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Postagem engana ao afirmar que variante Delta é mais perigosa para quem já foi vacinado

Publicação no Instagram faz interpretações equivocadas de dados de um relatório da agência governamental de saúde inglesa; órgão destaca que vacinas são eficazes, inclusive contra a nova cepa

Por Victor Pinheiro
Atualização:

Postagens no Instagram confundem ao afirmar que vacinados teriam cinco vezes mais chances de morrer de covid por uma infecção da variante Delta, em comparação com não imunizados. De acordo com a Agência Pública de Saúde da Inglaterra (PHE) e especialistas consultados pelo Estadão, o conteúdo apresenta interpretações equivocadas de um relatório publicado por autoridades inglesas sobre casos provocados pela cepa do novo coronavírus no país.

Os dados não permitem tirar conclusões sobre a efetividade dos imunizantes contra a Delta e estatísticas do governo britânico indicam que as vacinas aplicadas na população têm eficácia de 79% e 96% para prevenir, respectivamente, casos sintomáticos e hospitalizações pela nova variante. Em mensagem por e-mail, o PHE reafirmou a eficácia das vacinas no combate à covid-19 e disse que a postagem comete um erro ao comparar dados "sem levar em conta uma variedade de fatores que influenciam o risco de morte por covid".

 

O documento do órgão de saúde pública da Inglaterra mostra que, entre fevereiro e agosto de 2021, foram identificadas 300 mil ocorrências de covid-19 provocadas pela variante delta. Deste total, 151 mil pacientes não tinham recebido nenhuma dose dos imunizantes aprovados contra a doença, enquanto 47 mil já apresentavam um esquema vacinal completo. O relatório também informa o número de mortes e infecções nas faixa-etárias acima e abaixo de 50 anos.  Veja os dados na tabela abaixo:

A partir das informações do relatório, a postagem concluiu que "sem levar em conta a idade" o grupo de vacinados apresentou um índice cinco vezes maior que o do grupo de não vacinados. O autor afirma também que a letalidade entre o grupo abaixo de 50 anos vacinado é maior se comparada ao índice dos indivíduos da mesma faixa etária que não receberam imunizantes. O texto enganoso diz que "tendo em vista os eventos adversos da vacina e o fato de que os vacinados ainda transmitem o vírus, não se pode deixar de questionar que pessoas com menos de 50 anos não necessitam de vacinas". 

Embora os dados estejam matematicamente corretos, o discurso faz interpretações perigosas e equivocadas sobre as informações do relatório. O documento do PHE em momento algum faz conclusões parecidas com as expostas no conteúdo enganoso. De acordo com a agência, o documento não fornece uma taxa de mortalidade bruta para cada faixa etária porque não é possível fazer uma comparação justa das taxas de mortalidade em pessoas que tenham sido vacinadas e não vacinadas.

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"Por exemplo, pessoas que têm condições crônicas de saúde, o que aumenta o risco de morte por covid-19, foram vacinados mais cedo do que outras na mesma faixa etária", destaca a agência. "Além disso, esta tabela mostra apenas dados para pessoas com amostras disponíveis para sequenciamento (genético); isso pode superestimar as taxas de mortalidade, uma vez que as pessoas com infecções leves ou assintomáticas têm menos probabilidade de ter amostras colhidas como parte de um teste da Covid. Por este motivo, os cálculos e comparações feitos (na postagem) são enganosos".

O conteúdo analisado pelo Estadão Verifica foi publicado primeiramente no perfil de um dentista no Instagram. A postagem original e outra, que reproduz o conteúdo, alcançaram mais de 1,7 mil e 4,4 mil reações na plataforma, respectivamente. Na legenda, o autor diz não querer criar polêmicas e diz estar apenas relatando dados. A reportagem tentou contato com o dentista, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Especialistas reforçam que análise da postagem não é apropriada

Em entrevista ao Estadão, a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), Isabella Ballalai, defende que a tabela não é adequada para realizar qualquer conclusão sobre a eficácia das vacinas ou analisar o risco de infecções entre vacinados e não vacinados. Ela destaca que esse não é o propósito do relatório britânico e, diferentemente de estudos desenhados para estimar a eficácia vacinal, faltam aspectos metodológicos para produzir dados confiáveis.

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Ballalai concorda com os apontamentos do PHE sobre as falhas na análise. Ela cita, por exemplo, que não há detalhes sobre as características de pacientes e fatores de risco. A especialista destaca que a proteção em pessoas que têm o sistema imunológico enfraquecido (imunodeprimidos), por exemplo, pode ser mais frágil. "Não dá pra comparar, seja para maiores ou menores de 50 anos, o documento não serve pra dizer que a vacina foi mais ou menos eficaz" diz a médica pediatra.

O professor de epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jair Ferreira também reforça que a comparação entre os números totais de mortes entre vacinados e não vacinados realizada na postagem é inadequada porque ignora fatores de risco, como a idade dos pacientes. O cálculo ainda desconsidera a distribuição dos indivíduos mais velhos entre os dois grupos. 

Pacientes com mais de 50 anos representam 45% dos casos de variante Delta em vacinados no relatório. Por outro lado, o mesmo grupo etário corresponde a apenas 2,3% daqueles que não receberam a proteção. Segundo Ferreira, para se obter qualquer estimativa seria necessários fazer ajustes matemáticos mais sofisticados. "Usar somente os dados brutos pode ser extremamente enganoso", argumenta o professor

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Uma verificação da Reuters publicada no início de julho desmontou um boato semelhante, que também distorcia dados de relatórios da PHE para afirmar enganosamente que a variante delta seria mais perigosa aos vacinados.

Vacinas de covid são eficazes contra a variante Delta

Isabella Ballalai reforça que nenhuma vacina elimina por completo as chances de pacientes adoecerem ou evoluírem a óbito, mas dados de eficácia vacinal calculados por autoridades de países como a própria Inglaterra e os Estados Unidos indicam que os imunizantes aprovados são eficazes contra a variante delta. 

Em resposta ao Estadão, o governo britânico encaminhou um outro relatório, que estima a eficácia da vacinação contra a variante Delta. A análise leva em conta dados agregados dos imunizantes da Pfizer e da Astrazeneca no país. Além dos dois imunizantes, o Reino Unido aplica vacinas da Moderna e da Janssen. Os dados indicam uma eficácia de 79% e 96% para prevenir casos sintomáticos e hospitalizações, respectivamente. 

Relatório PHE

Já dados de um estudo da Universidade de Oxford, que ainda será revisado por pares, também sugere que vacinas contra covid são eficazes contra a cepa dominante na Inglaterra, mas o nível da proteção tende a cair com o tempo. O Centro de Controle de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (CDC) também defende que a imunização é uma estratégia fundamental para proteção contra a variante. 

"As vacinas continuam a reduzir o risco de uma pessoa contrair o vírus que causa a covid-19, incluindo esta variante [Delta]. As vacinas de covid-19 autorizadas nos Estados Unidos são altamente eficazes na prevenção de doenças graves e morte, inclusive contra a variante Delta", afirma o órgão americano. 

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Outros aspectos destacados pelo CDC são que a variante Delta é até duas vezes mais contagiosa do que outras cepas e pessoas com esquema vacinal completo que tenham sido infectadas podem espalhar o vírus para outros indivíduos. Ainda assim, "o maior risco de transmissão está entre as pessoas não vacinadas que têm muito mais probabilidade de contrair e, portanto, transmitir o vírus.", diz a agência. 


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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