Alteração de atestado de óbito em Guarulhos é usada por negacionistas do coronavírus para expor 'fraude' inexistente

Prefeitura e familiares relatam que resultado de exame que revelou covid-19 saiu somente após o falecimento de idosa de 64 anos; notificação é compulsória

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Por Samuel Lima
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Circula nas redes sociais vídeo que mostra dois homens afirmando que teriam sido obrigados a alterar o atestado de óbito da mãe, de arritmia e insuficiência cardíaca para covid-19, em Guarulhos. O conteúdo, no entanto, não comprova "fraude" nas estatísticas da doença em São Paulo, como é apontado em comentários e legendas. Postagens com o vídeo tiveram mais de 1 milhão de visualizações no Facebook até a tarde desta terça-feira, 5. 

O caso ocorreu na semana passada, em Guarulhos, cidade da Região Metropolitana de São Paulo. De acordo com informações da prefeitura, a vítima deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Paulista, em estado grave, e faleceu na noite de quinta-feira (30). Uma hora depois da morte, o exame de covid-19 ficou pronto, com resultado positivo. As autoridades solicitaram então a atualização do documento aos familiares, como é o procedimento padrão.

Postagens com mais de 1 milhão de visualizações no Facebook enganam ao apontar fraude em caso de covid-19 na cidade de Guarulhos. Foto: Reprodução

Em outro vídeo publicado em seu perfil pessoal, um dos filhos confirma as informações: "Minha mãe fez exames de covid-19 na quarta-feira à noite. Depois que veio a falecer, passada uma hora ou uma hora e meia, eles falaram que saiu o resultado e deu positivo". São três vídeos no total, compartilhados em sequência, no dia 1º de maio.

Pessoas com doenças cardiovasculares estão no grupo de vulnerabilidade para o novo coronavírus. Segundo especialistas e estudos consultados pelo Estado, a infecção aumenta o risco de morte e também pode, por si só, provocar agressão cardiovascular. Com isso, a mortalidade desses indivíduos por causa da covid-19 é três vezes maior do que a da população em geral. A idosa tinha 64 anos.

Em transmissão no Facebook, o prefeito de Guarulhos, conhecido como Guti, e o secretário de Saúde, José Mario Clemente, comentaram sobre o caso, alegando que receberam permissão da família. Clemente afirma que o laudo foi feito de maneira correta com insuficiência cardíaca, mas que seria crime deixar de fazer a notificação compulsória de covid-19 após o resultado positivo do exame. O secretário também disse que a situação traz mudanças no sepultamento, por razões de segurança. O corpo foi enterrado no Cemitério Necrópole do Campo Santo (Vila Rio).

O Ministério da Saúde esclarece que são de notificação compulsória todos os "casos suspeitos ou confirmados de doenças que podem implicar medidas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional", situação em que a covid-19 se encontra. O texto consta na Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975.

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Procurado pelo Estadão Verifica, um dos autores do vídeo, Márcio Gonçalves, disse que não tem condições de afirmar se o caso da mãe seria uma fraude ou não. "Não estou dizendo que é falso, só achei estranho que (o exame) veio em menos de 24 horas, sendo que eles mesmos falaram que sairia em três dias", disse. "Pode ter dado positivo, ela estava dentro do hospital, fraca e debilitada. Mas não estava prescrito, a causa da morte era arritmia e insuficiência cardíaca". Sobre o comentário do prefeito e do secretário em live nas redes sociais, Gonçalves afirma que não ofereceu permissão, ao contrário do que é dito. "Não autorizamos ninguém a falar pela nossa família."

Boatos questionam estatísticas

São comuns, nas redes sociais, boatos que questionam as estatísticas da covid-19 e o diagnóstico por exames em laboratório. Recentemente, o Estadão Verifica mostrou que é falsa a alegação de o diagnóstico da doença para mortos seria "instantâneo", enquanto testes estariam demorando de 10 a 20 dias. Outra notícia falsa de grande alcance, desmentida pelo blog em março, é de que o governador de São Paulo, João Doria, teria assinado decreto para aumentar artificialmente o número de mortes, o que não é verdade.

A desinformação é motivada, em parte, pelos conflitos políticos entre autoridades do país, como o governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro. O presidente já afirmou publicamente que lideranças estaduais e municipais deveriam "abandonar o conceito de terra arrasada" e acusou o governador de usar a pandemia como "palanque" para as eleições de 2022. Bolsonaro defende a flexibilização das medidas de isolamento social para estimular a retomada da economia e costuma minimizar a gravidade da doença.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Versão em espanhol

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Texto traduzido pelo LatamChequea, grupo colaborativo que reúne dezenas de fact-checkers da América Latina no combate à desinformação relacionada ao novo coronavírus.

