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Após um ano de pandemia, Bolsonaro anuncia comitê para coordenar ações contra covid-19

Um dia após recorde de mortes diárias no País, presidente anuncia comitê para coordenar ações em conjunto com governadores, Legislativo e Judiciário

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Foto do author Daniel  Weterman
Por Emilly Behnke , Camila Turtelli , Daniel Weterman e Marcelo de Moraes
Atualização:

BRASÍLIA - Mais de um ano após o início da pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quarta-feira, 24, a criação de um comitê para coordenar ações no País contra a doença. A formação do grupo foi definida em reunião do presidente da República com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), do procurador-geral da República, Augusto Aras, governadores e ministros. 

No encontro, o presidente foi cobrado a liderar um "pacto nacional" e ouviu ser preciso "despolitizar a pandemia". Em pronunciamento em seguida, Bolsonaro defendeu a vacinação em massa, mas insistiu também no chamado "tratamento precoce", composto por medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, reunido com chefes de Poderes para tratar sobre a pandemia Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Segundo declarou Bolsonaro, a ideia é que o comitê coordene ações em conjunto com os governadores e chefes do Congresso. O grupo deve se reunir semanalmente com as autoridades para, de acordo com o presidente, "redirecionarmos o rumo do combate ao coronavírus".

"Sem que haja qualquer conflito, sem que haja politização, creio que seja esse o caminho para o Brasil sair dessa situação bastante complicada que se encontra", afirmou o presidente após o encontro, realizado na manhã de hoje no Palácio da Alvorada.

Os confrontos, no entanto, têm sido a marca da relação de Bolsonaro com governadores e prefeitos desde o início da pandemia. O presidente é crítico a medidas de isolamento social determinadas pelos governos locais e chegou a ingressar com uma ação no Supremo para reverter restrições em três Estados: Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. O pedido foi negado ontem pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Participaram da reunião no Alvorada os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), o procurador-geral da República, Augusto Aras, governadores e ministros. 

Bolsonaro convidou para um "esforço nacional" contra a covid-19 apenas governadores aliados, deixando de fora, por exemplo, o governador de São Paulo, onde vivem 45,5 milhões de pessoas, equivalente a mais de 20% da população brasileira.

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Nenhum dos três governadores alvo da ação no STF também estiveram na reunião de hoje em Brasília. Na lista de convidados estavam apenas os mais alinhados ao Palácio do Planalto, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e o do Paraná, Ratinho Junior (PR), que também adotaram restrições de circulação e o fechamento de comércio para conter a propagação da doença.

"(Vamos) pedir a todos que entendam que, em situações delicadas, em situações críticas como a que estamos vivendo, muitas vezes se faz também necessário o isolamento social", afirmou Caiado. O governador reforçou que a responsabilidade de todos é "salvar vidas" e disse que o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, terá as credenciais para adotar ações técnicas e habilitar leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

O encontro no Alvorada foi realizado no momento mais agudo da pandemia, no dia em que o País deve atingir a marca de 300 mil mortos pela doença. Após a explosão de casos, cidades passaram a registrar filas para leitos de UTI e a falta de oxigênio e medicamentos usados no processo de intubação, necessários para o atendimento a pacientes.

Ao mesmo tempo, o governo é pressionado por um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso e um inquérito no Supremo que apura se houve omissão do Ministério da Saúde na crise que levou hospitais de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de oxigênio.

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O presidente também afirmou que o governo está focado na vacinação em massa da população, mas insistiu na defesa do chamado "tratamento precoce", que utiliza medicamentos sem eficácia comprovada para tratar a doença. "Tratamos também da possibilidade de tratamento precoce, isso fica a cargo do ministro da Saúde (Marcelo Queiroga), que respeita o direito e o dever do médico 'off label' (fora da bula) tratar os infectados. É uma doença como todos sabem, ainda desconhecida", disse. "Uma nova cepa, ou um novo vírus, apareceu e nós, obviamente, cada vez mais, nos preocupamos em dar o atendimento adequado a essas pessoas", acrescentou Bolsonaro.

