PUBLICIDADE

Morre o cientista político e ex-ministro Francisco Weffort

Intelectual, que morreu aos 84 anos, foi um dos fundadores do PT e ministro da Cultura durante o governo FHC

PUBLICIDADE

Foto do author Pedro  Venceslau
Foto do author Marcelo Godoy
Por Cássia Miranda , Pedro Venceslau e Marcelo Godoy
Atualização:

O cientista político Francisco Weffort morreu nesta segunda-feira, 2, aos 84 anos, no Rio, em decorrência de um enfarte no miocárdio. Com trajetória de destaque marcada pela atuação acadêmica, foi um dos mais importantes estudiosos sobre democracia e populismo no Brasil. Na política, foi um dos fundadores do PT, partido que deixou nos anos 1990, antes de assumir o Ministério da Cultura no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Weffort ocupou o cargo durante os dois mandatos de FHC, sendo o ministro que mais tempo ficou no posto desde o início do processo de redemocratização do Brasil.

Natural da cidade de Quatá, no interior paulista, Weffort deixa quatro filhas de seu primeiro casamento, com Madalena Freire Weffort, filha do educador Paulo Freire. Desde 2002, ele era casado com a socióloga Helena Severo, ex-secretária estadual de Cultura do Rio de Janeiro.

Autor de diversos livros, Weffort foi professor da USP Foto: Marcos D'Paula/Estadão - 5/5/2006

PUBLICIDADE

Weffort iniciou sua trajetória acadêmica em 1961, como professor da Universidade de São Paulo, lecionando em cursos de graduação até o golpe militar de 1964. Na década de 70, fez parte do time de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e foi um dos fundadores do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec).

Em 1977, graduou-se livre-docente na USP e, no ano seguinte, publicou O Populismo na Política Brasileira. Anos mais tarde, voltou a integrar o quadro de docentes da USP, onde permaneceu até 1995. Em 2013, recebeu o título de professor emérito. Ao longo de sua carreira, lecionou ainda em prestigiadas universidades como Essex (Inglaterra), Notre Dame (França) e La Plata (Argentina), além do Woodrow Wilson Center (EUA).

Entre suas principais obras estão Por que Democracia, Qual Democracia? e Formação do Pensamento Político Brasileiro. Em junho, Weffort publicou, ao lado do também cientista político José Álvaro Moisés, o livro Crise da Democracia Representativa e Neopopulismo no Brasil. Na obra, eles analisam o impacto do neopopulismo na atual crise da democracia e as possibilidades para superá-la.

Em entrevista ao Estadão, Weffort criticou o presidente Jair Bolsonaro por não respeitar as “regras de um sistema democrático” e afirmou: “Ou você sonha com a democracia ou tem a ilusão da democracia. A ilusão da democracia está entre nós”.

“A gente vinha conversando sobre o sistema presidencialista no Brasil e em que direção poderia ir uma reforma, que seria na direção do parlamentarismo ou do semipresidencialismo. Era uma tentativa de localizar qual é o ponto frágil do sistema presidencialista que precisa ser reformado”, disse Moisés ao Estadão. “Como secretário-geral do PT, ele trabalhou o tema da diversidade e fez o partido assumir a democracia como o projeto que unifica as tendências. Weffort é o grande autor do debate sobre a democracia brasileira.” 

Publicidade

“Recebi a notícia com imensa tristeza. Além de grande intelectual, era um amigo muito próximo e querido, assim como é Helena”, afirmou a cientista política Maria Tereza Sadek, que trabalhou a lado de Weffort na Universidade de São Paulo.

No PT, Weffort chegou a se lançar como candidato na Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, mas não conseguiu conquistar a vaga por São Paulo. Três anos depois, ele apoiou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, embora tenha manifestado publicamente discordâncias com relação a alguns aspectos da orientação política petista.

Peça fundamental na estruturação do PT, Weffort deixou o partido no início dos anos 1990 para se concentrar no estudo sobre novos regimes políticos. O desligamento da legenda, seguido da entrada no governo tucano, foi alvo de críticas e Weffort, acusado de “incoerente”. Por causa da aparente contradição, o cientista político foi, inclusive, tema de dissertação de mestrado, publicada em 2020, na Unesp, sob o título de Do PT ao governo FHC: a trajetória político-intelectual de Francisco Weffort. Nos anos, 2000, Weffort já defendia que o PT fizesse aquilo que mais tarde seria chamado de autocrítica sobre a participação de dirigentes do partido no escândalo do mensalão.

Em nota, o ex-presidente Lula afirmou que Weffort foi um cientista político “dedicado a pensar sobre a democracia e o Brasil”. “Foi um professor por vocação, e um intelectual público dedicado a pensar sobre a democracia e o Brasil, não só estudando e refletindo sobre nossa realidade, mas também atuando como cidadão pelas causas que acreditava para um país melhor”, disse o petista, que também destacou a participação do cientista político na fundação do partido.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Entre 1995 e 2002, Weffort esteve à frente do Ministério da Cultura. Depois do fim do governo FHC, o estudioso voltou a se dedicar prioritariamente ao ensino e à pesquisa em ciências políticas e sociais. “Nas últimas semanas perdi três grandes amigos: primeiro o Leôncio Martins Rodrigues, depois José A. Giannotti e agora o Francisco Weffort. Pessoalmente a perda foi grande, assim como também perde a cultura brasileira. Cada um, a seu modo, ajudou a formar estudantes, assim como a entender melhor nossa cultura e nossa sociedade”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

“Deixam contribuições que farão as gerações futuras recordá-los. Hoje minha homenagem e minhas considerações estão voltadas especialmente ao caro Weffort, que deixa um vazio imenso em todos os que lhes eram próximos.”

Aluno de Weffort, o cientista político Sérgio Fausto, diretor executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, contou que o ex-ministro dava aulas como quem proseava com os alunos e preservou um simpático tom interiorano. “Weffort marcou o debate sobre a democracia no Brasil. Defendeu-a como um valor em si mesmo, uma conquista civilizatória, fazendo a crítica dos autoritarismos à esquerda e à direita”.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.