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Elcio Franco agiu a favor de plano da Precisa de vender vacinas para clínicas privadas

CPI investiga atuação do coronel, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e atual assessor especial da Casa Civil; plano era vender vacina a até US$ 40 a dose para clínicas

Foto do author André Shalders
Por André Shalders e
Atualização:

BRASÍLIA - A CPI da Covid no Senado está investigando a possível atuação do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, o coronel da reserva do Exército Elcio Franco, para permitir que a empresa Precisa Medicamentos vendesse a vacina indiana Covaxin a clínicas privadas.

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Documentos obtidos pela CPI mostram que a equipe do antigo número 2 do Ministério aceitou no mesmo dia uma alteração contratual solicitada pela Precisa, de modo a permitir a venda no mercado privado. Atualmente, Franco é assessor especial da Casa Civil e despacha dentro do Palácio do Planalto.

Para membros da CPI, a venda para clínicas privadas poderia ser a verdadeira motivação da Precisa — enquanto a venda para o governo brasileiro seria feita a US$ 15 a dose, no mercado privado a mesma unidade da Covaxin poderia alcançar um preço muito maior, de até US$ 40, ou R$ 205 pelo câmbio desta quinta-feira, dia 15. A negociação parece ter sido arranjada de modo a permitir que doses importadas para o Ministério da Saúde viessem depois a ser vendidas no mercado privado.

O coronel Antonio Élcio Franco Filho, ex-secretário executivo do Ministerio da Saúde, na CPI da Covid Foto: Dida Sampaio/Estadão

A alteração documental foi feita no dia 19 de fevereiro, no termo de referência que serviu de base para a elaboração do contrato entre a Precisa e o Ministério da Saúde. A troca de e-mails entre servidores do Ministério da Saúde destaca que as alterações deveriam ser feitas “impreterivelmente ainda nesta data”, dia 19. Uma das mudanças pedidas é no item 6.1.1.1 do termo, para determinar que o Ministério da Saúde pudesse “autorizar em caráter excepcional a comercialização feita pela CONTRATADA de doses da vacina contra a Covid-19”, mediante notificação “com antecedência mínima de 20 dias”.

Segundo um senador da CPI ouvido pelo Estadão, as alterações contratuais permitiriam que o Ministério da Saúde abrisse mão de parte das 20 milhões de doses da Covaxin a serem importadas pelo Ministério da Saúde. Após a mudança, o direito do governo brasileiro sobre as doses deixaria de ser de “exclusividade” e passaria a ser de “preferência”. Desta forma, a Precisa poderia importar o produto com a anuência do Ministério da Saúde e, depois, redirecionar a venda para o mercado privado, após desistência do poder público. É esta a hipótese que será agora investigada pela CPI.

A conveniência disto é que produtores de vacina dificilmente vendem para compradores privados. Assim, a Precisa teria mais facilidade para conseguir as doses junto à Bharat com a sinalização de interesse do Ministério da Saúde.

O e-mail com data de 19 de fevereiro foi enviado por Alexandro Ogliari, assessor do gabinete de Elcio Franco, a um servidor do Ministério da Saúde chamado Thiago Fernandes da Costa — que é réu em uma ação de improbidade administrativa junto com o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros. “Thiago, em reunião com a participação de todos os que seguem copiados neste e-mail, nesta tarde no Gabinete da Secretaria Executiva, consolidamos as alterações necessárias ao TR (termo de referência) para dar prosseguimento e contratação no âmbito do DLOG (Departamento de Logística)”, diz a mensagem.

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Na mesma mensagem, Ogliari pede a retirada de um item do termo de referência que determinava que o contrato só começasse a ser executado depois da apresentação de estudo clínico comprovando que a vacina era eficaz contra a “nova variante” do coronavírus que começava a circular no Brasil — o e-mail não especifica qual a cepa referida, mas naquele momento começava a se disseminar no país a variante P.1, que os pesquisadores acreditam ter surgido em Manaus (AM).

