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Vídeo com boletim de urna adulterado volta a circular para desacreditar urnas eletrônicas

Imagem que viralizou nas redes atribui a Fernando Haddad (PT) 9.909 votos em Nagóia, no Japão; na verdade, ele teve nove votos na cidade em 2018

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

A imagem de um boletim de urna manipulado digitalmente, divulgado após o primeiro turno das eleições de 2018, voltou a viralizar nas redes com o objetivo de desacreditar as urnas eletrônicas. Em um vídeo compartilhado no TikTok e no Facebook, uma mulher mostra o que seria um boletim de urna de uma sessão com 777 eleitores aptos a votar, mas que teria registrado 9.909 votos somente para o candidato do PT à Presidência da República naquele ano, Fernando Haddad. O boletim, contudo, é grosseiramente editado: é possível perceber que os dois primeiros números "9" que aparecem após o nome do petista são maiores do que os números finais.

 Foto: Estadão

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O material já havia sido verificado pelo Verifica em outubro de 2018, logo que o conteúdo começou a circular nas redes, em parceria com o Projeto Comprova. Em nota divulgada na época, o TSE informou que a foto havia sido editada digitalmente: "A imagem do suposto boletim de urna que circulou nas redes sociais é montagem. Trata-se de reprodução adulterada de boletim oficial, que apresenta os mesmos códigos de verificação mostrados na imagem e que foi publicado pela Justiça Eleitoral".

A imagem do suposto boletim que aparece no vídeo não é completa, nem mostra o código o município em que ele teria sido emitido. Na ocasião, o TSE informou que o boletim e urna era da cidade de Nagóia, no Japão - código 30198 - e que Haddad teve, na verdade, nove votos, e não 9.909.

Outro indício de que o boletim foi manipulado digitalmente é o fato de ele apresentar nomes de candidatos que não receberam nenhum voto - os boletins originais só mostram nomes de candidatos votados naquela urna. O boletim editado indica que Jair Bolsonaro não recebeu nenhum voto, quando, na verdade, a imagem original do boletim de urna mostra que ele recebeu 372 votos em Nagóia.

Outros números editados

O boletim de urna manipulado que aparece no vídeo diz que havia 777 eleitores aptos e que houve 452 votos nominais, 18 brancos e sete nulos, totalizando 477 votos apurados naquela urna. Estes números estão corretos. A autora do vídeo, contudo, usa os números que aparecem na parte de cima do boletim, ou seja, a distribuição de votos por candidatos, para dizer que a conta não fecha. No entanto, ela só questiona o que chama de "quantidade espetacular de votos" para Fernando Haddad.

Boletim de urna original emitido na cidade de Nagóia, no Japão Foto: Estadão

Os números referentes a outros candidatos também foram editados. O total de votos de Ciro Gomes (PDT) foi de 24 votos, e não quatro, como aparece no boletim manipulado. Fernando Haddad teve nove votos, e não 9.909. Jair Bolsonaro (PSL) teve na época 372 votos, e não zero. Geraldo Alckmin obteve 11 votos, e não zero, como diz o falso boletim. Os votos para os candidatos Henrique Meirelles (1), Vera (2), Marina Silva (4), Álvaro Dias (10), Eymael (2), João Amoedo (12), Cabo Daciolo (4) e João Goulart Filho (1) estão corretos. Os votos nominais somam exatamente 452, como aparece no boletim correto.

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Logs apagados?

No vídeo atual, a mulher que narra as imagens afirma que os logs das urnas foram apagados, mas que foi possível recuperar o boletim porque dados em mídia física podem ser recuperados. Isso também não é verdade. O presidente Jair Bolsonaro (PL) já acusou publicamente o TSE de ter apagados logs, ou seja, rastros de um hacker que invadiu o sistema do Tribunal no primeiro turno das eleições municipais de 2020 -- e não nas eleições de 2018.

O hacker não teve acesso ao sistema das urnas eletrônicas e não houve prejuízo à lisura do processo eleitoral. Ele foi preso em 28 de novembro de 2020, às vésperas do segundo turno. O TSE informou ao Estadão Verifica que não apagou rastros do hacker por meio do apagamento de logs.

Segundo o Tribunal, o armazenamento de logs da época da invasão hacker não mostrava dados anteriores a 5 de setembro de 2018 porque o sistema estava configurado para sobrescrever automaticamente os arquivos mais antigos quando não houvesse mais espaço de armazenamento. A falta desses dados impossibilitou saber qual endereço IP havia sido usado pelo hacker naquele instante, mas isso não afetou as investigações, porque o suspeito já havia acessado o sistema outras vezes.

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Ainda de acordo com o TSE, não houve alteração de código-fonte das urnas no ataque e o sistema de armazenamento de logs foi alterado a partir de 14 de novembro de 2018. Segundo o Tribunal, o sistema foi "reestruturado, ampliando-se áreas de log e construindo-se processo de movimentação de arquivos de log para ambiente de armazenamento de longa duração".


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

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Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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