Joaquim Leite pode reverter boiadas de Salles?; leia análise

Assim como na Saúde, na Educação e na Cultura, tendência é que a troca de ministro do Meio Ambiente mude a estridência, mas não a política

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Por Suely Araújo e Marcio Astrini
Atualização:

O Brasil aprendeu a normalizar tanta coisa nos últimos dois anos e meio que o mero fato de um ministro não ter condenações na Justiça e não achar que a Terra é plana já o torna razoável para o cargo. É o caso de Joaquim Leite, um ruralista-raiz que, num governo normal, jamais seria cogitado para a pasta ambiental e que só se torna alguém discutível porque a comparação é com Ricardo Salles

Salvo surpresas ou milagres, a gestão do novo chefe do Meio Ambiente deve seguir a mesma escrita já vista em trocas como as da Educação, da Saúde e da Cultura: a estridência do ministro diminui, mas a política de desmonte da pasta continua igual. Afinal, quem manda é Jair Bolsonaro, aquele que chama o Ibama de “indústria da multa”, que “não gosta muito do ICMBio" e acusou os indígenas brasileiros, na tribuna da ONU, de promover o desmatamento da Amazônia

O ex-ministro Ricardo Salles e seu sucessor no Ministério do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite Foto: MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

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Mudar a política de destruição ambiental até agora implementada no País só será possível com o fim do regime Bolsonaro. E Leite, ou qualquer outro que ocupe o ministério neste governo, só ficará por lá caso aceite ser uma espécie de variante de Ricardo Salles.

Porém, e em um cenário sem Bolsonaro, um novo ministro de meio ambiente estaria apto a, com meia dúzia de canetadas e sem gastar um centavo, reverter algumas das “boiadas” mais deletérias de seu amigo e antecessor. 

Alguns exemplos: bastaria o novo ministro querer para liberar instantaneamente R$ 2,9 bilhões para projetos ambientais retidos no Fundo Amazônia. Para isso, ele simplesmente teria de recompor os comitês gestores do fundo, extintos por Salles num acesso de birra. Além de botar dinheiro para a floresta e reatar com Noruega e Alemanha, ainda se livraria de um processo no Supremo.

Em outro ato, também pode pedir concurso para o Ibama, demitir os policiais militares que destruíram o Instituto Chico Mendes, recriar o PPCDAm, o plano de controle do desmatamento revogado por Salles, recompor o Conselho Nacional de Meio Ambiente e refazer as metas do Brasil no Acordo de Paris, que foram pioradas em 2020. Além disso, deveria ainda se engajar para que o governo fizesse a imediata desintrusão das terras indígenas invadidas e pedir a retirada de pauta dos projetos de lei que ameaçam essas populações e seus territórios.

Essas medidas, algumas extremamente simples, poderiam reverter retrocessos ambientais e recuperar algo da imagem do Brasil.Já a possibilidade de acontecerem é utópica, dado que tais ações levariam à proteção ambiental em um governo que, desde seu início, atua pela destruição dos nossos biomas. 

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Enquanto Bolsonaro for presidente, as árvores, os rios, os indígenas e a biodiversidade brasileira estarão em risco, com uma placa de alvo na testa. Quem aceitou ser ministro do Meio Ambiente nesse governo sabe disso.

*Suely Araújo é especialista-sênior em Políticas Públicas do Observatório do Climae foi presidente do Ibama (2016-2018). Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima