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Bolsonaro violou a lei ao deixar isolamento para teste de coronavírus e cumprimentar manifestantes?

Leia as opiniões de advogados sobre o gesto do presidente a manifestantes pró-governo

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

 Foto: Dida Sampaio/ESTADÃO

Orientado a ficar em isolamento para aguardar o resultado de novo teste de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro violou a lei ao estender a mão a manifestantes pró-governo? Advogados dividem opiniões sobre possíveis delitos ou desrespeito à legislação.

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Neste domingo, 15, com o punho fechado, Bolsonaro cumprimentou apoiadores. Depois, chegou a usar o telefone celular de algumas pessoas para tirar selfies ao lado delas, além de cumprimentá-las com as mãos abertas. Em alguns momentos, chegou a colar o rosto ao de apoiadores para fazer fotos.

A quarentena do presidente deve durar até o começo desta semana para que se cumpra um prazo mínimo de sete dias após o último contato com a doença, segundo informou um integrante da equipe médica ao Estado, em caráter reservado.

O último encontro de Bolsonaro com o Secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, que foi infectado, foi na madrugada de quarta-feira, quando retornaram ao Brasil.

O gesto provocou reações no mundo da política. Deputados criticaram o presidente pela interação com o público. O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que se trata de 'um atentado à democracia com requintes de sadismo'. "O pensamento egoísta de quem não se considera no grupo de risco parece incapaz de ultrapassar o raciocínio mais básico de que ninguém é uma bolha".

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Parte advogados dos ouvidos pelo Estado afirma que, por não haver determinação expressa do Poder Público para quarentena, ele não cometeu delitos.

"Em hipótese alguma está configurado o artigo 268 do Código Penal [Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa]. Primeiro, porque não há determinação do Poder Público [de quarentena]. Há recomendação. Segundo, porque ele fez os testes", afirma o criminalista Dante D'Aquino.

Segundo o advogado especialista em Direito Constitucional Guilherme Amorim Campos da Silva, o presidente 'passa para a população brasileira a ideia de que todo esse esforço que está sendo feito a partir do próprio Ministério da Saúde não é um esforço que deva ser levado com tanta seriedade'.

"Mas em relação à compulsoriedade com que as pessoas devem ser comportar com relação a medidas de isolamento social, isto, a rigor, não viola nenhuma lei. Porque, por enquanto, há todo um esforço de conscientização da população, mas não há decretação de um ato formal em que esse isolamento deva ser cumprido de forma obrigatória. Nesse sentido, é mais uma desmoralização, do que um descumprimento legal", diz.

Outros especialistas em Direito Penal, no entanto, dizem à reportagem que, em razão do cargo que ocupa, Bolsonaro deveria proteger a população, e pode ter violado a lei, e até mesmo princípios da administração pública.

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A criminalista Carla Rahal lembra que o Código Penal, no art 267, trata do crime de epidemia mediante propagação de germes patogênicos'. "A pena é bem alta, até 15 anos de reclusão, e isso porque é um crime de perigo que coloca em risco toda a população".

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"Portanto, qualquer pessoa que se expor a contato com várias outras, principalmente se estiver em isolamento, pode praticar o crime . O fato do presidente Jair Bolsonaro ter quebrado o isolamento a que estava submetido, e ir a um ambiente de grande aglomeração, ainda que em tese, e principalmente como chefe de Estado, que tem o dever de proteger a população, se torna ainda mais grave", diz.

Segundo a advogada da área do Direito Penal Anna Júlia Menezes, a conduta de Bolsonaro não se enquadra em crimes previstos no Código Penal. "Porém, há os princípios da administração pública que o chefe do executivo tem que respeitar. Então, nada impede que haja uma medida administrativa nesse sentido", diz.

O advogado Franklin Gomes, especialista em direito penal, lembra que o artigo 3º da Portaria do Ministério da Saúde para o enfrentamento ao coronavírus prevê o isolamento por orientação médica do paciente.

"No momento em que ele participa desses eventos, interage com outras pessoas, e se há uma determinação de isolamento dele, e, portanto, se ele está ali dentro daquelas hipóteses da recente lei que foi aprovada com as medidas para o coronavírus, salvo melhor juízo, no artigo 3º da lei, em tese, ele não poderia de forma alguma ter essa interação", diz.

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O advogado ressalta que, para incorrer em crimes, a pessoa precisa, necessariamente, desrespeitar uma determinação do Poder Público.

O presidente, chegou a gravar vídeo desincentivando os atos, decidiu cumprimentar os manifestantes no Palácio do Planalto. "Uma das ideias é adiar, suspender, e daqui um mês, dois meses se faz", disse.

Fabrício de Oliveira Campos, especialista em Direito Penal, afirma que 'se o presidente violou uma recomendação genérica de isolamento, não comete crime algum'. "Entretanto, se ele recebeu indicação de isolamento por prescrição médica ou por orientação de agente de vigilância epidemiológica (medidas previstas no art. 3º da Portaria 356/20 do MS e art. 3º da Lei 13979/2020) ele pode sim ser enquadrado no art. 268".