"Não temos ainda um remédio", citou. "Mas, a nossa união, o nosso esforço, entre os três Poderes da República, ao nos direcionarmos para aquilo que realmente interessa - sem que haja qualquer conflito, qualquer politização da solução do problema - creio que essa seja realmente o caminho para o Brasil sair dessa situação bastante complicada que se encontra", afirmou.

Cobranças. Segundo o Estadão apurou, o momento mais tenso do encontro aconteceu com uma cobrança incisiva feita pelo presidente da Câmara em relação ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Lira lembrou da necessidade que a diplomacia brasileira atue fortemente para garantir mais insumos e vacinas de outros países em vez de adotar comportamento ideológico contra nações que poderão ser parceiras nessas negociações.

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Outro ponto importante que foi praticamente deixado de lado na reunião é a questão do distanciamento social e possibilidade de lockdown. Um dos governadores presentes, Renan Filho (MDB), de Alagoas, chegou a tocar no assunto, mas não houve seguimento. Bolsonaro tem sido crítico ferrenho dessa prática por entender que ela inviabiliza a economia.

No encontro, os presentes concordaram que é preciso haver ações práticas mais alinhadas entre o governo federal, Estados e municípios. Mas, além de restringir a reunião apenas a governadores alinhados ou próximos do Planalto, não havia nenhum representante dos prefeitos, que estão justamente na ponta dessas ações e que acabam decidindo por conta própria suas estratégias de combate ao vírus.

Após a reunião, o presidente do Senado afirmou que a expectativa é de que Bolsonaro lidere um "pacto nacional" para enfrentar a doença. "Há a compreensão de que medidas precisam ser urgentemente tomadas. Com a liderança do presidente da República e a liderança técnica do Ministério da Saúde, por meio do ministro Marcelo Queiroga, e os demais Poderes da República", disse Pacheco.

Tanto o presidente do Senado quanto o da Câmara disseram que a reunião foi uma expressão do que a sociedade brasileira espera dos Poderes no enfrentamento da pandemia. Os dois estiveram, na segunda-feira, em um jantar com empresários na capital paulista, na casa do dono da Gocil, Washington Cinel. Entre os participantes, estavam signatários da carta divulgada no fim de semana para cobrar o governo federal por vacinas e uma avaliação sobre a necessidade de um lockdown.

No comitê que deve ser criado para o combate a pandemia, Pacheco ficou responsável por ouvir as demandas dos governadores. Lira ressaltou ser preciso “despolitizar a pandemia”.“Temos de ter a união de todos para que consigamos comunicar melhor, despolitizar a pandemia. Para desarmar os espíritos e tratarmos o problema como um problema de todos nós. Um problema nacional, que nos compete enquanto representantes da população”, disse Lira. “Temos de falar uma linguagem só, com acompanhamento diário, com responsabilidade de informação e com a comunicação adequada de todos os dados, para que a nossa população tenha toda assistência com relação a todos os índices que já foram tratados”, ressaltou.

Para o deputado, a reunião foi uma demonstração de diálogo e de união para que os poderes passem a falar uma “linguagem só” para assistir à população. 

Fux, por sua vez, afirmou que o Supremo buscará estratégias para diminuir a judicialização da pandemia, mas que nenhum integrante do Judiciário deverá participar do comitê anunciado por Bolsonaro."O Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário, como último player para aferir a legitimidade dos atos que serão praticados, não pode participar diretamente desse comitê", afirmou Fux. "Entretanto, como esse problema da pandemia exigem soluções rápidas, nós vamos verificar estratégias capazes de evitar a judicialização, que é um fato de demora na tomada dessas decisões." 

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Pronunciamento. Ontem, em pronunciamento em rede nacional de TV e rádio, Bolsonaro mentiu ou exagerou sobre ações do governo contra a covid-19. Pressionado a moderar o tom, Bolsonaro disse que 2021 será "o ano da vacinação". 

