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Amazônia não é praticamente intocada, como diz Bolsonaro, apontam institutos

Números e estudos de diversos órgãos como Inpe, IPAM e Nasa contradizem discurso do presidente na ONU

Por Giovana Girardi
Atualização:

NOVA YORK – Em discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, na manhã desta terça-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Amazônia permanece praticamente intocada. Não é o que atestam números e dados de diversos institutos de pesquisa que estudam o tema.

Jair Bolsonaro, presidente da República, na Assembleia-Geral da ONU Foto: Ludovic Marin/AFP

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Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a floresta desde 1989, aponta que já houve um desmatamento acumulado de 19,73% do território.

O presidente afirmou que “nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. E ainda disse que “vale ressaltar” que existem também “queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência.”

Análises feitas pela Nasa e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) apontaram uma correlação entre as queimadas atuais e o desmatamento que ocorreu nos meses anteriores. Alertas feitos pelo sistema Deter, do Inpe, indicam uma alta de quase 50% no desmatamento entre agosto do ano passado e julho deste ano, na comparação com os 12 meses anteriores.

Correlação entre desmatamento e queimadas

Queimada espontânea, por outro lado, é rara na floresta tropical úmida. E estudos mostram que quando o fogo é intenso e repetitivo, a chance de recuperação é muito mais demorada. 

Palavras mais citadas pelo presidente Jair Bolsonaro durante discurso na ONU Foto: Reprodução

De fato existem algumas queimadas provocadas por indígenas e populações tradicionais, mas para limpar a roça, não na proporção do que ocorreu em agosto. Bolsonaro levou essa informação amparado em falas da indígena Ysani Kalapalo, apoiadora do presidente e que foi levada por ele à Assembleia-Geral da ONU

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O presidente havia compartilhado em suas redes sociais na dia 18 um vídeo de Ysani em que ela aparece em sua aldeia e afirma: “Existe muito fake news sobre as queimadas, que é culpa do governo Bolsonaro. Não existe isso aí”.

Um outro estudo do Ipam mostrou, porém, que a maioria das queimadas ocorreu em propriedades privadas neste ano. O Ministério Público Federal do Pará investiga inclusive fazendeiros que estariam por trás do Dia do Fogo, que ocorreu em 10 de agosto. 

Queimadas ocorrem em propriedades privadas

E, apesar de essa ser a temporada seca, há mais umidade neste ano que em 2016, por exemplo, que também tinha sido um ano com mais fogo. Agosto deste ano teve mais queimadas que a média para o mês dos últimos 21 anos.

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Bolsonaro disse também que o País usa somente 8% do território nacional para a produção de alimentos e que 61% do nosso território é preservado.

Ele se baseia em um estudo do United States Geological Survey e de dados controversos de seu “guru ambiental”, o agrônomo Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Territorial, que já foram contestados por diversos pesquisadores brasileiros. Um relatório chegou a ser divulgado neste ano, o Brasil: Inteligência e Dados sobre cobertura e uso da terra, assinado por cientistas como Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, e Eduardo Assad, também da Embrapa, desmontando os dados. 

Assista à íntegra do discurso de Jair Bolsonaro na ONU

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Brasil: Inteligência e Dados sobre cobertura e uso da terra

Segundo os cálculos mais aceitos, a produção agrícola no País ocupa cerca de 30%, de acordo com MapBiomas e Atlas da Agropecuária Brasileira. No documento, os pesquisadores explicam que a análise dos 8% foi baseada no projeto Global Food Security Analysis Support Data (GFSAD30), financiado pela Nasa, para fornecer dados globais sobre terras agrícolas e seu uso de água e apoiar a segurança alimentar no século 21. 

Segundo Assad, os dados da NASA/USGS foram validados tendo como base o censo agropecuário do IBGE. "Ocorre que os dados do IBGE estimam uma área agrícola de 8,26%, que se refere apenas às culturas de soja, algodão, arroz, cana-de-açúcar, feijão e milho, quando de fato a agricultura brasileira abrange 44 diferentes culturas", informa o relatório. 

Segundo Assad, os percentuais referentes a apenas quatro tipos de culturas são utilizados como o total da produção agrícola do país quando mapeados pelo projeto da USGS.

* A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇÃO NO PEACE WITHOUT JUSTICE.

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