"Isso porque em caso de indicação médica específica ou indicação de agente de vigilância, ele deverá assinar um termo esclarecendo a extensão, prazo e justificativa de medidas de isolamento. Para que a violação das medidas sanitárias seja considerada crime, a violação precisa recair sobre as determinações especificamente dirigidas aos pacientes com diagnóstico positivo para o coronavirus", avalia.

"Se ocorre, portanto, mera violação genérica de recomendações (deixar de lavar as mãos, incentivar aglomerações, duvidar do potencial do coronavirus etc), trata-se de ato que escapa ao âmbito de incidência do art. 268 do CP", explica.

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LEIA AS ANÁLISES NA ÍNTEGRA:

Anna Júlia Menezes - especialista em direito e processo penal do Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados.:

Considerando que se trata de isolamento, o código penal fala da introdução ou propagação de doença contagiosa quando há uma determinação pública. Algo formal. Considerando que o isolamento não tem essa fiscalização, é mais do íntimo, da civilidade, desse cuidado, creio que seria mais difícil capitular nesse tipo penal. Porém, há os princípios da administração pública que o chefe do executivo tem que respeitar. Então, nada impede que haja uma medida administrativa nesse sentido. Mas, na capitulação do CPm, que se adequa a essa conduta, creio que dificilmente se aplicaria.

Carla Rahal, criminalista e sócia do Viseu Advogados:

O mundo vive hoje uma situação de calamidade pública diante da pandemia do chamado COVID 19 O código penal, no art 267, trata do crime de epidemia mediante propagação de germes patogênicos. A pena é bem alta, até 15 anos de reclusão, e isso porque é um crime de perigo que coloca em risco toda a população. Portanto, qualquer pessoa que se expor a contato com várias outras, principalmente se estiver em isolamento, pode praticar o crime . O fato do presidente Jair Bolsonaro ter quebrado o isolamento a que estava submetido, e ir a um ambiente de grande aglomeração, ainda que em tese, e principalmente como chefe de Estado, que tem o dever de proteger a população, se torna ainda mais grave. O crime pode ficar no campo do dever do cuidado, que como deveria evitar e não o faz, pode caracterizar o crime de epidemia, ainda que na forma da tentativa. Não se pode esquecer que teve contato com três pessoas que contraíram o vírus.

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Guilherme Amorim Campos da Silva especialista em direito constitucional e sócio do Rubens Naves Santos Jr. Advogados: 

A rigor, o presidente da República ,ao quebrar o isolamento e comparecer a manifestação, na verdade, ele rompe com uma Portaria do próprio Ministério da Saúde que regulamenta a lei 13.979, que prevê medidas para enfrentar o surto de coronavírus.

Em princípio, ele não viola nenhuma postura da Presidência da República, ou da lei, que, de um modo geral, fala sobre prerrogativas para o exercício do cargo.

A questão é mais da imagem que a Presidência da República passa como a população deve enfrentar isso. A medida de quarentena na verdade deve ser enfrentada para diminuir a circulação comunitária do vírus.

A partir do momento em que a Organização Mundial de Saúde declarou que há uma pandemia do coronavírus e o próprio presidente da República testou duas vezes para o coronavírus, e, até, ao que tudo indica, ele não porta o coronavírus, mas está enfrentando medidas de isolamento, na verdade, ao se expor e ao ter contato, rompendo com as medidas de isolamento, na medida em que ele próprio desestimulou as manifestações, ele passa para a população brasileira de que todo esse esforço que está sendo feito a partir do próprio Ministério da Saúde não é um esforço que deva ser levado com tanta seriedade.

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Porque o foco não deve então ser o da contenção da circulação do vírus. Então, isso passa uma imagem de institucionalidade muito fraca. Mas, na verdade, o próprio presidente Bolsonaro vem tratando assim todos os assuntos institucionais do país. A maneira como ele trata a Presidência da República, a rigor, é assim. Recentemente, ele deu uma entrevista colocando em xeque a própria eleição para a Presidência da República.

De uma maneira geral, ele falta com uma certa postura republicana em relação ao cargo que ocupa. Mas, em relação à compulsoriedade com que as pessoas devem ser comportar com relação a medidas de isolamento social, isto, a rigor , não viola nenhuma lei.

Porque, por enquanto, há todo um esforço de conscientização da população, mas não há decretação de um ato formal em que esse isolamento deva ser cumprido de forma obrigatória. Nesse sentido, é mais uma desmoralização, do que um descumprimento legal.

Dante Daquino, especialista em Direito Penal:

É preciso olhar com clareza a situação, e não com emoção. O presidente Bolsonaro voltou do exterior e, ao contrário da grande maioria das pessoas, ele fez o exame. Ele tem acesso porque é a pessoa que ocupa a posição de maior relevo no país. Então, ele fez dois testes, que foram confirmados como negativos - inclusive um segundo teste que ele fez foi negativo.