No discurso, Bolsonaro tentou desfazer a imagem de negacionista e de que impôs barreiras para a chegada das vacinas, apesar de ter rejeitado por meses propostas de imunizantes e até ter levantado dúvidas, sem provas, sobre a eficácia dos produtos. Abaixo, trechos com mentiras ou exageros do presidente. 

MENTIRAS

Ações do governo

Logo no começo do discurso, Bolsonaro disse que "em nenhum momento" o governo deixou de tomar medidas contra o vírus e o "caos" na pandemia. O presidente, porém, desestimula desde o começo da pandemia a adoção de medidas básicas de combate à doença, como distanciamento social e o uso de máscaras. Bolsonaro só começou a usar a proteção facial mais regularmente nas últimas semanas, mas mesmo assim segue desacreditando os benefícios de medidas de restrição de circulação. Ele chegou a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que alguns Estados adotem lockdowns ou toque de recolher.

Doses distribuídas

Bolsonaro disse que o Ministério da Saúde já entregou "mais de 32 milhões de doses" da vacina contra a covid-19. Segundo dados da própria pasta, porém, foram cerca de 29,9 milhões até agora.

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Pessoas vacinadas

O presidente disse que mais de 14 milhões já foram vacinados no País contra a covid-19. Na verdade, 11,4 milhões receberam pelo menos a primeira dose da vacina. Destes, somente 3,62 milhões receberam a segunda dose, que garante a eficácia do produto.

Compra da Coronavac

Bolsonaro disse que sempre ter dito que compraria "qualquer vacina", desde que aprovada pela Anvisa. Não é verdade. Irado com possível ganho político do governador paulista, João Doria (PSDB), pela entrega da Coronavac, Bolsonaro mandou o Ministério da Saúde recuar de uma promessa de compra deste imunizante, em outubro de 2020. Em entrevista, ele ainda disse que a vacina não seria comprada de forma alguma por causa de sua "origem". A Coronavac foi desenvolvida pela chinesa Sinovac. “Da China nós não compraremos. É decisão minha. Não acredito que ela transmita segurança suficiente a população pela sua origem, esse é o pensamento nosso", diz Bolsonaro, em 21/10 em entrevista à Jovem Pan.

EXAGEROS

Ranking de vacinados

Bolsonaro voltou a afirmar que o Brasil é o 5º país que mais vacina no mundo. O presidente, porém, considera o número total de doses aplicadas. Quando a comparação é ajustada à população de cada País, o Brasil é o 18º no ranking mundial, segundo dados do Our World in Data, que usa informações oficiais.

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Pfizer e Janssen

Bolsonaro disse que intercedeu "pessoalmente" para antecipar o calendário da vacina da Pfizer e garantir as doses da Janssen. De fato, Bolsonaro realizou uma reunião com a Pfizer neste mês, mas o atraso na compra destas vacinas deve-se justamente à resistência e até desdém de Bolsonaro sobre a oferta destas empresas. Por meses, o presidente classificou como "abusiva" a exigência da empresa de que governo assumisse riscos e custos por eventuais efeitos adversos das vacinas. Trata-se da mesma cláusula colocada por fornecedoras do consórcio Covax Facility, entre outras companhias. “Lá no contrato da Pfizer está bem claro: ‘Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você’”, afirmou o presidente, em 17 de dezembro do ano passado. Como revelou o Estadão, um dispositivo para destravar a compra foi inserido em minuta da medida provisória 1026/2021, com respaldo da Saúde, mas acabou excluído da versão final, publicada em janeiro.

500 milhões de doses

Bolsonaro disse que o País terá alcançado mais de 500 milhões de doses de vacina até o fim do ano. Essa conta, porém, considera imunizantes que ainda tem barreiras no País, como a Covaxin (20 milhões de doses contratadas) e a Sputnik V (10 milhões). Ambas não entregaram ainda dados exigidos pela Anvisa para liberar o uso emergencial dos imunizantes. Há ainda 8 milhões de doses da vacina de AstraZeneca/Oxford, fabricada pelo Instituto Serum, da Índia, nesta conta. O governo indiano, porém, tem travado as exportações.

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