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Mendonça atribui dossiê à ‘atuação proativa’ de diretoria

Em reunião sigilosa com parlamentares, ministro afirmou desconhecer atividades de Inteligência da pasta da Justiça

Por Breno Pires
Atualização:

BRASÍLIA - Em audiência reservada com parlamentares, em 6 de agosto, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, atribuiu a elaboração de relatórios sobre 579 policiais e professores de oposição ao governo à “atuação proativa da própria Diretoria de Inteligência” do ministério. Em reunião virtual da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, o ministro revelou desconhecimento sobre as atividades de Inteligência até que o tema viesse à imprensa. Os áudios do encontro foram obtidos pelo Estadão.

A elaboração de dossiês na Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal na última quinta-feira, por ampla maioria de votos (9 a 1), em julgamento repleto de críticas ao monitoramento de opositores pelo governo Jair Bolsonaro.

André Mendonça disse a deputados e senadores que é 'histórica' a produção de relatórios no Ministério da Justiça. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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Em seu relato, quando explicava a produção do relatório sobre “antifascistas”, revelado pelo UOL no fim de julho, Mendonça disse que “havia manifestações de imprensa que geravam preocupação na área de segurança pública e havia uma atuação proativa da própria Diretoria de Inteligência sobre o assunto”.

“Esse relatório de Inteligência, foi a primeira vez que eu me deparei. É uma atividade muito específica, muito técnica, que eu entendo, até por um princípio, que é o da segregação da informação, que não caberia a um dirigente, principalmente a um ministro de Estado, ficar perguntando ou querendo saber o que a atividade de inteligência está fazendo”, disse.

No cargo desde abril, o ministro afirmou ainda que, após a divulgação na imprensa, perguntou internamente o “porquê da produção deste relatório”. “Alguns elementos que me foram trazidos: em primeiro lugar, algumas notícias de imprensa, em função já de manifestações que tinham ocorrido tanto em São Paulo como em Curitiba relativo ao grupo Antifas”, disse. Mendonça então leu a parlamentares trechos de reportagens.

Em uma das citadas, publicada pelo jornal Zero Hora, no dia 4 de junho, um delegado comparava antifascistas a black blocs. “O repórter pergunta: ‘Qual é a relação dos Antifas com black blocs?’ O delegado responde: ‘Total, os black blocs não são um grupo rígido, eles são muito mais vinculados a uma tática, uma forma de atuação, e comungam muito com a Antifas, por vezes trocam de nome’”, disse Mendonça. “Estou falando aqui sem fazer juízo de valor, são dados objetivos apresentados como justificativa”, acrescentou.

O ministro disse também que é “histórica” a produção de relatórios, pela área de Inteligência do ministério, sobre “movimentos que têm uma bandeira e querem ir para a rua se manifestar”. “Eu pedi a eles para colherem procedimentos de relatórios de Inteligência, por exemplo, nas manifestações que tivemos em 2013, nos movimentos pró-impeachment em 2015 e 2016, e eles: ‘De fato, olha, é uma atividade de rotina na área de segurança pública’”, relatou Mendonça.

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‘Desvio’

A maioria do Supremo Tribunal Federal, no entanto, entendeu que houve “desvio de finalidade” e “devassa” indevida na coleta de informações sobre 579 servidores. Os ministros do STF, no entanto, não atenderam ao pedido do partido Rede Sustentabilidade – autor da ação – de abrir um inquérito para apurar o episódio. 

Na audiência virtual, apesar de críticas da oposição, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu Mendonça. “Vão tentar empurrar a narrativa de que Jair Bolsonaro pedia informações sigilosas a (Sérgio) Moro, Moro negava com base na lei, e agora Vossa Excelência estaria passando informações que não deveria ao presidente.”

Analistas veem falta de controle no ministério

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A fala do ministro de que houve “atuação proativa” de servidores na elaboração de relatórios sobre opositores e que ele não conhecia essa atividade, indica descontrole da área de Inteligência no Ministério da Justiça, na avaliação de especialistas.

“A declaração revela, no mínimo, falta de controle, conhecimento e supervisão sobre as prioridades, métodos e alvos dos órgãos de Inteligência subordinados ao ministério”, disse ao Estadão Marco Cepik, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), autor de livros sobre a atividade de Inteligência, como Espionagem e Democracia, de 2003.

O sociólogo Renato Sérgio Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disse que a leitura da frase do ministro é a de que os agentes da área de Inteligência, na Secretaria de Operações Integradas (Seopi), têm autonomia total para decidir o que e quando monitorar, sem controle, e isso traz riscos. “O mais grave é o ministro reconhecer que ele não tinha controle sobre um ‘monstro’ que vai ganhando tentáculos e pernas e decidindo sobre o que pode e o que não pode ser objeto de espionagem. O monstro está criado e continua sendo alimentado”, disse Lima.

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Após assumir a pasta, no fim de abril, Mendonça trocou 9 dos 14 nomes em cargos de chefia na Seopi, incluindo a diretoria e a coordenação da área de Inteligência.

Para Lima, é problemático que, mesmo com a troca de gestão, a secretaria tenha continuado a monitorar policiais antifascistas sem conhecimento do ministro. “Se o ministro não sabia, não foi competente. Se sabia, foi conivente. Então, querendo ou não, o ministro é o responsável político em última instância”, disse.

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Para lembrar: STF barrou monitoramento de opositores

A Secretaria de Operações Integradas foi criada na gestão de Moro com objetivo de integrar operações policiais contra o crime organizado. O trabalho da Seopi virou alvo do Ministério Público após revelação de que o órgão produziu um dossiê sobre opositores do governo Bolsonaro.

A Rede pediu abertura de inquérito para verificar eventual crime cometido pelo ministro André Mendonça. O Supremo então suspendeu qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre “antifascistas”. Relatora do caso, Cármen Lúcia disse que “não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer seja”.

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