Post cita compra de vacina de Oxford pela China para induzir a conclusão enganosa sobre Sinovac

Boato também afirma que biofarmacêutica produziu testes em laboratórios de militares chineses; empresa desmente

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Por Gabi Coelho
Atualização:

Uma publicação enganosa com mais de 150 mil compartilhamentos no Facebook questiona a eficácia de uma das candidatas a vacina contra covid-19, desenvolvida na China e testada no Brasil. A postagem cita o fato de o país asiático ter feito um acordo com a farmacêutica AstraZeneca para fornecimento de vacinas como indicativo de que o imunizante chinês não funciona. Porém, não é possível tirar essa conclusão: nenhuma das vacinas atualmente em teste teve sua eficácia comprovada -- de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), há 167 imunizantes em desenvolvimento no mundo, e 29 passam por avaliação clínica (testes em humanos). Veja o monitor de vacinas do Estadão.

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Atualmente, a biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech desenvolve a terceira fase de ensaios clínicos de uma vacina contra a covid-19 em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo. O imunizante produzido pela AstraZeneca (sueca/britânica) em parceria com a Universidade de Oxford também é testado no Brasil, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Além disso, as pesquisas de BioNTech/Pfizer (alemã/americana) e Janssen Pharmaceuticals (belga/americana) têm avaliação clínica no País.

No caso de imunizantes em teste para a covid, pesquisadores estimam que eles possam estar licenciados menos de seis meses após o início da fase 3. Foto: Wilton Junior/Estadão

O acordo entre o governo chinês e a AstraZeneca prevê fornecimento de vacinas para a população do país asiático por meio da empresa Shenzen Kangtai Produtos Biológicos. O anúncio, feito no dia 6 de agosto, informou que o objetivo é atender a demanda do mercado chinês, e com isso, garantir até o fim deste ano a produção de pelo menos 100 milhões de doses do imunizante experimental AZD1222, desenvolvido com pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Cerca de 200 milhões de doses até o fim de 2021 também fazem parte do acordo com a companhia asiática. 

Isso não quer dizer que a China não usará imunizantes produzidos nacionalmente. De acordo com a TV estatal chinesa, desde julho o país administra vacinas experimentais em grupos de risco, como profissionais da saúde e funcionários de mercados e do serviço de transporte. A CCTV afirma que essas vacinas são produzidas por companhias chinesas. A mídia estatal afirma que há ao menos oito imunizantes em desenvolvimento na China. Além disso, em junho o Estadão Verifica comprovou que foram realizados ensaios clínicos na China do imunizante produzido pela Sinovac antes do último estágio da fase de testes que antecede a distribuição, realizada atualmente no Brasil.

Outros países têm corrido para estocar possíveis vacinas contra o novo coronavírus. Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Japão, juntos, já reservaram cerca de 1,3 bilhão de doses de diferentes imunizantes em fase de testes. O Brasil conseguiu prioridade no recebimento de doses da vacina da AstraZeneca pelo alto número de casos confirmados e de mortes por covid-19.

De acordo com o levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa com base nos dados das secretarias estaduais de Saúde, o País soma 114.913 mortes pelo novo coronavírus e mais de 3,6 milhões de casos confirmados nesta segunda-feira, 24. Esse cenário faz com que o Brasil seja um laboratório ideal para vacinas, de acordo com reportagem do The New York Times.

Vacina não é produzida por militares chineses

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O post viral também afirma que as vacinas da Sinovac Biotech foram produzidas em laboratórios de militares chineses. Em nota, a biofarmacêutica negou a informação e assegurou a qualidade do material testado para a prevenção da covid-19: "O ensaio [clínico] de fase III da nossa vacina está sendo realizado no Brasil. Nossa vacina não tem nada a ver com militares".

A Sinovac também afirmou que promove discussões com diferentes países para produção da vacina, mas que estas estão sob acordo de confidencialidade. 

As vacinas precisam passar por muitos estágios de desenvolvimento antes de serem liberadas para uso na população: desde a criação, passando por testes em animais e humanos, até a aprovação por órgãos reguladores e a fabricação.

Abaixo, entenda as fases de desenvolvimento de uma vacina:

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  • Fase exploratória ou laboratorial: Fase inicial ainda restrita aos laboratórios. Momento em que são avaliadas dezenas e até centenas de moléculas para se definir a melhor composição da vacina.
  • Fase pré-clínica ou não clínica: Após a definição dos melhores componentes para a vacina, são realizados testes em animais para comprovação dos dados obtidos em experimentações in vitro.
  • Fase clínica: É a testagem do produto em seres humanos. Esta fase do processo se divide em três:
  • Fase 1 - a primeira etapa tem por objetivo principal testar a segurança do produto. São testados poucos voluntários, de 20 a 80, geralmente adultos saudáveis.
  • Fase 2 - a segunda etapa da testagem em seres humanos analisa mais detalhadamente a segurança do novo produto e também sua eficácia. Em geral, é usado um grupo um pouco maior, que pode chegar a centenas de pessoas.
  • Fase 3 - na última etapa o objetivo é testar a segurança e eficácia do produto especificamente no público-alvo a que se destina. Nesta etapa, o número de participantes pode chegar a milhares. Mesmo depois da aprovação, nova vacina continua sendo monitorada, em busca de eventuais reações adversas.

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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