Governo não se empenha e Moro sofre derrota no Coaf

Planalto opta por fazer acordo com o Centrão e a oposição para tentar salvar o novo desenho da Esplanada, mas tramitação da Medida Provisória 870 não avança

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Por Vera Rosa , Camila Turtelli , Daniel Weterman e Breno Pires
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BRASÍLIA – O governo lavou as mãos e permitiu que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sofresse nesta quinta-feira, 9, nova derrota no Congresso. Em um primeiro movimento, a comissão mista do Congresso que analisa a medida provisória da reforma administrativa tirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da pasta de Moro e o devolveu para o Ministério da Economia. Logo depois, o titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, telefonou para líderes do PSL e do Novo, dando voz de comando para que eles aprovassem logo a MP no plenário da Câmara, mas sofreu um revés e a votação foi adiada.

Embora o discurso do Palácio do Planalto tenha sido o de que a manutenção do Coaf na Justiça era prioritária para o combate à corrupção, na prática o governo não se empenhou para que o colegiado ficasse sob o guarda-chuva de Moro, ex-juiz da Lava Jato. Sem votos no Congresso, o Planalto preferiu fazer acordo com o Centrão – bloco que reúne aproximadamente 250 dos 513 deputados – e também com a oposição, na tentativa de salvar o novo desenho da Esplanada dos Ministérios, previsto na MP 870, enviada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro.

Ministro Sérgio Moro sofre derrota em comissão no Congresso; plenário analisará caso Coaf Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O problema é que, apesar do acerto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se irritou com uma questão de ordem apresentada em plenário pelo deputado Diego Garcia (Podemos-PR) e encerrou a sessão sem votar a MP, contrariando o Planalto.

Garcia chamou Maia de “desleal” e defendeu a manutenção do Coaf com Moro. “As medidas provisórias devem ser apreciadas seguindo a ordem de trancamento da pauta. Não pode o presidente (da Câmara) se valer desse momento. Isso é desleal com o Parlamento e com os parlamentares desta Casa”, disse o deputado, que está no segundo mandato.

Maia reagiu com nervosismo. “Nunca fui desleal e, agora, Vossa Excelência acabou de derrubar a MP 870. Vou ler todas as MPs e todas serão votadas antes da 870. Vossa Excelência será responsável pela retirada do Coaf do Ministério da Justiça”, afirmou ele. Há cinco medidas provisórias na “fila” para votação na Câmara que, pelo regimento da Casa, deveriam ser apreciadas antes. Porém, era possível inverter a pauta.

Bolsonaro: ‘Espero que mantenham Coaf na Justiça’

A preocupação do Planalto é porque a MP 870 – que diminui o número de ministérios de 29 para 22 – caduca em 3 de junho e, se não for aprovada até lá, todas as fusões de pastas feitas até agora serão desmanchadas. Apesar de o governo não ter agido para segurar o Coaf com Moro, Bolsonaro disse esperar que a mudança seja revertida pelo Congresso. “Espero que o plenário da Câmara e do Senado mantenham o Coaf no Ministério da Justiça porque é um instrumento muito importante para o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro”, afirmou o presidente em transmissão ao vivo pelo Facebook.

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Além de decidir, por 14 votos a 11, devolver o Coaf à equipe econômica – como era em governos anteriores –, a comissão mista do Congresso também resolveu transferir o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), hoje com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, para Moro.

Sérgio Moro (à esq.) em evento com o presidente do Coaf, Roberto Leonel; ministro afirma que vai insistir em manter órgão Foto: Dida Sampaio/Estadão

O que o Coaf investiga?

O Coaf é considerado estratégico porque recebe informações sobre suspeitas de lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e até financiamento de atividades criminosas ou terroristas. O colegiado teve participação em investigações como a do mensalão, no governo Lula, e em várias etapas da Lava Jato. Foi também o Coaf que identificou movimentações bancárias atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), como revelou o Estado. O próprio Flávio foi alvo do Coaf.

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Para Moro, o governo falhou na articulação para aprovar a permanência do Coaf na Justiça. “Nós conversamos, dialogamos, tentamos explicar. Aparentemente, não fomos bem-sucedidos”, disse o ministro.

