07 de setembro de 2020 | 20h37
BRASÍLIA - No dia em que o Brasil atingiu 127 mil mortos pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez na noite de ontem um pronunciamento em que ignorou a pandemia, não destacou a agenda de reformas de governo e procurou dar ênfase à “liberdade dos brasileiros”. Bolsonaro afirmou ter compromisso com a democracia, mas, em cadeia nacional de rádio e TV, voltou a celebrar o golpe de 1964 – que deu início ao regime militar. Essa foi a primeira vez que o presidente se manifestou em pronunciamento desde abril. Durante a fala do Dia da Independência, foram registrados panelaços pelo País.
Sem mencionar a repressão da ditadura militar a opositores, Bolsonaro destacou que, nos anos 1960, “quando a sombra do comunismo nos ameaçou”, milhões de brasileiros foram às ruas “contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. “O sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade”, disse o presidente.
Em tom nacionalista, afirmou que em 1822, na declaração de independência do Brasil, o País dizia ao mundo que “nunca mais aceitaria ser submisso a qualquer outra a nação”, e que os brasileiros “jamais abririam mão da sua liberdade”. Ele também fez referência à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, quando o País “foi à Europa para ajudar o mundo a derrotar o nazismo e o fascismo”. “Vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre.”
Afirmando compromisso com a Constituição, a democracia, a liberdade e a preservação da soberania, Bolsonaro disse que o País jamais abrirá mão de tais valores. “No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como Presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso País jamais abrirá mão”, disse o presidente, que destacou a palavra democracia em seu pronunciamento. “A Independência nos deu a liberdade para decidir nossos destinos e a usamos para escolher a democracia.”
A escolha do presidente em enfatizar a defesa da democracia ocorre num momento em que Bolsonaro adota um tom mais ameno na relação com os demais Poderes. No primeiro semestre deste ano, o mandatário participou de atos antidemocráticos em Brasília e proferiu uma série de críticas a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que contrariaram os interesses do governo – como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal.
O presidente também usou o pronunciamento para ressaltar a miscigenação brasileira. Para Bolsonaro, o Brasil desenvolveu o “senso de tolerância”.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), avalia que Bolsonaro fez um pronunciamento "neutro". "Ele concentrou sua fala sobre a Independência do Brasil há 198 anos, um pouco sobre Império e sobre a República. Eu não chamaria exatamente de paz e amor, mas foi uma alusão à independência, sem ataques e sem ódio", avaliou.
Para Fleischer, cabia ao presidente ter feito, pelo menos, uma pequena menção de solidariedade aos familiares de vítimas da covid-19. "Ele não fala nem hoje nem nos outros dias. É totalmente omisso em relação ao coronavírus. Se comparar com o presidente argentino (Alberto Fernández), que assumiu o comando nacional contra a covid, a diferença é radical", disse.
Durante o dia, o presidente participou da cerimônia do Dia da Independência, realizada no Palácio da Alvorada. Sem máscara, Bolsonaro chegou no Rolls-Royce conversível da Presidência para o evento, acompanhado de um grupo de cerca de dez crianças, e cumprimentou apoiadores. Algumas usavam máscaras, outras não. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi chamada de "mita" pelo público.
Sem máscara, Bolsonaro chegou no Rolls-Royce conversível da Presidência para o evento, acompanhado de um grupo de cerca de dez crianças, e cumprimentou apoiadores. Algumas usavam máscaras, outras não. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi chamada de “mita” pelo público.
Enxuto por causa da pandemia, o evento substituiu o tradicional desfile de 7 de Setembro, realizado na Esplanada dos Ministérios. A portaria do Ministério da Defesa que cancelou o evento apresentou como motivo o risco de aglomeração. No entanto, de acordo com a Secretaria Especial de Comunicação (Secom), entre 1 mil e 1,2 mil pessoas acompanharam a solenidade.
Estavam presentes autoridades como os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, além de ministros de Estado e chefes das Forças Armadas. Assim que Toffoli chegou à solenidade, simpatizantes de Bolsonaro gritaram para o ministro: “Supremo é o povo”. Alcolumbre, por sua vez, foi hostilizado com vaias. Entre os ministros, Paulo Guedes (Economia), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Fábio Faria (Comunicações) foram alguns dos presentes.
Com o desentendimento público entre Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Guedes, o presidente da Câmara dos Deputados optou por não comparecer à comemoração. Segundo a assessoria de Maia, o deputado não participou por estar no Rio.
Depois da cerimônia, Bolsonaro ainda participou, junto de ministros, de uma confraternização na casa do secretário especial de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha. O almoço contou também com a presença do presidente do STF. O convite de Rocha ocorreu justamente no momento em que o primeiro escalão diverge sobre gastos públicos na retomada econômica.
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