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Por 10 a 1, STF confirma decisão que mandou abrir CPI da Covid

Ministros decidiram que o Senado tem de instalar a CPI, mas observaram que cabe à própria Casa definir como devem ser executados os trabalhos do grupo, se presencialmente, por videoconferência ou modelo híbrido

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Por Rafael Moraes Moura , Amanda Pupo/ BRASÍLIA , Paulo Roberto Netto e Rayssa Motta/ SÃO PAULO
Atualização:

Em uma derrota para o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 14, confirmar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que abriu uma crise com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao mandar o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a gestão da pandemia pelo governo federal. Por 10 a 1, os ministros decidiram que o Senado tem de instalar a CPI, mas ressaltaram que cabe à própria Casa definir como devem ser executados os trabalhos do grupo - se presencialmente, por videoconferência ou modelo híbrido, conforme antecipou o Estadão. O julgamento durou cerca de uma hora.

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"O procedimento a ser seguido pela CPI deverá ser definido pelo próprio Senado Federal, de acordo com as regras que vem adotando para funcionamento dos trabalhos durante a pandemia", frisou Barroso. "Deixo claro, no entanto, que não cabe ao Senado definir se vai instalar a CPI ou quando vai funcionar, mas sim como irá proceder. Por exemplo, se por videoconferência, de modo presencial, semipresencial ou fazendo uma combinação de todas essas possibilidades."

A decisão de Barroso, assinada na última quinta-feira, enfureceu o presidente Jair Bolsonaro, que atacou o ministro, acusando-o de "militância política" e "politicalha". A CPI da Covid tem potencial para desgastar ainda mais a imagem do Planalto em um momento de agravamento da pandemia, queda de popularidade do chefe do Executivo, piora dos indicadores econômicos e risco de recessão.

A decisão de Barroso atendeu a um pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que acionaram o tribunal alegado inércia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em abrir a investigação. Quando a liminar foi concedida, o requerimento pela abertura da CPI estava na gaveta de Pacheco havia mais de dois meses.

A abertura de uma CPI pode levar à convocação de autoridades para prestar depoimentos, quebra de sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciamento de culpados e encaminhamento ao Ministério Público de pedido de abertura de inquérito.

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Em uma rápida leitura de voto, Barroso frisou que "decisões políticas devem ser tomadas por quem tem voto", mas ressaltou que o caso em análise girava em torno de respeito à Constituição. "Nesse mandado de segurança, o que está em jogo não são decisões políticas, mas o cumprimento da Constituição. O que se discute é o direito de minorias políticas parlamentares fiscalizarem o Poder público, diante de uma pandemia que já consumiu 360 mil vidas apenas no Brasil com perspectiva de chegar à dolorosa cifra, ao recorde negativo, de 500 mil mortos", disse o relator.

"CPI não tem apenas o papel de investigar, no sentido de apurar coisas erradas, elas têm também o papel de fazer diagnósticos dos problemas e apontar soluções. Aliás, nesse momento brasileiro, esse papel construtivo e propositivo é o mais necessário. CPIs fazem parte do cenário democrático brasileiro desde o início da vigência da Constituição, aliás, desde antes. Não se está aqui abrindo exceção, faz parte do jogo democrático desde sempre as comissões parlamentares de inquérito", acrescentou.

Barroso destacou que no governo Collor, foram abertas 29 CPIs, a mais conhecida a que mirou PC Farias. Nos governos FHC e Lula, por sua vez, o número de CPIs foi de 19 em cada gestão.

O único voto destoante veio do decano do STF, Marco Aurélio Mello. Embora tenha indicado que apoia o entendimento de Barroso, Marco Aurélio frisou que não cabe ao plenário referendar ou não a liminar do colega em um mandado de segurança. Ou seja, para Marco Aurélio a decisão de Barroso já bastava. "A liminar do relator em mandado de segurança tem eficácia imediata", observou.

"Sinto muito vontade em pronunciar-me, porque fui o primeiro a dizer que a decisão do ministro Luís Roberto Barroso -- não imaginando, claro, que viria a apreciá-la nesta revisão de ofício proposta por Sua Excelência -- mostrou-se afinada com a Lei das Leis, com a Constituição Federal. Mas não cabe. Se distribuído a mim o mandado de segurança, implementaria a liminar e aguardaria inconformismo, porque em Direito, mediante o instrumental próprio, o agravo (o recurso)", acrescentou.

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'Não há tensão'.

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No início da sessão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu o entendimento de Barroso e minimizou a tensão política provocada com a liminar do ministro. Após a liminar de Barroso, Bolsonaro chegou a sugerir que a pressão pelo impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal poderia mudar os rumos da instalação da CPI. Em conversa telefônica com Kajuru, divulgada pelo próprio senador, o chefe do Executivo também orientou que a comissão, se instalada, trabalhasse para apurar a atuação de prefeitos e governadores, o que tiraria o foco do seu governo.