No fim da mensagem, o então assessor de Elcio Franco diz ainda que as mudanças precisam ser aplicadas também ao termo de referência relativo ao contrato com a União Química — empresa que produz, no Brasil, a vacina de origem russa Sputinik V.A mensagem é assinada com “GAB/SE”, ou seja, gabinete da Secretaria Executiva.

Depois de feitas as alterações, o termo de referência do contrato entre o MS e a Precisa passa a dizer que o Ministério “terá o direito de exclusividade/preferência” na compra das vacinas importadas pela empresa.

Nesta quarta-feira, a diretora técnica da Precisa, Emanuela Medrades, foi questionada sobre o assunto na CPI da Pandemia. Ela, no entanto, disse que as discussões para a venda privada de vacinas não passaram pela sua área

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A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Saúde e a Precisa medicamentos para comentários, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.

Tabela de preços. O dono da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, tentou intermediar um acordo entre Bharat Biotech, laboratório que produz a vacina indiana Covaxin, e clínicas particulares do Brasil para que os imunizantes fossem comercializados na iniciativa privada. Como mostrou o Estadão, a expectativa era a de que a venda rendesse pelo menos R$ 800 milhões para a Precisa.

A ideia era que a legislação fosse alterada para permitir a venda de vacinas e que a Anvisa desse aval à utilização. Nenhuma das duas condições ainda foi atendida. Um projeto de lei liberando a compra privada de vacinas chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados em abril, mas está hoje parado no Senado.

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Até o momento não há previsão de vacinação contra a covid-19 pelo mercado privado. Todos os imunizantes contra a doença são distribuídos gratuitamente pelo Serviço Único de Saúde (SUS). O laboratório indiano Bharat Biotech, no Brasil representado pela Precisa, é o único que negocia a venda de imunizantes com clínicas particulares no País. AstraZeneca e Pfizer, por exemplo, dizem negociar apenas com governos.

O contrato entre a Precisa e a Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVAC) previa cinco faixas de preços, que variavam de acordo com a quantidade adquirida. 

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Caso todas as doses tivessem sido vendidas ao preço mínimo, a Precisa receberia US$ 163,55 milhões (ou R$ 804,666 milhões na cotação atual do dólar, de R$ 4,92). Nas compras acima de 100 mil doses, o preço unitário é o menor possível e cada uma sairia por US$ 32,71 (R$ 160,93 ). A menor quantidade possível de ser adquirida (2 mil a 7,2 mil doses), cada imunizante ficaria a US$ 40,78 (R$ 200,63). O contrato não estabelece o valor pelo qual as clínicas venderiam cada dose a seus clientes. 

Embora o contrato não discrimine quanto desse valor a Precisa embolsaria, os preços estão acima do que foi definido pelo Bharat Biotech. Em abril, o laboratório indiano definiu que cada dose da Covaxin custaria US$ 2 ao governo do país asiático, US$ 8 aos governos estaduais da Índia e de US$ 15 a US$ 20 para exportação. Também estabeleceu o preço de US$ 16 para a venda a hospitais privados indianos. 

A Precisa recebeu R$ 66 mil da MDC Vacinas, clínica privada de Porto Alegre (RS), como pagamento adiantado pelo envio de doses do imunizante.O valor total dos produtos contratados era de R$ 660 mil. A entrega, porém, nunca aconteceu porque a lei não permite a venda de vacinas pelo mercado privado e a vacina indiana ainda não tem aval da Anvisa.

No dia 18 de junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu acatar o pedido da clínica gaúcha e determinou o bloqueio das contas da Precisa para que o valor fosse devolvido à clínica gaúcha. A representante brasileira do laboratório indiano Bharat Biontech chegou a pedir que o processo na Justiça ficasse em sigilo, o que foi negado pelo TJ-SP.

A reportagem do Estadão procurou o Ministério da Saúde, a Precisa Medicamentos e o ex-secretário Elcio Franco para comentários, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.

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