Negacionistas del coronavirus alteran un certificado de defunción en Guarulhos para exponer un 'fraude' inexistente

MAYO 06, 2020

Por las redes sociales circula un video en el que dos hombres afirman que habrían sido obligados a alterar la causa de muerte de su madre, arritmia e insuficiencia cardíaca por Covid-19, en el certificado de defunción, en Guarulhos. Sin embargo, el contenido no comprueba "fraude" en las estadísticas de la enfermedad en San Pablo, como señalan comentarios y epígrafes. Las publicaciones con el video tuvieron más de 1 millón de visualizaciones en Facebook hasta la tarde del martes 5. 

El caso ocurrió la semana pasada en Guarulhos, ciudad de la Región Metropolitana de San Pablo. Según información de la municipalidad, la víctima ingresó a la Unidad de Pronta Atención (UPA) paulista en estado grave y falleció la noche del jueves (30). Una hora después del deceso, el examen de Covid-19 estuvo listo con resultado positivo. Las autoridades solicitaron entonces la actualización del documento a los familiares, de acuerdo con el procedimiento estándar.

Publicaciones con más de 1 millón de visualizaciones en Facebook engañan al señalar fraude en un caso de Covid-19 en la ciudad de Guarulhos. Foto: Reprodução

En otro video publicado en su perfil personal, uno de los hijos confirma la información: "Mi madre se hizo los exámenes para Covid-19 el jueves a la noche. Posteriormente falleció. Había pasado una hora u hora y media cuando dijeron que había salido el resultado y que era positivo". El 1º de mayo se compartieron en total tres videos consecutivos.

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Las personas con enfermedades cardiovasculares están dentro de los grupos de vulnerabilidad al nuevo coronavirus. Según especialistas y estudios consultados por Estadão, la infección aumenta el riesgo de muerte y, en sí misma, puede provocar agresión cardiovascular. Es por eso que la mortalidad de estos individuos a causa de la Covid-19 es tres veces mayor que la de la población en general. La paciente fallecida tenía 64 años.

En una transmisión por Facebook, el intendente de Guarulhos, conocido como Guti, y el secretario de Salud, José Mario Clemente, comentaron sobre el caso y afirmaron que recibieron autorización de la familia. Clemente dice que el informe se completó correctamente con insuficiencia cardíaca, pero que sería un delito no haber incluido la notificación obligatoria de Covid-19 luego del resultado positivo del examen. El secretario agregó que la situación implica cambios en la sepultura por razones de seguridad. El cuerpo fue enterrado en el Cementerio Necrópole do Campo Santo (Vila Rio).

El Ministerio de Salud aclara que son de notificación obligatoria todos los "casos sospechosos o confirmados de enfermedades que pueden requerir medidas de aislamiento o cuarentena, de acuerdo con el Reglamento Sanitario Internacional". La Covid-19 está dentro de esta situación. El texto consta en la Ley nº 6.259, del 30 de octubre de 1975.

Estadão Verifica contactó a uno de los autores del video que prefirió no hacer comentarios sobre el tema.

Rumores cuestionan estadísticas

Es común encontrar en las redes sociales rumores que cuestionan las estadísticas de la Covid-19 y el diagnóstico por exámenes en laboratorio. Recientemente, Estadão Verifica demostró que es falsa la afirmación de que sería "instantáneo" el diagnóstico de la enfermedad en las personas fallecidas, cuando los testeos estarían demorando entre 10 a 20 días. Otra noticia falsa de gran alcance, desmentida por el blog en marzo, es que el gobernador de San Pablo, João Doria, habría firmado un decreto para aumentar artificialmente el número de muertes, lo que no es verdad.

En parte, la desinformación es motivada por los conflictos políticos entre autoridades del país, como es el caso entre el gobernador João Doria y el presidente Jair Bolsonaro. El presidente ya manifestó públicamente que los liderazgos estaduales y municipales deberían "abandonar el concepto de tierra arrasada" y acusó al gobernador de usar la pandemia como "plataforma"para las elecciones del 2022. Bolsonaro defiende la flexibilización de las medidas de aislamiento social como estímulo para retomar la actividad económica y suele minimizar la gravedad de la enfermedad.

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