Post distorce depoimento de Márcia Cavallari na PF para desacreditar pesquisa em que Bolsonaro perde para Lula

É falso que ex-executiva do Ibope ‘responda na Justiça' por vender levantamento 'favorecendo o filho de Renan Calheiros’, como alega boato em redes sociais

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Por Samuel Lima
Atualização:

Não é verdade que a ex-executiva do Ibope e atual diretora do instituto Ipec, Márcia Cavallari, esteja respondendo "na Justiça por vender pesquisa favorecendo o filho de Renan Calheiros, paga com dinheiro da JBS", como alega uma postagem que viralizou nas redes sociais. Esses conteúdos distorcem um depoimento prestado por ela à Polícia Federal, em 5 de novembro de 2019, no âmbito da Operação Alaska. Não há qualquer registro de que Márcia seja investigada nesse inquérito. O Ipec virou alvo de ataques nas redes depois de divulgar uma pesquisa de opinião na qual o presidente Jair Bolsonaro aparece em desvantagem diante do principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva.

 Foto: Estadão

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De acordo com o depoimento obtido pelo Estadão, o que houve foi uma negociação de prestação de serviços pelo Ibope para a campanha do candidato ao governo do Estado de Alagoas, em 2014 -- e não um acerto para mostrar Renan Filho (MDB) liderando as intenções de voto ou qualquer outra fraude, como insinuam alguns usuários de redes sociais. Não é incomum que partidos e grupos políticos encomendem a realização de pesquisas de opinião para definir estratégias nas eleições.

O contrato só foi investigado pela PF porque o empresário Ricardo Saud, em delação premiada, afirmou que a J&F teria repassado R$ 300 mil a Renan Calheiros (MDB) por meio de uma nota fraudulenta do Ibope. O instituto de pesquisas rebateu a versão, dizendo que todos os serviços contratados foram devidamente entregues e que nunca recebeu propina de empresas ou políticos.

O depoimento de Márcia Cavallari Nunes foi prestado no dia 5 de novembro de 2019, na sede da superintendência da PF em São Paulo. De acordo com ela, o trabalho do Ibope foi orçado em R$ 600 mil e o custo foi pago pela J&F e pela campanha de Renan Filho (50% cada). Uma nota fiscal do grupo de Joesley Batista aponta que o pagamento da parcela referente à empresa foi realizado em 21 de julho de 2014.

Ainda segundo o depoimento de Márcia, o pacote do Ibope incluiu análises qualitativas, com acompanhamento diário da propaganda de TV e uma espécie de debate entre entrevistados em sala fechada para verificar "pontos fortes, pontos fracos, avaliação do material de campanha, propaganda eleitoral etc"; e uma análise quantitativa, por meio da aplicação de questionário em uma amostragem da população contendo a pergunta "em quem você votaria?". 

Esse segundo modelo é, de fato, o que costuma aparecer na imprensa durante o período das eleições para informar a população a respeito da situação atual do páreo. Porém, neste caso, as pesquisas geralmente são encomendadas pelos próprios veículos de comunicação, que têm interesse em divulgá-las em primeira mão. No caso das eleições para o governo de Alagoas em 2014, foram quatro os cenários apurados pelo Ibope, que tiveram ampla divulgação na mídia.

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A primeira pesquisa, divulgada em 2 de abril de 2014, foi feita pelo Ibope a pedido do MDB, partido de Renan Filho, quando ainda não estavam definidos os candidatos do pleito. Já nas três vezes que o instituto mediu a situação eleitoral durante a campanha -- 14 de agosto, 11 de setembro e 3 de outubro -- o levantamento foi encomendado pela TV Gazeta, afiliada da TV Globo em Alagoas.

Independentemente da forma de contratação, pelo MDB ou pela TV Gazeta, não existem indícios de que o Ibope tenha forjado resultados das pesquisas eleitorais. Vale lembrar ainda que os levantamentos precisam ser registrados previamente na Justiça Eleitoral e devem seguir rigorosamente a metodologia. Uma constatação de irregularidade pode resultar na suspensão da divulgação da pesquisa. Renan Filho foi eleito para o seu primeiro mandato como governador de Alagoas, conforme indicaram as pesquisas, com 52,16% dos votos válidos.

Também não há registros de que a ex-executiva do Ibope "responda na Justiça" pelo caso envolvendo a J&F e o senador Renan Calheiros. Ela apenas prestou um depoimento para a Polícia Federal. Apesar de o inquérito da Operação Alaska, de nº. 4.707, correr sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), documento obtido no ano passado pelo Estadão mostra que o nome dela realmente não constava na lista de investigados.

Boato circula após pesquisa mostrar Lula na liderança

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A postagem analisada nesta checagem viralizou nas redes ao tentar colocar em descrédito o Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), que é formado por ex-executivos do Ibope Inteligência e que usa a mesma metodologia do antigo instituto. Márcia Cavallari Nunes é, atualmente, CEO do Ipec.

O fato ocorre depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu como favorito para a próxima disputa pelo Palácio do Planalto em uma pesquisa do Ipec. Segundo o levantamento, o petista tem 49% das intenções de voto, mais do que o dobro da taxa do atual presidente, Jair Bolsonaro, que marcou 23%. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Procurado pelo Estadão Verifica, o Ipec encaminhou uma nota afirmando que "repudia veementemente as fake news e qualquer discurso de ódio ou que vise confundir a opinião pública ou gerar intimidação".

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O documento destaca que "não há qualquer denúncia contra o Ibope Inteligência, seus ex-executivos ou contra Márcia, que não responde e nunca respondeu a qualquer processo, apesar das fake news se utilizarem da sua contribuição no processo de investigação para tentar denegrir sua imagem".  Veja a íntegra do posicionamento no arquivo abaixo.

Documento

Nota IpecPDF


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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