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Conheça a médica jornalista que combate desinformação sobre covid-19 nos EUA

Seema Yasmin dirige iniciativa da Universidade Stanford que estimula a confiança em instituições de saúde

Por Pedro Prata
Atualização:

É possível "imunizar" as pessoas contra desinformação? A diretora do Stanford Health Communication Initiative, Seema Yasmin, acredita que sim. Segundo ela, é preciso fortalecer o entendimento sobre a ciência, construir relações de confiança entre a população e as instituições de saúde e ter veículos de comunicação fortalecidos para prevenir a disseminação de informações falsas.

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Seema se formou em Medicina no Reino Unido e se especializou em saúde pública nos Estados Unidos. Ela trabalhava no centro de inteligência de epidemias do Center for Disease Control and Protection (CDC), o centro de controle de doenças norte-americano, quando percebeu que o surto de uma enfermidade está sempre associado a um surto de desinformação. Por isso, voltou para os estudos e se formou também em comunicação. "O jornalismo é o sistema imunológico da sociedade."

Ela foi finalista do Prêmio Pulitzer, maior honraria do jornalismo nos EUA, em 2017, por sua cobertura de doenças negligenciadas no jornal The Dallas Morning News. Um ano depois, publicou o livro The Impatient Dr. Lange, biografia de um médico especialista no tratamento da AIDS morto na queda do avião da Malaysia Airlines que levava 239 pessoas.

Seema Yasmin: 'O jornalismo é o sistema imunológico da sociedade'. Foto: Stanford Health Care/Divulgação

Atualmente ela dirige o programa da universidade de Stanford que treina jornalistas e profissionais da saúde para melhor abordar temas médicos complexos com o público, com seus pacientes e até com os pares. A iniciativa também produz pesquisas sobre desinformação na área da saúde. Confira a entrevista concedida ao Estadão Verifica:

Você diz que um surto de doença caminha de mãos dadas com um surto de desinformação. Por que isso acontece?

Surtos de doenças são assustadores e provocam ansiedade. No meio desse medo e incerteza, as pessoas fazem perguntas para as quais a ciência nem sempre tem respostas - ao menos não rapidamente. Isso deixa vácuos de informação que podem ser preenchidos de forma imprecisa, seja com ou sem a intenção de causar danos. Infelizmente, enquanto algumas pessoas espalham notícias falsas sem saber, há quem explore nossa vulnerabilidade em tempos de crise para lucrar.

A desinformação pode intensificar os efeitos do surto de uma doença?

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A desinformação viaja mais rápido do que as informações confiáveis e pode intensificar o surto de uma doença. Durante a crise do Ebola entre 2014 e 2016, por exemplo, havia rumores de que a doença não era real. Isso levou as pessoas a ignorarem seus sintomas e exporem os outros. Nós vemos isso se repetir sempre, com os mais variados tipos de doenças. A disseminação de informações falsas acontece junto com o patógeno contagiante e ajuda a epidemia a avançar.

Algumas pessoas podem acreditar que a desinformação é danosa apenas para quem acredita nela. Isso é verdade?

A nossa saúde é conectada, então a desinformação afeta a todos. Se um grupo de pessoas acredita que máscaras faciais são perigosas e que não previnem o contágio da covid-19, e decidem não usá-las, isso não afeta somente a elas - afeta a toda a sua comunidade.

Quando você percebeu que o jornalismo faz parte da força-tarefa de combate a uma epidemia?

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Eu reconheci que o jornalismo é o sistema imunológico de uma sociedade quando eu trabalhava no escritório de inteligência para epidemias do Centro para Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Eu ia a campo para investigar uma pandemia e toda vez eu via que não era apenas a doença que estava se espalhando; havia também a desinformação. Eu compreendi que o jornalismo cumpre um papel importante de educar o público sobre saúde e ciência. Por isso, pode ser uma ferramenta poderosa para combater a desinformação.

Como isso se aplica à pandemia de covid-19?

Nós estamos vendo veículos de mídia locais e nacionais assumindo o papel de agências públicas de saúde ao compilar os dados sobre a doença. Isso é um trabalho que o CDC deveria estar fazendo. Ele geralmente faz, mas foi enfraquecido pelo atual governo. Então estamos dependendo dos jornalistas para coletar e analisar os dados.

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Como você avalia a transparência do governo norte-americano sobre a resposta à pandemia de covid-19?

Não precisamos de transparência governamental para enxergar que a resposta à doença tem sido inadequada e mal-organizada. Isso está claro na taxa de mortos e no número de infectados.

Enquanto pesquisadores tentam produzir uma vacina, os jornalistas buscam uma forma de imunizar as pessoas contra a desinformação. Isso é possível?

Para impedir que as pessoas acreditem em informações falsas é preciso fortalecer o entendimento sobre a ciência, construir relações de confiança entre a população e as instituições de saúde e ter veículos de comunicação fortalecidos com repórteres treinados para cobrir saúde e ciência.

A ciência foi parar no centro do debate público de repente. Com isso, muitos médicos ganharam destaque. Isso é de todo bom?

Como em toda crise, há pessoas que veem uma oportunidade de ganhar plataforma apesar de não possuírem expertise. Infelizmente, também vemos isso com a pandemia de covid-19. Ao mesmo tempo, há médicos e cientistas confiáveis e experientes que estão fazendo um ótimo trabalho ao explicar a ciência para o público.

Como você ensina médicos, jornalistas e comunicadores a lidar com a incerteza e com as informações que mudam tão rápido nesta pandemia?

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Nós oferecemos um curso sobre isso na Stanford Health Communication Initiative. Primeiro é preciso compreender as necessidades do público que você pretende alcançar. Depois, deve-se combinar ciência e dados com técnicas de comunicação que tornem a informação próxima e fácil de compreender.

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