Confira o que é boato e o que é verdade sobre vacinação

Consultamos especialistas para responder às principais notícias falsas sobre vacinas que circulam nas redes sociais

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Por Pedro Prata
Atualização:

As vacinas salvam entre 2 e 3 milhões de pessoas todos os anos, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, doenças como poliomielite, sarampo, rubéola, tétano e coqueluche deixaram de ser enfermidades comuns por causa da imunização. Mesmo assim, informações falsas sobre vacinação têm se espalhado nas redes sociais. O Estadão Verifica consultou especialistas para obter informações confiáveis sobre as principais notícias falsas envolvendo vacinas.

Grupos e movimentos antivacina ganharam força este ano, em um momento em que o mundo trabalha para encontrar um imunizante contra a covid-19. Dados de um levantamento feito pela Universidade de São Paulo (USP) mostram que o número de postagens com conteúdos falsos ou distorcidos envolvendo vacinas cresceram 383% em dois meses.

 Confira os boatos e as verdades sobre vacinação:

Akira Homma: 'As vacinas são amplamente reconhecidas pela sociedade como intervenções de enorme importância e determinantes da melhoria de qualidade da vida'. Foto: Siphiwe Sibeko/AP

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Vacina não é segura?

Toda vacina pode ter reações adversas, como dor no local da injeção e febre, por exemplo. No entanto, são consequências leves e passam em poucos dias. Já reações graves acontecem, mas são muito raras. Os imunizantes passaram por inúmeras etapas de testes e desenvolvimento que podem levar até 20 anos, afirma Akira Homma, assessor científico sênior de Bio-Manguinhos/Fiocruz: "As vacinas previnem as doenças e proporcionam melhor qualidade de vida às populações."

O desenvolvimento de uma vacina começa com os testes em laboratório, os chamados testes in vitro. Nessa etapa, dezenas ou centenas de moléculas são testadas em placas de cultura de células até se encontrar uma composição que tenha potencial de imunizar.

Encontrada a fórmula, passa-se para os testes pré-clínicos em animais. Esta fase é importante para se comprovar os dados obtidos na fase in vitro e também testar sua segurança. Isso porque o metabolismo de um ser vivo pode reagir de inúmeras formas com a fórmula e o resultado obtido pode ser diferente do observado em células.

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Somente após as duas etapas é que se parte para os testes clínicos, divididos em três fases. Na primeira, o grupo de voluntários é muito reduzido. Após se confirmar a segurança do imunizante, outros dois grupos, sempre maiores que os anteriores, são submetidos ao experimento.

"Os estudos pré-clínicos em animais de laboratório fornecem dados de imunogenicidade (capacidade de provocar resposta imune) e segurança da vacina. Já os estudos clínicos de fase 1, 2 e 3 têm objetivo de mostrar a sua eficácia e segurança", resume Homma.

No Brasil, a responsável pela aprovação de vacinas é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em sua resolução nº 55, de 16 de dezembro de 2010, o órgão estabelece os padrões de qualidade, segurança e eficácia para o registro de vacinas. O controle é feito sobre o imunizante, a tecnologia desenvolvida e até as matérias-primas utilizadas.

Resolução

Publicações nas redes sociais adotam tom alarmista e espalham notícias falsas sobre a segurança das vacinas. Foto: Eric Gaillard/Reuters/File Photo

Vacina faz mal?

As vacinas visam o bem-estar e a qualidade de vida. A OMS classifica a vacinação como um jeito "simples, seguro e eficiente de proteger as pessoas contra doenças perigosas antes mesmo de entrar em contato com elas".

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Mesmo após o registro de uma vacina e o início de sua utilização, ela permanece sob acompanhamento. Inicia-se uma quarta fase de desenvolvimento que visa identificar possíveis eventos adversos graves mas que são extremamente raros. Eles são tão incomuns que só são observados quando se distribui o imunizante para milhões de pessoas.

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"As vacinas como conhecemos hoje são amplamente reconhecidas pela sociedade como intervenções de enorme importância e determinantes da melhoria de qualidade da vida", diz Homma.

Vacina pode causar a doença que deveria prevenir?

As vacinas podem ser feitas a partir de uma variedade de tecnologias. Dentre elas, há as vacinas feitas com o vírus atenuado, incapaz de causar a doença. É o caso de vacinas para febre amarela, sarampo, caxumba, rubéola e catapora. Nestas situações até seria possível causar a doença no paciente que recebe o imunizante, mas é extremamente incomum que isso aconteça, explica Edimilson Migowski, infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"Isso não é comum, pois as vacinas são muito seguras", ressalta Migowski. "Por se tratar de vírus enfraquecido, se isso ocorrer, será com um quadro mais leve, de menor morbidade e de menor letalidade."

Por outro lado, há vacinas que utilizam o vírus inativado, como tétano, coqueluche, ACWYB, pneumocócica, hepatites A e B, gripe e HPV. Quando é assim, não há a possibilidade de causar a infecção.

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Vacina reduz a imunidade?

