Entre os apelos de advogados e a apreensão de procuradores, todos com os nervos à flor da pele, o Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta, 23, a partir de 9h30, o julgamento de três ações que fustigam e pedem a derrubada da prisão em segunda instância. Os onze ministros vão decidir se mantêm a jurisprudência que a própria Corte já firmou em julgamentos anteriores ou se adotam outro entendimento, ou seja, prisão só cabe após esgotadas todas as possibilidades de recursos - o trânsito final do feito penal.
Segundo estimativa do Conselho Nacional de Justiça, 4,8 mil condenados poderão ser alcançados por eventual decisão favorável à tese de que a execução da pena não pode ocorrer a partir de decisão de segundo grau judicial - este número sobre o contingente de eventuais beneficiados já foi maior, vez que o próprio presidente da Corte falou em 190 mil.
O julgamento foi interrompido na quinta, 17, após a leitura do relatório de Marco Aurélio Mello e sustentações orais.
Os advogados das partes nas três ações e das entidades interessadas já apresentaram suas teses e argumentos.
Pautam os discursos a presunção de inocência, segundo o artigo 5.º da Constituição e a impunidade dos crimes de corrupção e do colarinho branco.
Durante seu tempo de exposição, o relator dirigiu críticas ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. "O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares", falou Marco Aurélio.
As ações que continuarão sendo analisadas a partir da manhã desta quarta, 23, foram apresentadas pelo PEN, pelo Conselho Federal da OAB e pelo PCdoB.
O STF já havia considerado possível a prisão em segunda instância em 2016. Este entendimento é considerado um dos pilares da Operação Lava Jato, e procuradores vêem em sua revogação o risco de impunidade, beneficiando pelo menos 100 condenados no âmbito da maior investigação já deflagrada no País contra a corrupção.
Às vésperas do início do julgamento na última quinta, 17, a Procuradoria-Geral da República emitiu memorial assinado pelo vice-procurador José Bonifácio de Andrada no qual chama a revisão do entendimento de 'triplo retrocesso' - para o sistema de precedentes do sistema jurídico, 'para a persecução penal no País' e 'para a própria credibilidade da sociedade na Justiça'.
Atualmente, a Lava Jato possui cem condenados em segunda instância que poderiam ser beneficiados numa eventual mudança do entendimento. É o caso, por exemplo, do ex-presidente Lula, preso desde 7 de abril de 2018, condenado no processo do triplex do Guarujá (SP).
Em abril deste ano, sua sentença - fixada em 8 anos e 10 meses de prisão - foi confirmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a chamada terceira instância.
Apesar de ser um dos casos que chamam mais atenção, Toffol afirmou que o julgamento 'não se refere a nenhuma situação particular'. A decisão do STF afeta 4.895 presos em todo o País, informou o CNJ.
As divergências chegaram ao STF. Enquanto o ministro Luiz Fux chamou a alteração do entendimento 'um retrocesso' e Barroso disse que 'precedentes existem para ser respeitados', outros magistrados adotam pensamento diverso. Marco Aurélio, o relator das ações, disse em entrevista que ele e os colegas não podem ceder a pressões da sociedade.
"Não somos justiceiros, somos defensores da Constituição da República."