É falso que a jornalista Miriam Leitão tenha recebido R$ 27 mil mensais de reparação econômica destinada a anistiados políticos da ditadura militar brasileira. O boato foi divulgado em uma postagem no Facebook que diz que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, teria cancelado os pagamentos à jornalista. Essa publicação foi compartilhada 1,5 mil vezes na rede social.
"Fim do bolsa ditadura! Ministra Damares anunciou a rejeição de 265 pedidos de indenização de pessoas que alegavam ter sido perseguidas pela ditadura militar no Brasil", diz o post, em referência à reparação econômica prevista em lei a perseguidos políticos. "Miriam Leitão teve seu benefício cortado de R$ 27 mil por mês".
O site da Comissão da Anistia disponibiliza uma ferramenta onde é possível acompanhar a situação dos solicitantes do benefício. Não há qualquer registro de pagamentos a Miriam Leitão. O nome da jornalista tampouco consta da lista de requerimentos deferidos pelo órgão até julho de 2020.
O Estadão Verifica já checou boato que afirmava que Miriam Leitão teria roubado a sede do banco Banespa da Rua Iguatemi, em São Paulo, em 1968. Não é verdade, uma vez que ela tinha 15 anos à época e vivia no interior de Minas Gerais. Ela seria presa pelo regime militar em 1972, quando tinha 19 anos, por ser militante do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. Em um depoimento de 2014, ela relatou que foi presa quando estava a caminho da praia. A jornalista contou que estava grávida e foi espancada, ameaçada de estupro e deixada sozinha, nua, em uma sala com uma jiboia.
Damares Alves e a Comissão de Anistia
A ministra Damares Alves publicou no Diário Oficial da União (DOU) de 22 de março de 2019 o indeferimento de 265 pedidos de reconhecimento de anistiados políticos. Todos eles seguiram pareceres da Comissão de Anistia elaborados ainda em 2018, isto é, no governo de Michel Temer. O nome de Miriam Leitão não consta na lista. Segundo nota publicada no site do ministério, "entre os pretendentes a anistiados estavam ex-cabos da Força Aérea Brasileira (FAB), grevistas da Petrobrás e dos Correios e outros casos individuais".
Em março daquele ano, Damares anunciou "a revisão de normas do regimento interno e o início de uma auditoria dos atos proferidos pela Comissão" nos anos anteriores. Em junho deste ano, o ministério anulou as anistias políticas de 295 ex-cabos da Aeronáutica. A justificativa foi de que "não havia comprovação da existência de perseguição exclusivamente política no ato de desligamento das Forças Armadas", após autorização do Supremo Tribunal Federal (STF).
A ministra também deu posse a novos integrantes do Conselho, alguns deles militares de carreira. As nomeações foram contestadas pela Procuradoria Federal, porque alguns dos nomeados tinham histórico de "atuação judicial contrária à concessão de reparação". No primeiro ano de sua gestão, o órgão concedeu apenas 15% dos pedidos de anistia.
Legislação
A Comissão de Anistia, atualmente sob a alçada do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, analisa os requerimentos de anistia a pessoas que alegam ter sofrido perseguição política do governo. Ela é regulada pela Lei nº 10.559/2002, que define que terá direito à anistia aqueles que "foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares" entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.
Este benefício pode ser solicitado, por exemplo, por servidores públicos que tenham perdido o emprego em função de perseguição do governo. A anistia foi regulamentada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 5 de outubro de 1988.
Este conteúdo também foi checado por Fato ou Fake.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.