Quais ingredientes fazem um boato viralizar? Segundo a pesquisadora britânica Claire Wardle, diretora da organização First Draft, conspiração, medo, ódio, religião e apenas uma pitada de verdade são os elementos de uma receita que já foi testada em outros países e se repetiu neste ano nas eleições do Brasil.
Wardle esteve em São Paulo nesta sexta-feira, 23, para celebrar o término dos trabalhos do Comprova, coalizão formada por 23 veículos de mídia e o Estado para combater a desinformação em período eleitoral. Ao comparar a experiência de trabalhar nas eleições de outros países com a atividade no projeto brasileiro, a pesquisadora identificou vários pontos de semelhança na temática dos boatos que enganam eleitores.
Segundo ela, a desinformação online usa tópicos que se aproveitam das profundas mudanças sociais que ocorreram ao longo dos últimos anos. A crise financeira global, as tendências de imigração mundiais, o medo do impacto da automação sobre os empregos e o impacto da corrupção sobre a confiança dos eleitores contribuíram para uma sociedade mais dividida do que nunca.
Esse cenário resulta em um sentimento de incerteza entre as pessoas, que as torna mais vulneráveis a mensagens de alto conteúdo emocional -- como as histórias enganosas ou falsas que circulam online.
"Estamos com medo, e isso nos torna mais 'tribais'. As pessoas estão se conectando com quem tem as mesmas crenças. Vemos comunidades cada vez mais isoladas que se enxergam sob a lente do 'nós contra eles'. Temos que reconhecer o poder da desinformação de colocar uns contra os outros", disse Wardle.
Apesar de se parecerem, na forma e no conteúdo, com os boatos que circularam em países como Estados Unidos e Índia, as mentiras brasileiras se beneficiaram do grande alcance do WhatsApp. O modelo de comunicação no aplicativo, que tem conversas privadas, se tornou um desafio para checadores que precisavam monitorar a desinformação que estava na plataforma.
Balanço. O debate com Wardle também serviu para analisar o impacto do projeto Comprova e de outras iniciativas de fact-checking no contexto eleitoral. Para o editor do Comprova, Sérgio Lüdtke, o principal mérito do esforço dos checadores foi de chamar atenção para o fenômeno da desinformação. "É um problema que não é só do jornalismo, mas da sociedade. A eleição acabou, mas a desinformação continua e precisamos aprender a lidar com isso", disse.
O presidente da Abraji e editor do Estadão Dados, Daniel Bramatti, disse que há intenção de continuar o trabalho do Comprova no ano que vem. "Quando a eleição acabou, houve um 'lamento coletivo' das pessoas que se envolveram diretamente no projeto. Estamos tentando viabilizar uma continuação com um escopo diferente", informou.