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Decisão do STF sobre delações pode abrir corrida por acordos na PF

Supremo vota nesta quinta, 7, ação de inconstitucionalidade movida pela PGR que tenta impedir que policiais fechem acordos de colaboração premiada; medida deve beneficiar Duda Mendonça, Marcos Valério e outros candidatos a delatores

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Por Ricardo Brandt , Fabio Serapião , Rafael Moraes Moura e Beatriz Bulla
Atualização:

Plenário do Supremo Tribunal Federal. Foto: ANDRE DUSEK/ESTADÃO

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que vota nesta quinta-feira, 7, se a polícia tem competência para fazer delações premiadas servirá como base para homologação dos acordos entre a Polícia Federal e os publicitários Duda Mendonça e Marcos Valério e impulsionará novas negociações em investigações de corrupção, em especial, da Operação Lava Jato, segundo avaliam policiais, procuradores e advogados ouvidos pelo Estadão.

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A maioria dos ministros do STF deve negar pedido de inconstitucionalidade feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dos artigos da Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013) que permite à polícia fechar acordos de colaboração premiada independente da participação do Ministério Público Federal. Há entre eles aqueles que avaliam pela necessidade do acordo ser submetido posteriormente à análise do MPF. O entendimento dos procuradores é que eles têm o monopólio das delações, por serem responsáveis pelas acusações criminais na Justiça.

Com novas investigações da Lava espalhadas por estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, o maior impacto da decisão do STF estará concentrada nesses locais. Em Curitiba, onde as apurações começaram em março de 2014 - com foco na corrupção na Petrobrás - as apurações policiais estão em fase final. Na capital paranaense pelo menos dois alvos que negociaram acordos com o Ministério Público Federal sem sucesso podem usar a decisão do Supremo para negociações com a PF.

Um dos investigados na fila é o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, seis vezes condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a mais de 70 anos de prisão e réu ainda de outras sete ações. O ex-homem forte do PT no esquema de fatiamento das diretorias da estatal é figura emblemática da Lava Jato. Preso em 2014, solto por decisão do STF três semanas depois, preso em março de 2015 mais uma vez e gravado no grampo indignado no bordão de rock dos anos 1980 ao falar com o advogado: "Que País é Esse?", suas penas devem ultrapassar os 100 anos.

Em junho, sob orientação do criminalista Antonio Figueiredo Basto - paranaense que se especializou em delações com o doleiro Alberto Youssef -, Duque buscou os benefícios de uma colaboração diretamente com a Justiça. Usou a lei de lavagem de dinheiro, anterior à 12.850/2013, confessou os crimes, e obteve uma redução de pena. Por decisão de Moro, depois de cumprir 5 anos de cadeia - que completará em março de 2020 - ele deixará a prisão.

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"O Duque continua colaborando e está à disposição para fazer acordo com a PF sem dúvida nenhuma", afirmou Basto. Para o advogado a participação da polícia e do MPF em parceria nas tratativas de acordo é fundamental e facilita, mas diz que no caso de recusa de uma das partes buscará tratativas unilaterais. "Como se pode impedir alguém de querer falar? Não cabe ao Ministério Público não dar o benefício. Ele pleiteia o benefício, quem estabelece o benefício é a Justiça."

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"Não tem fundamento legal essa tentativa do Ministério Público. Eu entendo que o acordo não é uma prerrogativa exclusiva do Ministério Público", afirmou o criminalista. "O acordo é um meio de obtenção de provas. O acordo é uma sugestão que as autoridades fazem ao Poder Judiciário para que após uma análise concreta da eficácia da colaboração dê o benefício legal a aquele acusado. O fato de o Ministério Público ser o titular da ação penal garante que ele deva analisar se formalmente o acordo está dentro das balizas estipuladas em lei. A palavra final sempre será do Poder Judiciário."

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Comando. Outro alvo da Lava Jato que pode usar a decisão do STF a seu favor é o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Preso em outubro de 2016 e condenado em junho deste ano por Moro a 12 anos e 2 meses de prisão, o petista iniciou tratativas por um acordo com a equipe do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e teve as conversas interrompidas em setembro com a troca de comando na PGR. As negociações só retomaram em novembro, mas em outro ritmo, segundo apurou a reportagem.