"Entende o Ministério Público que não temos litígio entre poderes, apenas a necessidade de aclararmos, de reiterarmos a jurisprudência dessa corte mesmo na situação incomum em que se vive. O que demonstra que não há nenhum tipo de tensão entre os poderes, mas apenas delimitação clara, reafirmação precisa da vinculação do ato de instalação de uma CPI", disse o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.

Jacques é braço-direito do chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras, que tem tentado se cacifar nos bastidores para a vaga que será aberta no STF em julho com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. "Entende o Ministério Público que a liminar é correta e coerente. As mudanças fáticas não justificam a alteração da jurisprudência", acrescentou Jacques.

Além de irritar o Palácio do Planalto, a decisão de Barroso também provocou mal-estar em uma ala do tribunal, que não vê com bons olhos a abertura dos trabalhos de uma CPI em plena pandemia. O ponto foi levantado por senadores governistas durante a sessão que oficializou a criação da comissão na terça-feira, 13, em um movimento para esvaziar a proposta de funcionamento semi-presencial e embargar o início dos trabalhos.

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Em um primeiro momento, o julgamento foi pautado no plenário virtual, ferramenta que permite aos ministros analisarem os processos e incluírem os votos na plataforma digital, sem necessidade de se reunirem presencialmente ou por videoconferência. No entanto, após conversas entre os membros do tribunal e considerando a repercussão do tema, o presidente do STF, Luiz Fux, decidiu antecipar a discussão e transferir ao julgamento para a sessão colegiada por videoconferência.

Centrão elabora PEC para garantir ao Congresso poder revisor sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Como mostrou o Estadão, Barroso comunicou Pacheco previamente do teor da decisão, em um sinal de cortesia - e uma tentativa para que o próprio presidente do Senado se antecipasse ao STF e instalasse a CPI por conta própria, sem a obrigação de uma decisão judicial. No entanto, o senador manteve a posição de que uma comissão de inquérito neste momento só vai dividir os esforços direcionados ao enfrentamento da pandemia e criar instabilidade ao País - movimento que, em última instância, jogou a responsabilidade da decisão nas mãos do Supremo Tribunal Federal.

Em reação, o presidente Jair Bolsonaro acusou Barroso de 'militância política' e 'politicalha'. "A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."

Durante a posse do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro mostrou uma caixa do remédio Hidroxicloroquina. Foto: Carolina Antunes/PR

Precedentes

A Constituição estabelece três requisitos básicos a serem preenchidos para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que é um direito da minoria no Congresso: número mínimo de assinaturas de parlamentares, prazo para conclusão dos trabalhos e fato determinado a ser investigado.

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Como mostrou o blog, a decisão de Barroso reedita um roteiro seguido pelo próprio Supremo em CPIs contra o governo Lula. Em 2005, por 9 votos a 1, a Corte confirmou a decisão individual do então ministro Celso de Mello e determinou ao ex-presidente da Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), a instauração da CPI dos Bingos para investigar o escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu acusado de receber propina de bicheiros para a campanha do ex-presidente Lula (PT) em 2002.

Na ocasião, parlamentares da oposição também acionaram o Supremo alegando que, apesar de terem preenchido os requisitos para a abertura da CPI, o presidente do Senado adiava a instalação da comissão.

Dois anos depois, em 2007, o mesmo Celso de Mello deu ordem semelhante, desta vez dirigida ao então presidente Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT), que tentava contornar a instalação da CPI do Apagão Aéreo com uma votação em plenário, embora a oposição já tivesse levantando assinaturas necessárias para abrir a investigação sobre a crise do sistema de tráfego aéreo do País. Na época, a pressão pela apuração veio na esteira do choque entre o Boeing da Gol e o jatinho Legacy, da empresa Excel Aire, que matou 154 pessoas em 2006. A liminar também foi confirmada em plenário.

Em sua composição atual, o tribunal tem quatro ministros que participaram de pelo menos um dos julgamentos sobre as CPIs anteriores: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes estiveram presentes nas duas votações enquanto Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram na sessão da CPI do Apagão. Todos fizeram coro pela abertura das investigações.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Defesa

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Enquanto Barroso tem evitado dar declarações públicas sobre o assunto, outros ministros saíram em defesa da decisão. O colega Alexandre de Moraes disse que a determinação foi tomada por 'obrigação', criticou as declarações do presidente e exigiu respeito dos Poderes Executivo e Legislativo.

Na mesma linha, o decano Marco Aurélio Mello repreendeu os ataques do presidente. "Ele esperneou e, para mim, de uma forma descabida, atacando o ministro Barroso. Não constrói. A crítica construtiva, tudo bem, mas ataque?", disse. "O que alcança um de nós alcança a instituição".

Sem citar Bolsonaro, Fux disse que a democracia pressupõe que os Poderes atuem de forma 'independente e harmônica'.

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