Em outubro, quando o diretor-geral da Polícia Federal trocava o comando da Superintendência Regional no Distrito Federal (SRDF), a unidade recebeu sete novos delegados. Apesar do reforço recente ao quadro, que chega hoje a 47 delegados federais, a falta de efetivo foi a justificativa apresentada pelo comando da corporação para tirar a delegada Dominique de Castro Oliveira do escritório da Interpol e mandá-la de volta à superintendência.
A PF diz que, apesar do recrutamento, a SRDF ainda está em 'déficit'. Em 2018, por exemplo, havia 51 delegados na unidade. O efetivo caiu para 48 em 2019 e somava 45 no ano passado. Nos últimos anos, a estimativa é que o volume de trabalho tenha dobrado, o que vem motivando a recomposição da equipe, segundo a corporação.
O remanejamento da delegada ganhou repercussão por sua atuação no caso do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que foi colocado na lista de difusão vermelha da Interpol - sistema de alerta para captura de foragidos internacionais.
Na prática, a delegada apenas recebeu o mandado de prisão expedido pelo Supremo Tribunal Federal, reviu a documentação relacionada, produziu a minuta e encaminhou o pedido a um analista para publicação. A atuação no caso foi, portanto, 'ordinatória' - ou seja, ela tomou conhecimento da ordem de prisão por trabalhar na unidade, mas não teve poder de decisão. O encaminhamento coube, efetivamente, ao chefe da Divisão de Cooperação Internacional, Rodrigo Carnevale.
A avaliação interna é que a mudança não teve relação com a atuação no pedido de prisão de Allan dos Santos. Uma fonte da cúpula da PF ouvida pelo Estadão afirma que a decisão já estava tomada e foi uma motivada por uma 'questão de alinhamento'. Colegas da delegada dizem que o remanejamento teria sido motivado por um comentário em tom de crítica que desagradou a atual gestão, o que abriu outra frente de questionamentos entre os pares, por suposta represália.
"Hoje tem um número de delegados na superintendência regional no Distrito Federal maior do que teve em outras épocas. A gente tem certeza que não é essa a motivação. A Dominique não está sendo movimentada porque há uma necessidade, ela está sendo movimentada porque houve um desentendimento", afirma um delegado ouvido reservadamente pela reportagem.
Fontes próximas de Dominique afirmam que a troca pode ter relação com o apoio que ela deu a uma manifestação pública em favor do delegado Felipe Alcântara de Barros Leal, afastado do inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Ele foi removido da apuração e passou a ser investigado pelo Ministério Público Federal depois de pedir diligências para saber se Bolsonaro agiu para blindar o ex-ministro Ricardo Salles. A versão perde força, no entanto, porque o substituto de Dominique no escritório da Interpol será o delegado Cleyber Malta Lopes, deve ser enviado de São Paulo e também subscreveu o abaixo-assinado.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Félix de Paiva, afirma que a entidade acompanha o caso e vai solicitar mais informações à PF. "Com as informações disponíveis até o momento, a associação não concorda que colegas sejam movimentados sem fundamentação clara e sem critérios", afirma ao blog.
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A superintendência no Distrito Federal foi a menos produtiva entre as 27 do País em 2019. Os dados foram elaborados pela Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado para subsidiar a investigação sobre suposta tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.
Em mensagem enviada aos colegas na quarta-feira, 1º, Dominique disse que o sentimento é de 'incredulidade'. "Há a forte sensação de revolta e de estar sendo injustiçada", escreveu (leia a íntegra no final da matéria). "Supostamente eu fiz algum comentário que contrariou. Qual foi, quando, para quem, em que contexto e ambiente, não sei. A chefia também disse que não sabe, cumpriu uma ordem que recebeu", diz outro trecho da mensagem.
Antes de assumir o cargo na Interpol, Dominique foi chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Lavagem de Dinheiro. Em setembro de 2019, deixou o posto para fazer mestrado na Itália, com especialização na legislação anti-máfia. Quando retornou ao Brasil, passou a integrar o projeto de cooperação internacional da Interpol contra a máfia 'Ndrangheta. Em maio, ajudou a prender o líder do grupo, Rocco Morabito, que estava foragido desde 2019.