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Em juízo, Palocci confessou seus crimes a Moro e incriminou o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Suas negociações pararam com mais de 40 anexos redigidos pela defesa. Boa parte deles iniciados em conversas com a Polícia Federal, em Curitiba, que foi excluída das tratativas com a entrada da PGR. O criminalista Adriano Bretas não quis comentar o caso.

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Advogados de empreiteiros afirmaram sentir "insegurança jurídica" com a troca de comando na PGR. A entrada da nova procuradora-geral, Raquel Dodge, em setembro, descontinuou alguns acordos em negociação em Curitiba, no Rio e Brasília.

A decisão do STF pode beneficiar também um dos alvos da Operação Carne Fraca, que apurou corrupção envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e empresas do setor de carnes. A fiscal Maria do Rocio Nascimento que teve problemas com a PGR pode ter seu acordo fechado com a PF.

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Precedente. Na Lava Jato e em outras operações na primeira instância, a PF já fechou acordos de colaboração, mas a maioria deles são originários de tratativas dentro do modelo do Ministério Público Federal.

Na Operação Acrônimo - que tem como alvo o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT) - a PF fechouacordo com a empresária Danielle Fonteles, da agência Pepper, e outro com a secretária Vanessa Daniella Pimenta Ribeiro, ex-funcionária do empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, o Bené. O acordo foi homologado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo ministro Herman Benjamin.

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Em Curitiba, a PF tentou fechar delação com a doleira Nelma Kodama sem a participação do Ministério Público Federal. O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, homologou a colaboração, que garantiu que ela deixasse a prisão em 2016 apenas após a entrada da Procuradoria no acordo, que teve que ser refeito

No STF, a decisão prevista para amanhã pode impactar em dois acordos que esperam homologação, o do publicitário Duda Mendonça, assinado pela PF do Distrito Federal, e do lobista Marcos Valério, fechado com delegados de Minas Gerais. O primeiro está com o ministro Edson Fachin e o outro sob tutela do decano Celso de Melo.

Legal. O ministro Celso de Melo disse nesta quarta-feira, 6, que a "lei autoriza expressamente" a PF fechar acordo, mas que a questão "é saber se a norma legal é constitucional ou não", ao ser questionado pelo Estado. "A Procuradoria-Geral da República sustenta que é inconstitucional em face do modelo acusatório que prevalece em nosso sistema jurídico", disse o ministro.

A sucessora do Janot, Raquel Dodge, também defende que a titularidade seja do Ministério Público. Em discurso na segunda-feira, 4, ela citou a titularidade das delações como um dos instrumentos jurídicos que permite o combate à corrupção e sem o qual o país viverá um "duro golpe de perder o futuro promissor e ter de viver um presente marcado pela desonestidade e pela desconfiança."

Dodge também disse que a delação premiada é a "um meio de obtenção de prova por um lado e, por outro, meio de obtenção de benefícios". Segundo ela, como o MPF é titular exclusivo da ação penal, é o único com atribuição para firmar os termos do acordo de delação porque "é o único que pode fazer o ato negocial de conceder benefícios". Para a procuradora-geral, um acordo firmado pela PF poderia causar insegurança jurídica e questionamentos nos tribunais, o que acabaria desacelerando o processo de investigação.

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O principal argumento da PF contra o modelo de acordo do MPF é justamente o ponto citado por Dodge. No entendimento da PF, os dados da colaboração devem passar por um processo de validação permanente e, por isso, o acordo se inicia com a formalização simples da intenção do colaborador e termina perante na sentença do juiz.

Caberá ao juízo, defendem os policiais, valorar na pena o reconhecimento sobre se as informações serviram ao processo e qual o benefício deve ser concedido em troca ao réu.

Para o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, há um risco que a PF vire uma "segunda porta" onde os "afogados" irão buscar um acordo, depois de terem tentativas frustradas no MPF.  "Tenho muitas dúvidas, porque vai causar uma insegurança jurídica tão grande, que acho que vai afastar os colaboradores. Só vão procurar os acordos quem estiver extremamente desesperado."

Para o procurador, "o que Marcos Valério traz é insuficiente para fazer acordo".

"O que vai acontecer é que as pessoas vão começar a ganhar acordos e perceber que podem começar a contar histórias mal arrumadas."

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