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É falso que 'hacker invasor do TSE' more em apartamento alugado por José Dirceu

Boato inventa denúncia a partir do caso de um homem preso em 2019 por lucrar com o contrabando de drogas e armas na internet; ele morava em uma casa que havia sido ocupada três anos antes pelo político

Foto do author Samuel Lima
Por Samuel Lima
Atualização:

É falso que um "hacker invasor dos sistemas do TSE" more em apartamento alugado pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula (PT) José Dirceu. Não há qualquer registro de que isso seja verdade. Na realidade, um hacker preso por envolvimento com esquema de contrabando de armas e de drogas pela internet morou na mesma casa que o petista em Brasília. Mas tudo não passa de uma coincidência: Dirceu deixou o apartamento em 2015, e o israelense Tal Prihar passou a ocupar o imóvel em 2018.

 Foto: Estadão

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O post, que acumulou mais de 53 mil compartilhamentos no Facebook, não apresenta nenhuma fonte e sequer identifica quem seria o tal hacker. Até o momento, existem notícias sobre a prisão de dois homens suspeitos de invadirem o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2020 -- e que, portanto, se encaixam na descrição. Um deles morava em Portugal, e o outro, na cidade mineira de Uberlândia. José Dirceu mora em Brasília, no Distrito Federal, desde que deixou a prisão, em novembro de 2019. 

Esses hackers foram acusados de participação no mesmo caso, que foi revelado durante as eleições municipais de 2020. Apesar da coincidência de datas, os arquivos divulgados pelo grupo que reivindicou a invasão continham apenas dados administrativos disponíveis no site da Corte, sem qualquer relação com o processo eleitoral ou com as urnas eletrônicas, como mostrou uma verificação do projeto Comprova.

O primeiro a ser detido foi o hacker Zambrius, em Portugal, no dia 28 de novembro do ano passado. Ele já era acompanhado pelas autoridades portuguesas por conta de outros crimes cibernéticos. As investigações sugerem que ele comandou um grupo que contava com o apoio de três brasileiros. Na mesma data, foram efetuadas buscas e apreensões nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

Quatro meses depois, outro dos investigados foi preso preventivamente, mas por um crime diferente. Vandathegod, como é conhecido Marcos Roberto Correia da Silva, é acusado de ter obtido dados pessoais de 220 milhões de brasileiros, possivelmente originados da empresa de análise de crédito Serasa, o que a entidade nega. Ele morava em Uberlândia, em Minas Gerais, e recentemente protagonizou outra peça de desinformação com o deputado relator do "voto impresso".

Recentemente, outro caso de invasão aos sistemas do TSE, em 2018, ficou conhecido após a divulgação de um inquérito sigiloso da PF pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes -- o que acabou lhe rendendo uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa apuração ainda não havia sido concluída até abril deste ano e a autoria ainda é desconhecida, conforme os documentos. O TSE esclarece que o ataque não comprometeu a segurança das urnas eletrônicas, nem prejudicou as eleições daquele ano.

Pelos fatos noticiados na imprensa até o momento, José Dirceu não está envolvido em nenhum desses casos, direta ou indiretamente, nem com qualquer outro suposto incidente de cibersegurança. Ele foi condenado pelo STF por corrupção ativa no julgamento do "mensalão" e pelo TRF-4 em dois processos da Lava Jato, que o acusam de receber propina em troca da facilitação de acordos entre as empresas Engevix e Apolo Tubulars com a Petrobras.

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Boato inventa história a partir de uma notícia antiga

A origem do boato de que José Dirceu alugava uma casa para um hacker que invadiu o TSE possivelmente é a  distorção de uma notícia publicada pelo site Metrópoles, em 9 de maio de 2019. 

Na época, a reportagem constatou que o hacker israelense Tal Prihar -- preso pela PF e pelo FBI por manter um site que orientava compras de drogas, armas e outros produtos contrabandeados na deep web (camada da internet que não pode ser acessada por buscadores como o Google) -- morava em uma casa que havia sido alugada antes por José Dirceu no Lago Sul, em Brasília.

A história, no entanto, não passa de uma coincidência: a própria notícia do Metrópoles aponta que o petista era o "antigo morador" do local. Dirceu deixou a casa em 2015, quando foi preso em razão da primeira condenação na Lava Jato. Tal Prihar passou a ocupar o imóvel cerca de três anos depois, em 2018, segundo a mesma reportagem.

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O boato ainda distorce as acusações que pesam sobre o hacker israelense, ao sugerir que ele seria um "invasor dos sistemas do TSE". Como citado anteriormente, ele é acusado de lucrar com transações ilegais envolvendo drogas e produtos oriundos de contrabando e fraudes, e não de atacar a Justiça Eleitoral brasileira. Ele se declarou culpado, em março deste ano, para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Procurada pelo Estadão, a defesa de José Dirceu afirmou que o político alugou o imóvel de Brasília por cerca de um ano, entre 2014 e 2015, e refutou qualquer envolvimento dele com hackers. "A informação é falsa, isso não existe", escreveu o advogado criminalista Roberto Podval.

O Estadão Verifica confirmou, ao comparar fotos, que Dirceu foi preso na mesma casa que foi alvo de buscas da PF no caso Prihar. Porém, outra notícia do jornal Correio Braziliense mostra que, ainda em 2017, o ex-ministro do governo Lula passou a morar com a família em um apartamento na região sudoeste de Brasília.

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A reportagem identificou o endereço da antiga casa no Lago Sul e tentou o contato por telefone com moradores e empreendimentos próximos. O proprietário não foi localizado.

Desinformação em outros formatos

Outras conteúdos sobre José Dirceu, hackers e TSE viralizaram nas redes nos últimos dias e foram desmentidos por agências de checagem como Lupa, Aos Fatos e Fato ou Fake. Um deles alegava que o suposto hacker abrigado por Dirceu não teria invadido o TSE, e sim os celulares de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, o que também não é verdade. Da mesma forma, é falso que o político seja sócio da empresa Probank, enganosamente associada por um boato ao serviço de manutenção das urnas eletrônicas. Portanto, desconfie ao receber algum conteúdo do tipo.


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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