A Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos do Exército deu parecer favorável às alterações feitas pelos quatro decretos publicados pelo Executivo para ampliar o acesso a armas e munições, mas fez uma ressalva. A análise da assessoria, obtida pelo Estadão por meio da Lei de Acesso à Informação, observou que a modificação do § 5º do art. 34 do Decreto nº 9.847/19 "poderá ter como consequência uma fragilização para a segurança pública e para a política de Estado inaugurada pelo Estatuto do Desarmamento". O trecho em questão prevê que caso o Exército demore mais de 60 dias úteis para analisar pedidos feitos por órgãos de segurança e corporações policiais para a importação de armas, munições e demais produtos de uso restrito, a autorização será tacitamente concedida. Mesmo após ressalva feita pela assessoria, este trecho foi mantido no decreto.
"Embora a previsão seja juridicamente viável, observa-se, apenas, que a previsão contida no §5º-B proposto poderá ter como consequência uma fragilização para a segurança pública e para a política de Estado que foi inaugurada com o Estatuto do Desarmamento, de controlar ou limitar a disseminação de armas de fogo no País", alerta a assessoria, que faz um exame técnico dos documentos e não entra nos aspectos políticos ou no mérito administrativo.
O Ministério da Defesa e o Comando do Exército informaram ao Estadão que consideram o estabelecimento do prazo de 60 dias "como razoável e necessário, uma vez que não seria apropriado ter uma solicitação aguardando indefinidamente" e que está de acordo com o "paradigma estabelecido pela Lei de Liberdade Econômica". O Exército afirma tomar a medida para atender o prazo estabelecido e que a Consultoria Jurídica "emitiu parecer jurídico atestando a regularidade jurídica integral do referido Decreto".
A equipe destaca que a previsão tácita diante de ausência de manifestação da Administração Pública, ou o "silêncio administrativo", não possui jurisprudência consolidada. Citando decisão do ministro Ricardo Lewandowski que vetou a autorização tácita na regulamentação de agrotóxicos, a assessoria sugere que este ponto do decreto "mereceria maiores estudos sobre sua conveniência, haja vista constituir um ponto facilitador para a disseminação de armas de fogo no País".
A assessoria avaliou. "Referida política (Estatuto do Desarmamento) ainda há de ser considerada a matriz ou centro de gravidade ao redor do qual a lei e suas normas regulamentares orbitam, independentemente das eventuais alterações ou concessões que possam ser veiculadas em seus textos."
A análise termina dizendo que diante das divergências jurisprudenciais, é preciso levar em consideração "os valores a serem protegidos pela lei". Nesse sentido, ressalta que o Estatuto do Desarmamento inaugurou uma política de Estado para combater os "altos índices de violência" ao controlar e diminuir a circulação de armas de fogo.
O Decreto Nº 10.630 também incluiu tribunais, o Ministério Público e a Receita Federal no rol de instituições, órgãos e corporações legitimados a solicitar a importação de bens de uso restrito. O parágrafo 5º se refere à aprovação tácita destes e demais órgãos de segurança e corporações policiais, e não se aplica a pessoas físicas.
A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Ministério da Defesa emitiu parecer no qual ressalta ser necessário "prazo adequado para ajustes na capacitação de pessoal, fluxo de processos e ferramentas de TI", mas não viu prejuízo para a atividade de fiscalização. A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa também emitiu parecer jurídico integralmente favorável aos decretos.
Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência informou que as medidas pretendem "desburocratizar procedimentos, aumentar a clareza das normas que regem a posse e porte de armas de fogo e a atividade dos colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), reduzir a discricionariedade de autoridades públicas na concessão de posse e porte de armas e ampliar as garantias de contraditório e ampla defesa dos administrados".
Os ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), que assinam o decreto junto com o presidente Jair Bolsonaro, disseram que os decretos "tiram entraves desnecessários" na aquisição de armas e munições. Também afirmaram que as medidas regulamentam a prática de tiro desportivo e recreativo, facilitando para o cidadão a capacitação para o manuseio de armas de fogo.
Decretos sofrem resistência
A oposição criticou duramente a edição dos decretos na véspera do carnaval. O PSB já entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar os quatro atos. O partido alega inconstitucionalidade porque considera que eles ferem os direitos fundamentais à vida e à segurança. O PSB diz ainda que, embora pretendam disciplinar o Estatuto do Desarmamento, os decretos ferem suas diretrizes. Outros partidos de oposição também entraram com ações no STF contra os decretos.
A flexibilização do acesso às armas foi uma bandeira de campanha do presidente Jair Bolsonaro. O Instituto Sou da Paz contabiliza mais de 30 atos normativos publicados sobre o assunto pela gestão Bolsonaro e lembra que dados preliminares de 2020 indicam aumento nos homicídios mesmo em ano de isolamento social. Para o instituto, essas medidas "contrariam todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática".
Documento
Bolsonaro e as armasConfira algumas das alterações introduzidas pelos decretos:
Decreto nº 9.845
- aumento, de quatro para seis, do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo;
Decreto nº 9.846
- possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica - exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) - por um "atestado de habitualidade" emitido por clubes ou entidades de tiro;
- permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército;
- elevação, de 1 mil para 2 mil, da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridos por desportistas por ano;
Decreto nº 9.847
- definição de parâmetros para a análise do pedido de concessão de porte de armas, cabendo à autoridade pública levar em consideração as circunstâncias do caso, sobretudo aquelas que demonstrem risco à vida ou integridade física do requerente;
Decreto nº 10.030
- dispensa da necessidade de registro junto ao Exército dos comerciantes de armas de pressão (como armas de chumbinho);
- autorização para colecionadores obterem armas automáticas com mais de 40 anos de fabricação e semiautomáticas.
COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DA DEFESA
"O Ministério da Defesa e o Comando do Exército esclarecem que consideram o estabelecimento do prazo de 60 dias, previsto no Decreto 10.630/2021 para a análise das solicitações recebidas, como razoável e necessário, uma vez que não seria apropriado ter uma solicitação aguardando indefinidamente, sem resposta ou decisão.
O referido dispositivo está também perfeitamente alinhado com o novo paradigma estabelecido pela Lei de Liberdade Econômica, no que se refere a estabelecimento de prazos e respostas aos pedidos recebidos (inciso IX do art. 3 da Lei 13.874/2019).
O Exército Brasileiro já está adotando todas as medidas para atender o prazo estabelecido.
O artigo 34, do Decreto 10.630/2021, por outro lado, trata de armamento essencial às atividades de instituições policiais e de segurança, contribuindo, portanto, para o fortalecimento da segurança pública. O referido artigo não se aplica à aquisição de arma de fogo por cidadão ou pessoa física.
O Ministério da Defesa informa que nenhum trecho do Decreto 10.630 foi considerado inadequado pela Consultoria Jurídica deste Ministério. Pelo contrário, a CONJUR-MD emitiu parecer jurídico atestando a regularidade jurídica integral do referido Decreto, no caso, o Parecer n. 00100/2021/CONJUR-MD/CGU/AGU.
Por fim, destacamos que este dispositivo visa alcançar a agilidade e eficiência nos serviços públicos."