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Um olhar crítico no poder e nos poderosos

Opinião|Grande jornalista, grande mulher, grande pessoa

Cristiana Lôbo deixa um legado tão rico e intenso, uma legião de amigos e admiradores e uma certeza, ou uma derradeira aula: a vida vale a pena ser vivida

Foto do author Eliane Cantanhêde
Atualização:

Cristiana Lôbo era um furacão. Adorava o jornalismo, os furos de reportagem, a correria do dia a dia, mas antes de mais nada adorava a vida. Linda, exuberante, super bem casada com o Murilo, mãe atenta da Bárbara e do Gustavo, avó sempre presente, ela nunca deixou de ser vaidosa — "chiquérrima", como sempre se dizia em Brasília — nem de frequentar as missas aos domingos. Uma vida completa.

Para nós, amigos e colegas, ela deixa a imagem de uma veterana generosa, sempre pronta a alavancar um novo talento, dar uma bronca num repórter mais atrevido, explicar uma notícia complexa. Nas entrevistas coletivas, dava uma aula de como combinar seriedade com humor, para arrancar as melhores revelações, as frases mais contundentes.

Cristiana Lôbo atuava no jornalismo profissional desde a década de 80 e foi colunista do Estadão. Colegas se emocionaram ao dar a notícia de sua morte. Foto: Globo/Zé Paulo Cardeal

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Primeira e grande estrela do jornalismo político da Globonews, ela fazia uma dupla incrível com Leilane Neubarth no Jornal das 6, ou J18, ou com Heraldo Pereira, no Jornal das 10, e foi o seu próprio programa, Fatos e Versões, que revelou e jogou luzes nos grandes nomes do canal hoje, como Andreia Sadi, Natuza Nery, Valdo Cruz e Ana Flor. Ou seja, praticamente todo o belo time de política. Gerson Camarotti chegou antes. E não me lembro, mas Julia Duailibi ou veio daí, ou veio na sequência.

Cristiana e eu caminhamos juntas na carreira e na vida, por décadas. Nos conhecemos na cobertura do MEC, ainda na década de 1970, e atravessamos o fim da ditadura, as "Diretas Já", a Constituinte de 1988 e todos os governos e movimentos políticos que se sucederam, com momentos inesquecíveis na "casa do Moreno", do também grande jornalista Jorge Bastos Moreno, compadre dela.

Por ali passaram desde o Dr. Ulysses Guimarães e o Dr. Tancredo Neves, como todos os principais nomes da política, da esquerda, do centro, da direita. Fernando Henrique, Lula, Dilma, José Dirceu, José Serra, Marta Suplicy e os mais ilustres representantes da direita nacional, como ACM e Luiz Eduardo Magalhães, até que Moreno cansou do mundo político de Brasília e foi abraçar o glamour do mundo artístico no Rio.

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Quando saí do Estadão, na minha segunda passagem pelo jornal, quem me substituiu na coluna de notas da época foi a Cristiana. A internet era complicada, os comandos muito complexos, a gente se atrapalhava toda. E lá fui eu explicar para ela, tim tim por tim tim, como ajustar os tamanhos, apertar os botões certos. E cumprir o horário! 

Rimos muito! Aliás, rimos juntas durante décadas. Uma das características da Cris era a língua afiada, a frase mordaz, a provocação na hora certa. E isso valia não apenas para nós, os colegas, como para as próprias fontes. Ela, assim, se tornava não apenas temida pelos políticos, mas também admirada e querida pelos jornalistas, artistas, professores.

Nosso último compromisso de trabalho, lado a lado, foi um almoço com o ministro da Economia, Paulo Guedes, recheado do que a Cris e eu sempre gostamos: notícias. Sempre atenta, bem informada, ela fez ótimas perguntas, arrancou boas revelações. Mas nosso último encontro de amigas, só para bater-papo, rir mais um pouco (e, cá pra nós, fazer uma fofoca ou outra, que ninguém é de ferro), foi na linda casa dela em Brasília. Com direito a boas gargalhadas da Fafá de Belém.

Cris vai fazer uma falta imensa, doída, mas ela deixa um legado tão rico e intenso, uma legião de amigos e admiradores e uma certeza, ou uma derradeira aula: a vida vale a pena ser vivida. Com intensidade, dignidade e amor.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

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