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Cinco pontos para entender o Sínodo da Amazônia e por que ele é importante

Evento que reúne 250 bispos de todo o mundo irá debater a Amazônia e tem sido alvo de monitoramento e críticas do governo Bolsonaro desde fevereiro

Foto do author João Ker
Por João Ker
Atualização:

O Vaticano recebe entre 6 e 27 de outubro a 16.ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, que reúne 250 lideranças católicas de todo o mundo para discutir por 23 dias o tema “Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Desta vez, o evento é alvo de suspeitas do governo de Jair Bolsonaro, que encara a reunião como uma forma de empurrar a “agenda da esquerda” e “ameaçar a soberania do Brasil sobre a Amazônia”.

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Após críticas do ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno e o monitoramento pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), formada por membros do clero brasileiro, se pronunciou em carta aberta: “Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da pátria.”

Bolsonaro reafirmou que a Abin estava monitorando o grupo. No dia seguinte, a CNBB lançou uma contra-ofensiva nas redes sociais para rebater as críticas do governo e demonstrar apoio ao papa Francisco.

Abaixo, entenda em cinco pontos a importância do Sínodo da Amazônia, o que será realmente debatido no evento e por que o governo Bolsonaro está preocupado com essa articulação:

Papa Francisco convocou oSínodo dos Bispos para a Amazônia para outubro de 2019 Foto: Remo Casilli/ Reuters

Como funciona um Sínodo?

Em artigo escrito para o Estado, o bispo d. Odilo P. Scherer explicou que, durante os Sínodos, “o Papa ouve mais do que fala”. O evento, na verdade, serve para que o Vaticano possa ouvir a opinião dos fiéis sobre assuntos específicos, através de questionários conduzidos pelos 250 bispos participantes, e tomar decisões a partir desses consensos. 

Em 2014 e 2015, o Sínodo teve como tema “Os desafios Pastorais no contexto da Evangelização”, e abordou temas como divórcio, contracepção e a união entre casais homoafetivos na Igreja. No ano passado, os cardeais discutiram “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. O objetivo de um Sínodo é discutir como a Igreja Católica pode intervir em determinados conflitos, assim como adequar suas diretrizes em lugares onde haja dificuldade de converter novos fiéis e disseminar os ideais católicos. 

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A palavra "sínodo" vem de duas palavras gregas: "syn", que significa "juntos", e "hodos', que significa "estrada ou caminho'. O sínodo tem caráter consultivo. Após o Sínodo, o papa emite um documento chamado "exortação apostólica", no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões. O Sínodo da Amazônia é o quarto do pontificado de Francisco.

Bispos participam de uma missa papal para a abertura do Sínodo dos Bispos, concentrando-se nos Jovens, na Fé e no Discernimento Vocacional, na praça de São Pedro, no Vaticano. Foto: Tiziana Fabi / AFP Foto:

Por que Sínodo da Amazônia?

O tema do Sínodo deste ano será  “Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Na ocasião, bispos de todo o mundo terão acesso a um material produzido por 13 autores, três dos quais são brasileiros e membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam). 

O texto que será analisado é dividido em três subtítulos e linhas de ação: “A voz da Amazônia” (Ver), “Ecologia Integral: o clamor da terra e dos pobres” (Discernir) e “Igreja Profética na Amazônia: desafios e esperanças” (Agir). Ele servirá de apoio para discutir temas como a riqueza cultural e ecológica da região, mudanças climáticas causadas por desmatamentos, os direitos de quilombolas e a crise migratória da Venezuela.  

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Outro ponto a ser abordado no encontro será a hipótese de a Igreja permitir a ordenação de homens casados na Amazônia, já que há escassez de padres na região e um dos objetivos do Vaticano é expandir a doutrinação católica pelo mundo, principalmente entre povos indígenas. 

Em entrevista ao Estado, o padre Justino Sarmento Rezende, único líder religioso de origem indígena a participar do Sínodo, afirmou: “Bolsonaro tem visão colonial dos indígenas”

A Igreja Católica afirmou em setembro por meio de um representante enviado à Câmara dos Deputados, que o papa Francisco não vai omitir a destruição do meio ambiente nas orientações pastorais que fará após o Sínodo.

