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Em reunião com outros Poderes, Bolsonaro repetiu discurso negacionista

Presidente insistiu na sua visão contrária à prática do lockdown e voltou a falar sobre o chamado ‘tratamento precoce’; confira bastidores do encontro

Por Marcelo de Moraes
Atualização:

BRASÍLIA – Mesmo cercado de aliados políticos, o presidente Jair Bolsonaro acabou provocando uma saia justa na reunião entre os representantes dos Poderes, que teve também a participação de sete governadores e da maioria dos ministros. O presidente insistiu na sua visão contrária à prática do lockdown e das restrições nas atividades permitidas. Bolsonaro repetiu que isso estava destruindo a economia, sem reduzir a pandemia.

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Pelo menos dois governadores, Renan Filho (Alagoas) e Ronaldo Caiado (Goiás), argumentaram que essas restrições podem ser importantes em algumas situações. Outra ponderação feita é que isso ajuda a diminuir o risco de contaminação nos transportes coletivos. Como Bolsonaro persistiu na sua visão, o tema acabou se tornando um constrangimento no encontro.

Apesar da reação enfática do presidente contra o lockdown, nenhuma decisão sobre o assunto foi tomada, como ressalta o governador do Rio, Cláudio Castro. Mas ele observa que “todos concordam que algum isolamento tem de ser feito”. Aliado do presidente, Castro afirma, porém, que essa questão está “desequilibrada e politizada”.

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro comrepresentantes dos Poderes em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão

Bolsonaro também insistiu em falar sobre o chamado “tratamento precoce” – uso de medicamentos, como a cloroquina, que não têm efeito sobre a doença e podem fazer mal à saúde. Nessa parte, o presidente acabou falando sozinho. Mas fez questão de insistir nesse ponto, na hora da declaração pública sobre o encontro. Segundo um ministro avaliou para o Estadão, Bolsonaro precisava dessa declaração para sinalizar na direção dos seus seguidores mais ideológicos.

A fala, porém, causou uma reação clara do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Ele fez questão de reforçar que o Comitê de Crise, estabelecido na reunião, tomará suas decisões baseado em ciência. Mesmo sem se referir diretamente ao tratamento precoce, o recado foi claramente endereçado para qualquer movimento negacionista que o presidente ou seus auxiliares tentem fazer dentro do Comitê.

Houve um terceiro momento de tensão quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), fez uma cobrança mais incisiva em relação ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Lira lembrou da necessidade da diplomacia brasileira atuar fortemente para garantir a obtenção de mais insumos e vacinas de outros países, em vez de adotar comportamento ideológico contra nações que poderão ser parceiras nessas negociações. O chanceler tem sido um crítico público da China, o que virou um obstáculo a mais para o Brasil conseguir os insumos necessários para produzir suas vacinas.

Na conversa, Lira cobrou também ações concretas do governo para garantir mais vacinas e acelerar o processo de imunização no País. Ele afirmou que a Câmara iria discutir e votar o projeto que incentiva que a iniciativa privada banque leitos de UTI para a rede pública em troca de poder abater isso em seus impostos.

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Depois da reunião, alguns ministros avaliaram que a reunião foi boa porque o comitê de crise criado pode ter sucesso na tarefa de organizar uma estratégia nacional de combate ao coronavírus. Mas reconhecem que o perfil chapa branca da reunião, sem a presença de atores importantes como o governador de São Paulo, João Doria, ou de algum representante dos prefeitos, reduz bastante a mensagem de busca de um “pacto nacional”.

É REPÓRTER ESPECIAL DO ‘ESTADÃO’

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