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Análise: Medo: arma contra a democracia

A mera existência da lista é ameaça. Causa medo. O medo controla pessoas. Controla colegas. Atinge famílias. Controla leitores e eleitores. Infundir o medo é antidemocrático

Por Joaquim Falcão
Atualização:

Quando se lê a “lista dos antifascistas”, leia-se, por favor, “lista dos a favor da democracia”. Aí tudo fica mais claro. As consequências, nem tanto. Mas a chave para melhor compreender esta aparente contradição, pandemia à parte, está na observação de Beto Vasconcelos:

“A maior crise da democracia hoje não é a partidária, ou a eleitoral, ou do funcionalismo público, ou qualquer outra. A crise é a tentativa do governo Bolsonaro em controlar justamente as instituições que deveriam assegurar a democracia.”

Joaquim Falcão, professorda FGV Direito Rio Foto: Fábio Motta/Estadão

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Os exemplos são cotidianos. A tentativa de controlar o Coaf, que investigaria a família Bolsonaro. A tentativa de controlar o Supremo em reuniões presidenciais e através de pedradas nas ruas. A tentativa de controlar os dados do INPE sobre desmatamento.

A tentativa de controlar o Ministério da Justiça de Sérgio Moro. A de controlar a diretoria da Polícia Federal. As superintendências no Rio e em Brasília. A de usar a própria PGR para controlar o Ministério Público Federal. Agora, a tentativa de controlar servidores militares pró-democracia.

Não vai parar. Sérgio Moro criara um grupo para coordenar ações contra crime organizado, pedofilia, segurança das fronteiras, tudo dentro de sua competência e dirigida por um delegado.

Veio o Ministro André Mendonça, que se autodenominou em sua posse como “servo do profeta”. Profeta presidente? Demitiu o delegado. Nomeou o coronel Gilson Libório para a SEOPI, que mudou o foco do grupo para fora de sua competência para identificar, sob sigilo, policiais e professores ideologicamente contra o governo. Este é o jogo que hoje está sendo jogado. A mídia, políticos e sociedade reagiram.

O Ministro André, que nada sabia, demitiu o coronel Libório. Estaria agindo por conta própria? Ou a pedido do Planalto? Abriu sindicância sigilosa. Mas, convocado para esclarecer no Senado, preferiu não ir. Alegou que violaria direitos individuais. Mas diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional: “O Ministro tem o dever da transparência. É uma exigência constitucional. Ele não iria tratar de casos concretos de inteligência. Mas da falha grave administrativa que permitiu o monitoramento clandestino de servidores públicos dentro de seu ministério.”

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Mais ainda. A Rede Sustentabilidade entrou no Supremo com ação em defesa da liberdade de expressão. Explica-se. Nenhum dos servidores listados cometeram ato, gesto ou agressão, ao que se saiba, a não ser falar em favor da democracia.

Falar, expressar e opinar não é crime. Não justifica lista ou sigilo. Com razão a Ministra Cármen Lúcia querer saber o porquê desta lista ideológica. Como fica a liberdade de expressão individual ou coletiva? Fácil perceber o que ocorre: uma tática para neutralizar policiais civis e militares. A tática do medo.

A mera existência da lista é ameaça. Causa medo. O medo controla pessoas. Controla colegas. Atinge famílias. Controla leitores e eleitores. Infundir o medo é antidemocrático.

O uso estratégico, fora da lei ou com mera aparência de legalidade, neutraliza o livre comportamento cívico. Funciona como um marketing contra o Estado Democrático de Direito.

Já está funcionando? Será?

* PROFESSOR DA FGV DIREITO RIO 

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