Nem mesmo concessões feitas pelo Planalto para conseguir aprovar a MP, como a recriação dos ministérios de Cidades e Integração Nacional, acalmaram o Centrão. À noite, o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, anunciou que o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, será mantido na equipe, agora na Integração, caso a MP passe pelo Congresso, o que inviabiliza uma indicação política.

Poucas horas depois, deputados do PSL conversaram com Bolsonaro, no Planalto. Queriam saber se haveria alguma nova orientação para votar a MP. O presidente não fez qualquer apelo à bancada de seu partido para reverter a transferência do Coaf da Justiça para a Economia.

“Isso já estava precificado. Ele deixou o partido livre. Isso aqui não é uma monarquia. É uma democracia”, afirmou a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (SP). “Alguém, por acaso, reclama do Paulo Guedes?”, questionou ela.

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Bolsonaro pediu apenas que os deputados não permitam que a MP fique sem validade. “Ele não mostrou nenhuma insatisfação”, comentou Filipe Barros (PR), vice-líder do PSL, ao lembrar que a bancada é favorável à manutenção do Coaf com Moro.

4 PERGUNTAS PARA ...

Carlos Pereira, professor titular de Ciência Política da FGV-Ebape

1. A decisão da comissão que tirou o Coaf da Justiça  foi uma derrota para o ministro Sérgio Moro? 

Acho que é primeiro uma derrota para o governo e decorrente de uma estratégia equivocada, que é tentar governar sem uma coalizão majoritária no Congresso. O governo prefere construir coalizões episódicas, que eu chamo de ‘fantasmas’, que se formam e desaparecem. Essa estratégia já mostra sinais de fracasso.

2. O que pode estar por trás dessa derrota do governo na comissão?

A ausência de uma coalizão estável cria brechas para parlamentares insatisfeitos e líderes de partidos que não se sentem valorizados derrotar o governo em votações importantes, ou seja, o Congresso está dizendo (ao governo): não vou cooperar com você.

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3. O que significa a ida do Coaf para o Ministério da Economia comandado pelo ministro Paulo Guedes? 

É uma derrota mais política do que prática. Existe uma cooperação entre os ministros Sérgio Moro e Paulo Guedes, que já sinalizou que a estrutura do Coaf não será alterada. O jogo ainda não está definido. Esse caso irá passar no plenário, não será fácil, mas o governo pode conseguir maioria.

4. Como o sr. analisa  a possibilidade de o governo recriar dois ministérios, sendo um deles a pasta das Cidades?

Antes tarde do que nunca. O governo começa a perceber que as regras do jogo importam, as trocas legais entre Legislativo e Executivo. Quando cria mais ministérios, o governo sinaliza que começa a aprender que o presidencialismo de coalizão é condição necessária para governar. A vida do presidente se torna um pesadelo se a cada votação, ele tem de construir essa maioria fantasma. O custo fica muito maior.

Veja as derrotas sofridas pelo ministro Sérgio Moro

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e a cientista política Ilona Szabó,durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça, de 2019 Foto: Ciaran McCrickard/Fórum Econômico Mundial

1. Posse de armas

O decreto que flexibiliza a posse de armas, editado pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro, tem pelo menos sete diferenças em relação à minuta elaborada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, conforme mostrou a Coluna do Estadão. Soube-se, nos bastidores, que as divergências teriam chateado o titular da Justiça.

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2.  Coaf e Funai

A comissão mista do Congresso que analisa a medida provisória da reforma ministerial tirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, contrariando a vontade do ministro Sérgio Moro. O grupo ainda decidiu pelo retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a pasta de Moro, o que o ex-juiz não queria.

3. Pacote anticrime

O Palácio do Planalto decidiu separar a proposta de criminalização do caixa 2 do projeto de lei anticrime preparado pelo ministro Sérgio Moro. Na avaliação do governo, a resistência de parlamentares à criminalização do caixa 2 colocaria em risco todo o pacote proposto por Moro para combater a corrupção e o crime organizado.

4. Ilona Szabó

Sérgio Moro teve de desconvidar a cientista política Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, especializado em estudos sobre segurança pública, após chamá-la para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a pedido do presidente. O convite havia sido alvo de críticas da base de Bolsonaro nas redes sociais.

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