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Por que o governo está preocupado com o Sínodo da Amazônia?

Em altaPolítica
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Em fevereiro, o Estado revelou com exclusividade que a Abin e comandantes militares na região amazônica estavam usando seus recursos para monitorar partes do que consideram o “clero progressista” no País. Na avaliação do Planalto, a Igreja Católica sempre foi aliada ao PT e estaria se esforçando para avançar com a “agenda da esquerda” no interior do Brasil e nas periferias.

O objetivo da articulação, com o acompanhamento das reuniões preparatórias em paróquias e dioceses, é neutralizar o Sínodo e impedir que o clero divulgue a “ideologia de esquerda”, o que supostamente interferiria na soberania do Brasil sobre a Amazônia. “A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso”, afirmou Augusto Heleno. 

D. Claudio Hummes, d. Alberto Corrêa e d. Walmor Azevedo falam sobre o Sínodo Foto: FELIPE FRAZÃO/ESTADÃO

Política x Religião

Durante almoço com jornalistas no fim de agosto o presidente Bolsonaro voltou a confirmar que a Abin acompanha o Sínodo da Amazônia: “Tem muita influência política lá sim”. Um dia antes, a Igreja Católica havia se pronunciado sobre o assunto, alegando que os bispos envolvidos no evento estavam sendo “criminalizados” e tratados como “inimigos da pátria”

O histórico de desavenças entre a Igreja Católica e os militares brasileiros vem desde a ditadura militar (1964 - 1985), mantendo-se até a gestão de João Figueiredo, o último desse ciclo. A convivência entre a CNBB e os governos democráticos tem sido pacífica nos últimos anos, com desentendimentos pontuais nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma

No último ano, Bolsonaro e as medidas propostas por ele têm sido alvo da CNBB, que já criticava o presidente durante sua campanha eleitoral, quando o bispo André de Witte, da Bahia, o considerou um “perigo real”. À época, as redes sociais bolsonaristas contra-atacaram, divulgando que o Papa Francisco era “comunista”.

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'É preciso ter mais conhecimento sobre o que são de fato cultura e identidade. A opinião pública e a sociedade em geral não são suficientemente informadas.' Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

O que o Papa Francisco disse sobre o Sínodo da Amazônia?

O cardeal d. Claudio Hummes, relator do Sínodo da Amazônia e principal nome do Brasil no evento, afirmou que o Papa Francisco pretende pressionar o governo brasileiro a tomar medidas para cuidar da floresta amazônica. De acordo com ele, o líder católico, também defende a ideia de que o país aceite ajuda internacional para cuidar do problema. 

“Ouvimos vozes contrárias, vozes que resistem, vozes que têm medo e vozes que têm interesses muito fortes que se sentem um tanto ameaçados”, afirmou o cardeal, durante evento preparatório para o Sínodo da Amazônia, no último dia 30 de agosto, em Belém. Ainda em agosto, o Vaticano declarou que estava “preocupado com os incêndios” que ocorrem na Amazônia e que “esse pulmão florestal é vital para o nosso planeta".

Hummes defendeu que a Igreja Católica faz parte da "história e identidade" da Amazônia há quatro séculos e, por isso, deve ajudar a apresentar soluções para a região. 

Na primeira semana de outubro, o papa Francisco disse que os incêndios na Amazônia são um problema global que devem ser enfrentados por todos e defendeu que o Sínodo dos Bispos deve propor soluções "antes que seja tarde demais". O papa se referiu à situação da Amazônia ao fazer uma análise sobre a situação atual mundial,"cada vez mais interconectada e habitada por povos que fazem parte de uma comunidade global". "Por exemplo, o problema dos incêndios na Amazônia, não é apenas daquela região. É um problema mundial, assim como o fenômeno migratório não se refere a apenas alguns países, mas a toda a comunidade internacional", afirmou.

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