno revelou teor de carta para Bolsonaro: 'Carlos não aprendeu a amar'

Na última terça, ex-ministro encontrou-se com a reportagem, falou sobre demissão do governo e de seus planos eleitorais no Rio; demonstrava mais decepção que raiva do presidente

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Por Jussara Soares
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-ministro e advogado Gustavo Bebianno não tinha raiva do presidente Jair Bolsonaro. O sentimento que o perseguia desde que deixou o governo era a decepção de um fã com seu ídolo. Foi o que contou na última conversa com o Estado em um hotel em Brasília na terça-feira, 10, onde fez reuniões de articulação para sua candidatura a prefeito no Rio pelo PSDB.

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Bebianno morreu, aos 56 anos, na madrugada deste sábado em seu sítio em em Teresópolis (RJ). No encontro com a reportagem, que ocorreu quatro dias antes de sua morte, o ex-ministro fez elogios ao presidente que ajudou a eleger, mas demonstrou mágoa pelas suposições de que poderia estar envolvido com a facada sofrida por Bolsonaro durante ato de campanha em setembro de 2018 - o boato ganhou força após Bolsonaro dizer, em entrevista, que um auxiliar poderia estar por trás da facada.

"Eu sou muito sensível. Eu sinto a energia das pessoas. Não posso ter me enganado tanto. Eu só enxergava uma pessoa de bom coração, sincera. Acho que ele (Bolsonaro) é assim, mas todo mundo tem luzes e sombras. Eu conheci o pior lado também", disse o ex-ministro.

Gustavo Bebianno, durante sessão de fotos após entrevista cedida aoEstadoem 2018, no bairro do Jardim Botânico, na zona sul do Rio Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Na conversa, Bebianno contou sobre a carta que escreveu para Bolsonaro após ser demitido do governo, em fevereiro de 2018. Queria aparar arestas, fechar um ciclo. No texto, o ex-ministro aconselhou o presidente sobre o filho Carlos Bolsonaro, que é vereador no Rio de Janeiro pelo PSC. "Eu disse que Carlos não sabia amar, era nutrido por ódio o tempo inteiro. Ninguém o ensinou a amar. Ele não aprendeu", contou.

Cópias da carta foram entregues para o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, então chefe da Casa Civil; o general Maynard Santa Rosa, que ocupava o cargo de chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE); e para o ator Carlos Vereza, que se aproximou do presidente e também se tornou seu amigo.

Bebianno, que nunca mais encontrou Bolsonaro pessoalmente ou manteve contato por telefone, queria ter certeza de que o presidente havia lido sua carta. Onyx, segundo contou o advogado, garantiu que Bolsonaro leu o texto. Em um dos trechos, o ex-admirador falava que o presidente, depois de chegar ao poder, estava cercado de energias negativas, que o atrapalham na condução do País.

Para Bebianno, foi após esta carta que Bolsonaro passou a declarar que um ex-assessor poderia estar envolvido na tentativa de seu assassinato. "Isso é uma loucura. Eu estive ao lado dele o tempo inteiro. Abri mão de estar com minha família. Nunca quis nada em troca. Eu acreditava quando ele dizia que queria mudar o Brasil."

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A Carlos é atribuída a saída de Bebianno do governo, com apenas 49 dias de gestão. O então ministro foi demitido em uma crise que eclodiu após ter declarado ao jornal O Globo que havia conversado três vezes com o presidente durante uma crise no Planalto. A declaração foi dada para afastar rumores de que estava sofrendo um processo de fritura. Na sequência, Carlos foi à internet dizer que o ministro estava mentindo. Áudios divulgados depois da demissão confirmaram que Bebianno e o presidente mantiveram contato.

Atritos com filho do presidente

A relação de Bebianno e Carlos era conflituosa desde a pré-campanha eleitoral. Na época, o coordenador da campanha evitava fazer declarações sobre o filho do presidente. "Carlos tem ciúmes do pai, mas não resolvia nada na campanha. Tudo sobrava pra mim. Eu era faz-tudo do capitão, que me chamava de para-raio", disse.

