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Estudantes de colégios militares custam três vezes mais ao País

Exército gasta R$ 19 mil ao ano por aluno e rede pública, R$ 6 mil; modelo defendido por Bolsonaro é considerado de alto custo e elitista

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Por Renata Cafardo e Roberta Jansen
Atualização:
Unidade do Colégio Militar no bairro da Tijuca, zona norte do Rio. Foto: MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO

Cada aluno de colégio militar custa ao País três vezes mais do que quem estuda em escola pública regular. São R$ 19 mil por estudante, por ano, gastos pelo Exército nas 13 escolas existentes – que têm piscinas, laboratórios de robótica e professores com salários que passam dos R$ 10 mil. O plano de governo do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) fala que, em dois anos, haveria “um colégio militar em todas as capitais de Estado”. A ampliação desse modelo é a ideia mais repetida pelo presidenciável na área de educação.

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O setor público investe, em média, R$ 6 mil por estudante do ensino básico anualmente. Se todos os alunos de 11 a 17 anos estivessem matriculados em instituições militares, seriam necessários R$ 320 bilhões por ano, o triplo do orçamento do Ministério da Educação (MEC).

Bolsonaro, que é capitão da reserva, tem elogiado os colégios pelo ensino de alto nível, com disciplina rígida. Ao Estado, afirmou que eles seriam interessantes em áreas violentas. “Existe eficiência porque existe disciplina. Hoje, qual o professor que vai tomar um celular de um aluno em aula?”

O desempenho dos alunos das escolas do Exército em avaliações nacionais é, de fato, superior ao restante das escolas. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a média é maior até do que a dos alunos de escolas particulares. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade no País, dos colégios militares é 6,5 (do 6º ao 9º ano do fundamental). O das escolas estaduais, 4,1.

No entanto, a renda desses estudantes é classificada como “muito alta” pelo MEC, um grupo em que se inserem apenas alunos de 3% das escolas brasileiras. A classe socioeconômica é considerada por educadores como um dos fatores mais importantes para a aprendizagem, pelas influências que o aluno recebe e pelas condições de vida.

A maioria dos estudantes dos colégios mantidos pelo Exército é filho de militar. O restante precisa fazer provas em que a concorrência chega a 270 por vaga. Na Fuvest, o curso mais disputado, Medicina, teve 135 candidatos por vaga em 2017. Em alguns lugares, como Brasília, há cursinhos preparatórios para o exame do colégio militar.

A diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, afirma que o modelo tem custo alto e é para poucos, principalmente porque faz seleção de alunos. Atualmente, todas as instituições do Exército juntas atendem 13.280 alunos do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do médio. O Brasil tem 17 milhões de estudantes nessa faixa etária. “Não se pode perpetuar a ideia na educação de que alguns têm privilégios. O que precisa é uma solução para todos e principalmente para os mais pobres.”

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Apesar de haver problemas de aprendizagem em todo o País, as crianças de classe baixa são as que têm resultados piores. Só 21% dos alunos mais pobres estão em níveis adequados de Português aos 11 anos. O índice sobe para 56,4% entre os mais ricos.

Autonomia pedagógica nos colégios militares

As escolas militares não têm a função de formar quadros para o Exército – só uma minoria segue a carreira e quase todos vão para boas universidades. As instituições – mantidas com verbas do Ministério da Defesa – têm autonomia para montar o currículo e a estrutura pedagógica. “A maioria dos nossos professores tem pós-graduação. Temos psicólogos, infraestrutura. Nossa meta é preparar o aluno para a universidade e para a vida”, diz o diretor de educação preparatória e assistencial do Sistema Colégio Militar do Brasil, general Flávio Marcus Lancia. Ele não quis comentar a ideia de Bolsonaro de expandir o modelo.

Para David Saad, presidente do Instituto Natura, que apoia iniciativas na área de educação, o colégio militar é uma escola de referência e “não foi feito para que todas sejam iguais a ele”. “Para virar política pública é preciso funcionar pra qualquer aluno e usar professores da própria rede, por exemplo.”