É enganoso afirmar isso. As vacinas são feitas para induzir o corpo a criar um sistema de defesa contra determinada doença. Depois de vacinado, o organismo deve estar preparado para lutar contra aquela infecção. Dessa forma, o efeito de uma vacina é aumentar a imunidade, explica Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

"Quando falamos de alteração imunológica, nos referimos ao envolvimento do nosso sistema imune para formar imunidade contra aquele antígeno (causador da doença). Isso não é uma situação de imunodeficiência", diz.

Edimilson Migowski: 'Vacinas são muito seguras'. Foto: Reprodução/AFP

A imunidade conferida pela doença é melhor do que pela vacina?

Quando ficamos doentes, nosso corpo combate o agente causador. Com isso, ele "aprende" a reconhecê-lo e combatê-lo. Este é o mesmo processo que as vacinas estimulam, porém de forma mais segura. Isso porque os imunizantes se utilizam de "pedaços" do vírus ou até mesmo do vírus enfraquecido. Dessa forma, é possível estimular a produção de anticorpos sem as consequências maléficas das doenças.

Por outro lado, quando ficamos doentes, não podemos prever se o corpo responderá bem ou mal à infecção. Mônica Levi cita como exemplo a meningite meningocócica, cuja vacinação é feita com o vírus inativado, isto é, incapaz de causar a doença. Por outro lado, a doença pode deixar sequelas e até levar à morte.

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Já o Ministério da Saúde lembra que duas doenças preveníveis com vacina, a poliomielite e o sarampo, podem causar, respectivamente, paralisia e cegueira. Outras doenças podem levar à morte.

Embora nas redes sociais sejam divulgados relatos de mortes de crianças supostamente ocorridas próximas à vacinação, a diretora da SBIm explica que vacinas não matam. Estudos foram feitos, mas negaram relação de causa entre as vacinas e o óbito: "É preciso saber diferenciar relação causal de temporal. Sempre foi descartada a associação causal, ou seja, foi coincidência a vacina próxima da data da morte."

Ainda segundo Levi, a única vacina que já apresentou disseminação do vírus vacinal e que levou a óbitos foi a vacina da febre amarela. Por isso, neste caso específico há algumas contraindicações. Imunodeprimidos, pessoas idosas, pacientes com HIV e pacientes submetidos a radioterapia não devem tomar a vacina.

Vacina causa autismo?

Este é uma das alegações mais populares nos grupos de redes sociais antivacina e é falsa. Ela se baseia em um estudo de 1998, publicado na revista científica The Lancet, que afirmava que 13 crianças teriam desenvolvido o transtorno do espectro do autismo após receberem a vacina tríplice viral para sarampo, caxumba e rubéola.

A publicação foi suficiente para causar pânico no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde muitos pais pararam de vacinar os filhos. Em consequência disso, alguns casos de sarampo voltaram a ser registrados nesses países.

O estudo recebeu contestações dentro e fora do mundo científico. O Conselho Geral de Medicina do Reino Unido (GMC-UK) cassou o registro profissional do médico à frente do estudo após longo processo administrativo concluir que a pesquisa tinha graves erros científicos e éticos. Dez dos treze autores se retrataram e o estudo foi despublicado.

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Mas os erros não param por aí. Em editorial de 2011, o jornal científico British Medical Journal chamou o estudo de "fraudulento". A publicação resgatou reportagens feitas pelo jornalista Brian Deer que demonstraram que o médico falsificou o histórico de todos os voluntários da pesquisa e tentou se beneficiar financeiramente do medo das vacinas. Ficou demonstrado também que ele tinha processos judiciais em andamento contra empresas que produziam o imunizante, o que configurava conflito de interesse.

O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) tem uma página destinada a combater este boato. Ela traz estudos feitos posteriormente que não provaram relação entre vacinas e a incidência de autismo. O órgão de regulação esclarece que "com raras exceções, as vacinas são muito seguras".

Nos EUA, o transtorno é comumente associado ao uso de um derivado do mercúrio para preservar os imunizantes. Estudos foram conduzidos para verificar a ligação, mas não foi observado nenhum indício de que a substância cause autismo. Além disso, atualmente apenas algumas vacinas da gripe possuem o composto de mercúrio no país.

Esforços em busca de uma vacina contra o novo coronavírus também são alvo de desinformação. Foto: @MiroslavaChrienova/Pixabay

Desinformação sobre vacina contra covid-19

A busca mundial por uma vacina da covid-19 também foi alvo de desinformação nas redes sociais. O Estadão Verifica e o Projeto Comprova já checaram conteúdos que afirmaram que vacinas do tipo mRNA causariam danos irreversíveis ao DNA humano.

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Esta tecnologia é utilizada em cinco das concorrentes a vacina contra o coronavírus. Ela introduz pedaços do código genético do vírus por meio de bolhas de gordura para dentro das células para elas produzam uma proteína. Com isso, o corpo saberia identificar o vírus e reagir a ele. Porém, estudos apontam que esta é uma tecnologia segura e que não interfere no DNA humano.

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Outras teorias acusam as vacinas de possuir microchip para "controle social". Novamente, o Projeto Comprova mostrou que não há qualquer indício sobre vacinas com chips. Essas publicações normalmente confundem as campanhas mundiais por um imunizante com projetos sociais de empresas de tecnologia.

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