Apesar das restrições de ambas as partes, Bebianno e Carlos permaneceram juntos quando Bolsonaro foi atingido por Adélio Bispo de Oliveira com uma facada em ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Enquanto o então candidato passava por cirurgia na Santa Casa da cidade mineira, os dois ficaram lado a lado fazendo orações, às vezes de mãos dadas. Nos dias seguintes, ambos permaneceram ao lado de Bolsonaro durante internação no Hospital Israelita Albert Einstein.

O presidente Jair Bolsonaro e Gustavo Bebianno na posse ministerial em janeiro de 2019; Foto: DIDA SAMPAIO/ ESTADÃO

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Em entrevista ao programa Roda-Viva, da TV Cultura, no início deste mês, Bebianno falou que Carlos queria montar uma "Abin paralela" dentro do Palácio do Planalto com a participação de delegados federais. Na ocasião, se recusou a falar os nomes. Ao Estado, ele disse que não queria mais comentar o assunto.

"É bom me preservar. Além disso, os policiais em questão não fizeram nada de errado. Nem sei se de fato se prestariam a atender às loucuras do Carlos. Não vou prejudicar ninguém, porque não sei o que fizeram ou não", justificou.

Desde que saiu do governo, Bebianno tinha medo. Apontado como um "homem-bomba", que poderia revelar segredos da campanha de Bolsonaro, o ex-ministro afirmava que jamais faria isso, embora dissesse ter documentos, áudios e mensagens guardadas. "Não é o meu perfil. Eu tenho caráter. Talvez eu escreva um livro um dia. Tenho feito anotações diárias", contou ao Estado. Neste sábado, o empresário Paulo Marinho, amigo de Bebianno e presidente do diretório estadual do PSDB no Rio, disse que ex-ministro fez reuniões recentes com duas editoras para falar sobre o livro

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Apesar das visitas constantes à Brasília, o ex-ministro costumava dizer que não se sentiu feliz na temporada de quase dois meses na capital federal: "Nunca fui feliz em Brasília. A energia aqui é ruim."

A exposição provocada pela proximidade com Bolsonaro lhe fez pensar na possibilidade de entrar para a vida política. "Talvez eu faça disso tudo uma limonada", disse, após ser demitido, em março de 2019. Neste ano, Bebianno se filiou ao PSDB e se lançou pré-candidato à Prefeitura do Rio. A costura política foi feita pelo empresário Marinho e contou com o apoio do governador paulista, João Doria (PSDB). 

Na noite de terça-feira, logo após se encontrar com o Estado, Bebianno jantou com o presidente do PSL, Luciano Bivar, em um restaurante em Brasília. O ex-ministro queria ter o apoio da legenda à sua candidatura para a prefeitura do Rio. Na quarta-feira, se reuniu com o presidente nacional do partido, Bruno Araújo, o senador Tasso Jeireissati (PSDB-CE) e o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB). Na quinta-feira, antes de viajar com o filho para Teresópolis, almoçou em um restaurante em Ipanema com Marinho.

O advogado vinha demonstrando chateação com a montagem divulgada na internet por apoiadores de Bolsonaro em que diziam que ele não iria nas manifestações marcadas para este domingo, dia 15 - e desmobilizadas pelo próprio presidente devido à crise do coronavírus. Bebianno recebeu a imagem antes de embarcar de São Paulo para Brasília, na terça-feira. Passou o voo escrevendo um texto que queria publicar mais tarde. “Eu não vou mesmo. Eu não quero ir parar numa país como Venezuela, seja pelas mãos do PT ou da família Bolsonaro”, dizia um trecho da mensagem, que ele leu em voz alta para o Estado. Bebianno via uma escalada autoritária no governo.

Espírita, ele mostrou ao Estado um desenho feito por um médium que não o conhecia, quando esteve em uma reunião religiosa na casa de Carlos Vereza, em 2019, logo após ser demitido. Em seguida, mostrou a foto de seu pai e apontou as semelhanças. "Eu sei que ele está me acompanhando", disse, atribuindo ao pai a força para o novo desafio eleitoral. "Estou confiante. Existe um propósito na minha vida. Tudo o que passei não foi à toa", disse.