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O custo aproximado para se ter um colégio militar por capital – ou seja, mais 16 escolas pelo País, com cerca de mil alunos cada – seria de R$ 300 milhões. Isso sem contar o valor que seria gasto para construção das estruturas. Bolsonaro tem dito que pretende fazer “o maior colégio militar do Brasil no Campo de Marte, em São Paulo”. A cidade é uma das capitais que não tem uma escola do Exército e há anos se estuda essa possibilidade na instituição.

O montante para a ampliação da rede militar representa mais do que foi usado pelo MEC em 2017 para formação de professores no País (R$ 200 milhões). “É preciso ver o que é prioritário para esse volume grande de recursos. Não se pode apostar com dinheiro público e, sim, olhar para aquilo que já deu resultado”, diz Priscila.

Como exemplo, educadores defendem que o Brasil adote o modelo de tempo integral para o ensino médio, em que os adolescentes ficam até nove horas na escola. O Estado de Pernambuco, que já tem 50% das escolas integrais, conseguiu atingir o Ideb mais alto do País. O custo por aluno/ano é de cerca de R$ 8 mil. “Todas as pesquisas mostram melhoria relevante de aprendizagem, até em grupos vulneráveis, diminuição da evasão e uma conexão maior do jovem com a escola”, diz Saad.

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Unidade do Colégio Militar no bairro da Tijuca, zona norte do Rio. Foto: MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO

Colégio Militar no Rio tem disciplina e tradição como proposta pedagógica

Considerado um dos mais tradicionais do Rio, o Colégio Militar aposta na disciplina e na hierarquia e rejeita linhas pedagógicas alternativas. Tem um público grande e fiel. A cada ano, milhares de jovens encaram uma dura competição para garantir uma vaga na escola – que está entre as 100 mais bem colocadas no Enem no Estado. O mais antigo colégio militar do País tem uma mensalidade simbólica de cerca de R$ 260, que depende das condições socioeconômicas do aluno.

Este ano, as inscrições para o concurso já estão abertas. Até agora, 2.770 alunos se inscreveram para disputar 45 vagas no 6.º ano e 15 no 1.º do ensino médio. “Desde pequena minha filha falava muito em Nasa, em tecnologia, e era apaixonada pelo colégio”, conta a analista de sistemas Maria da Penha Ramos, de 47 anos, mãe da Rafaela, de 19. “Tentamos no 6º ano; ela fez a prova no Maracanã lotado, e não passou. No ensino médio, dentre 3.700 jovens, passou numa das primeiras colocações.”

A infraestrutura é grandiosa. São 20 mil metros quadrados de terreno, no coração da Tijuca, um dos mais movimentados bairros da zona norte do Rio. Tem piscina, ginásio esportivo, campo de futebol, cavalos para a prática de hipismo. Os prédios mais modernos, onde ficam a maior parte das classes, dividem espaço com edificações centenárias, que estão de pé desde a inauguração, em 1889.

São hoje 1.627 alunos, meninos e meninas. Além do currículo tradicional, têm também aulas eletivas, como robótica, informática, teatro e dança. Mas a tradição fala alto. Os jovens usam um elaborado uniforme que lembra uma farda militar e remonta, praticamente, à fundação do colégio. As meninas podem usar saia, mas desde que ela fique abaixo do joelho, e os cabelos precisam estar presos. O uniforme deve estar sempre impecável, sob pena de perda de pontos disciplinares que podem levar à expulsão.

Namorar é estritamente proibido dentro do colégio e também na porta. As aulas começam pontualmente às 7h, mas os alunos devem chegar às 6h40. Eles batem continência para professores. “A nossa proposta prega o respeito aos professores, aos mais velhos, são marcas da cultura militar”, diz o subcomandante do colégio, coronel André Pires Do Val. “Rafaela uma vez esqueceu a estrelinha do boné e teve que voltar para casa para pegar e poder entrar”, lembra a mãe. “Mas acho a disciplina adequada ao bom desenvolvimento dos alunos.”/ COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA, CECÍLIA DO LAGO E LUIZ FERNANDO TOLEDO

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