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O Ministério da Saúde ele recomenda, importante dizer que não há uma determinação do poder público, há uma determinação do Ministério da Saúde que as pessoas que vem do exterior permaneçam em quarentena. Mas por que? Porque, de um modo geral, a coletividade não tem acesso aos exames que o presidente tem e fez, como é dever dele fazer.

Ele chegou, fez, os exames deram negativo, mais de um exame. Teve confirmação do resultado negativo, e ele foi cumprimentar as pessoas, não existe nada de ilegal nisso.

Em hipótese alguma está configurado o artigo 268 do Código Penal, primeiro porque não há determinação do Poder Público. Há recomendação. Segundo porque ele fez os testes. O Ministério recomenda quarentena, porque nesses períodos de encubação o vírus vai passar de uma fase assintomática para apresentação de alguns sintomas.

O presidente se antecipou e fez exame de coleta com resultado. Se ele estivesse contaminado, já mostraria. então, em hipótese alguma, ele pratica crime quando vai aos manifestantes. Não existe essa possibilidade. Isso é um delírio emocional de quem quer imputar a todo custo um ato criminoso ao presidente da república.

Em relação ao debate ético, também nesse campo da ética, tenho que ele não violou nenhum preceito ético. Qual é o problema de o presidente ir ter com seus manifestantes?

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Franklin Gomes, advogado especialista em direito penal:

A questão envolvendo o ato público do qual participou o presidente Jair Bolsonaro e que pelas informações que temos da imprensa teria cumprimentado diversas pessoas utilizado telefones de participantes desses eventos, eventos que aliás teriam sido desencorajados justamente em razão do risco de propagação ou de aumento de contágio do Covid 19, o ato praticado pelo presidente além de não ser um ato sob o ponto de vista ético, eu diria que, com relação ao ponto de vista eminentemente jurídico, ele é sim um ato que coloca em xeque a posição dele como líder da nação que deve orientar no sentido de diminuir os riscos da propagação.

E essa orientação exige não apenas um discurso para toda a nação, mas exige que ele, como líder máximo da nação adote medidas que de fato estejam alinhadas com esse discurso.

No momento em que ele participa desses eventos, interage com outras pessoas, e se há uma determinação, veja bem, se há uma determinação de isolamento dele, portanto, se ele está ali dentro daquelas hipóteses da recente lei que foi aprovada com as medidas para o coronavírus, as medidas de enfrentamento de emergência e de saúde pública, em razão do coronavírus, se ele está enquadrado naquelas hipóteses, salvo melhor juízo, no artigo 3 da lei, em tese, ele não poderia de forma alguma ter essa interação.

A gente tem no Código Penal Brasileiro algumas disposições específicas que são relacionadas com crimes contra a saúde pública. Lá, temos uma série de regras e condutas que poderão ser consideradas condutas criminosas envolvendo a saúde pública.

A gente tem lá epidemia, mas a gente tem lá a hipótese muito interessante que pode colocar em xeque essa conduta e no mínimo lançar um olhar sob o ponto de vista legal, do direito e não eminentemente da conduta ética ou política do presidente.

Se a gente analisar, o artigo 268 do Código Penal Brasileiro, ele é claro ao dizer que aquele que infringe determinação do Poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, em tese, estaria cometendo o crime de infração de medida sanitária preventiva.

Esse crime tem uma pena de até um ano, e, portanto, é um crime de menor potencial ofensivo, mas é uma previsão.

Agora, a grande questão é entender se nesse caso em especial haveria uma determinação do Poder Público, ou seja, uma determinação para que o presidente ficasse em isolamento.

Então, se houver uma determinação para que isso aconteça, em tese, podemos falar na possibilidade do cometimento do codigo 262 do CP que é o de infração de medida sanitária preventiva.

Se houver uma determinação e ele participou desses atos, aí a gente pode pensar nessa possibilidade do cometimento do crime do artigo 268 do CP. É claro que nesses crimes a pessoa tem que agir com dolo, tem que ter a intenção de propagar a doença, a gente tem outras possibilidades, como a pessoa que tem conhecimento da existência da doença, do contágio, e ainda assim adota medidas para colocar em risco outras pessoas mas para propagar a epidemia, o contágio.

Fabrício de Oliveira Campos, sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados:

Se o presidente violou uma recomendação genérica de isolamento, não comete crime algum. Entretanto, se ele recebeu indicação de isolamento por prescrição médica ou por orientação de agente de vigilância epidemiológica (medidas previstas no art. 3º da Portaria 356/20 do MS e art. 3º da Lei 13979/2020) ele pode sim ser enquadrado no art. 268. Isso porque em caso de indicação médica específica ou indicação de agente de vigilância, ele deverá assinar um termo esclarecendo a extensão, prazo e justificativa de medidas de isolamento. Para que a violação das medidas sanitárias seja considerada crime, a violação precisa recair sobre as determinações especificamente dirigidas aos pacientes com diagnóstico positivo para o coronavirus. Se ocorre, portanto, mera violação genérica de recomendações (deixar de lavar as mãos, incentivar aglomerações, duvidar do potencial do coronavirus etc), trata-se de ato que escapa ao âmbito de incidência do art. 268 do CP.

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